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LUÍS NASSIF
O sopro de Deus no Brasil
O Pelão , meu "insider" no
campo musical, informa
que Paulo Sérgio Santos está
gravando um novo CD. Não sei
se você já o ouviu. Se nunca o
ouviu, considere-se um ouvinte
musical de segunda classe. O
Paulo Sérgio é um clarinetista da
última geração de filhos de Radamés Gnatalli, tem formação
erudita e, apesar de nem ter chegado nos 40, ousaria afirmar que
se trata do maior clarinetista que
o choro já conheceu.
Pelão se refere a ele como "sopro de Deus" e está certo. Aliás,
a Santíssima Trindade do sopro
brasileiro, hoje em dia, tem o
flautista Altamiro Carrilho como Deus Pai, e, sentados à sua
volta, o saxofonista Paulo Moura e o clarinetista Paulo Sérgio.
Apesar das madeiras dos violões, dos cavaquinhos e dos bandolins e dos couros das cuícas,
dos surdos e dos pandeiros, o
sopro tem papel fundamental
na nossa música. O primeiro
choro, "Flor Amorosa", foi
composto por um flautista
-Joaquim Antônio da Silva Callado. E foram sucessores seus,
os também flautistas Anacleto
de Medeiros e o genial Patápio
Silva, além dos trombonistas
Bonfiglio de Oliveira e Candinho, os que primeiro elevaram o
choro à categoria de música instrumental de primeira.
Nas primeiras décadas do século, nove entre dez grandes
instrumentistas brasileiros
eram do sopro, formados na escola das retretas do interior, especialmente do nordeste. Nos
anos 20 surgiria o maior instrumentista brasileiro da história, o
flautista Pixinguinha, dando ao
choro a feição moderna e internacional que o consagraria ao
longo do século como a segunda
escola mais importante de música instrumental.
Depois dele, o sopro continuou reinando, mas não de forma tão absoluta. A partir de João
Pernambuco, gradativamente o
violão vai se firmando como o
instrumento brasileiro por excelência, como solo e como acompanhamento, secundado pelo
cavaquinho, no acompanhamento, e pelo bandolim, no solo, graças a três gênios das cordas, Luperce Miranda, Garoto e
Jacob do Bandolim, e, num plano mais popular, pelo violonista
Dilermando Reis e pelo cavaquinho de Waldir Azevedo.
Mas o sopro continuou a ser o
instrumento por excelência das
formações orquestrais e mais
eruditas, graças à influência das
big bands americanas, das retretas brasileiras e das próprias orquestras de música erudita nacionais.
Pixinguinha passou da flauta
para o saxofone quando os dentes o impediram de continuar
no instrumento original. Nos
anos 40 fez uma dupla histórica
tocando sax, com Benedito Lacerda na flauta, a essa altura o
substituindo como o maior flautista brasileiro. Esse predomínio
de Lacerda foi até meados dos
anos 50, quando Altamiro pega
a coroa e a traz até nossos dias.
Nesse período, em São Paulo, o
grande mestre da flauta foi Carrasqueira, o "canário da Lapa",
que deixou de herança muitos
filhos musicais e um filho real e
musical, o Toninho, que também é um craque.
Dos anos 40 em diante surgem
muitas orquestras e muitos sopros de primeiríssima. Tornaram-se lendários no choro o saxofone de Ratinho, as clarinetas
de K-Ximbinho e Luiz Americano, o grande Fon-Fon e sua Orquestra, as flautas de Benedito
Lacerda e Dante Santoro, os
trombones de Candinho, Raul e
Zé da Velha, e mesmo o pistom,
que revelou recentemente um
craque, o Silvério. E surge o
grande revolucionador do choro do final dos anos 40, o maestro e saxofonista Severino Araújo e sua Orquestra Tabajara.
Pessoalmente, conheci o K-Ximbinho no famoso festival do
choro da TV Bandeirantes, no
final dos anos 70. Era um potiguar baixinho, autor de alguns
dos mais bonitos choros da história. Por aqueles tempos ainda
estava brilhando com toda a intensidade a estrela do clarinetista Abel Ferreira e seu "Chorando Baixinho". Fui ouvi-lo numa
casa do Morumbi, tocando um
choro com a saída de clarineta
colada no ouvido do pianista
Arthur Moreira Lima, que chorava feito um bezerro desmamado.
Em um período em que as gravadoras não soltavam tantos
discos e nossas discotecas estavam sendo formadas, a gente ficava especulando sobre quem
seria melhor, se Abel, Luiz Americano ou se Altamiro. Armando Aflalo, dono de um amplíssimo conhecimento sobre o jazz,
nem permitia tais divagações: o
maior, o inigualável, era Altamiro, tendo acima dele apenas
Deus e Pixinguinha.
E por conta dessas digressões,
dessa nostalgia tão tipicamente
brasileira, dessa celebração recorrente dos valores do passado,
a gente tendia a considerar que
os maiores estavam mortos, sepultados e consagrados, e do
novo nada se deveria esperar, a
não ser secundar os pioneiros.
Quando a gente lê essa urubuzada de hoje, achando que o país
só anda para trás em qualquer
caminho que se analise, quando
patrulham qualquer visão otimista de futuro como sendo de
polianas, não imagina o que foi
o pessimismo dos anos 80. Jamais a música, o futebol, a cultura, e o que quer que fosse, conseguiria recuperar as glórias do
passado.
No entanto, foram aparecendo um a um os sucessores da
tradição, a música foi se renovando, alguns despontando como os maiores em seus instrumentos. Foi nessa leva que surgiu o "sopro de Deus" de Paulo
Sérgio Santos.
Internet: www.dinheirovivo.com.br
E-mail - lnassif@uol.com.br
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