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LIÇÕES CONTEMPORÂNEAS
Demagogos e estrategistas do caos
MARIA DA CONCEIÇÃO TAVARES
"Demagogos e estrategistas do caos" foi de que o
ministro Malan acusou as oposições em geral e o PT em particular,
a propósito do esforço de implantar
a CPI da corrupção. Essas designações parecem, porém, aplicar-se
com mais propriedade às altas autoridades desta República, nas práticas abusivas de cooptar sua base
de sustentação política e nos desdobramentos das estratégias de governo.
O "populismo cambial" do primeiro mandato presidencial e a
política energética de todo o seu governo são exemplos acabados de
demagogia e estratégias do caos. As
crises cambial e energética são as
restrições mais severas ao crescimento em qualquer país do mundo
e, no entanto, o presidente e o seu
ministro da Fazenda, "inamovível", não fizeram nada por evitá-las em tempo, apesar de choverem
advertências. As justificações dos
fracassos, atribuindo o primeiro a
causas externas e o de agora a são
Pedro e ao desconhecimento da situação, são exemplos acabados de
demagogia.
A política cambial do primeiro
governo FHC custou ao país a
atual fragilidade financeira externa e interna. A submissão ao FMI e
o ajuste fiscal permanente levaram
ao subinvestimento e à degradação
das políticas públicas. A política
cambial foi "abençoada" pelo ministro da Fazenda e pelo mais alto
dignitário da República, cujo único
motivo para mantê-la era a reeleição, pela qual se dispôs a pagar
qualquer preço. O preço que a sociedade e as finanças públicas pagariam foi desconsiderado.
O custo da "política" energética
ainda está por ver-se. Desde as privatizações, o setor foi entregue a
vários feudos e a lobbies com interesses contraditórios que não poderiam "coordenar-se pelo mercado",
já que os custos e preços das várias
fontes de energia e as margens de
lucro das distribuidoras são divergentes. Ao governo central caberia
reconhecer que o sistema elétrico
era integrado e que não poderia ser
privatizado a qualquer custo, assim como não poderá ser liberalizado o "mercado atacadista" de
energia, acoplado a um mercado
"spot". Esta é uma invenção pós-moderna, destinada à especulação
com contratos, numa imitação caricata dos mercados futuros financeiros, que leva ao desastre em alguma das pontas do sistema (vide
Califórnia).
Qual foi o planejamento energético feito pelo governo nos últimos
anos? Nenhum. Os titulares da
Energia foram ministros "mutantes" de acordo com as peripécias da
privatização e com os humores da
politicagem palaciana. Técnicos e
simpatizantes do governo, alguns
com vasta experiência no setor público e grandes consumidores de
energia do setor privado, avisaram,
em tempo, os altos escalões do governo de que a falta de investimento em geração e em transmissão de
energia iria acarretar uma crise
energética. O presidente fez-se de
surdo e limitou-se a encomendar
um novo modelo de privatização
para Furnas.
É duro ouvir o presidente dizer
que foi pego de surpresa, sem corar
de vergonha ou indignação. Então
o seu genro, diretor da ANP, não o
avisou dos problemas pendentes na
construção das termelétricas?! Os
ministros de Minas e Energia, os
presidentes de Furnas, de Itaipu, da
Eletrobrás e da Aneel não o informaram?! O que fez o presidente
quando o seu ministro de Minas e
Energia dissolveu a comissão encarregada de estudar o racionamento no ano passado? Nada. Demitiu-o recentemente não por incompetência, mas por ter sido indicado por ACM, isto é, por brigas
políticas nos intestinos de sua base
de apoio. E o ministro da Fazenda
não pensava nas consequências
quando aprovava todos os cortes
de investimentos nas grandes geradoras estatais, mesmo as que tinham elevados lucros?
"A surpresa que o governo confessa diante da gravidade da crise é
fruto da soberba, somada à incompetência de seus agentes. Fernando
Henrique e seus sábios têm o hábito de desqualificar quem como eles
não pensa", disse nesta semana no
"O Globo" o jornalista Márcio Moreira Alves. E disse bem. O governo
não ouve mesmo ninguém, senão
não se atreveria a nomear Pedro
Parente para presidir a Câmara de
Gestão da Crise Energética. Não
deixa de ser mais um exemplo da
prepotência dos nossos governantes
colocar o encarregado por anos da
"tesoura" e das "torneiras" do Orçamento, que não entende nada de
energia, para tratar do racionamento. Esperemos que a pressão de
várias instituições públicas e privadas, especialistas no assunto, não
lhe permitam aplicar as "técnicas
de corte" que lhe são habituais,
nem concordem que as tarifas ao
consumidor acompanhem a evolução do "mercado atacadista" de
energia, senão o apagão vai sair
muito mais caro ao país do que se
possa imaginar.
Um governo tão atento ao que
pensam os banqueiros internacionais poderia ao menos escutar algumas reações destes depois da crise da Califórnia. No "Financial Times" de 11 deste mês, diretores da
Goldman Sachs reconhecem que "o
mercado não funciona para situações de subinvestimento e se requer
uma ação drástica do Estado na
produção e distribuição de energia,
para resolver a crise".
O problema não se resolve passando o ônus para os consumidores
e castigando-os duplamente, com o
racionamento e com a elevação de
preços e, quem sabe mais tarde,
culpando-os pelo fracasso. A questão que resta para a sociedade é saber como pressionar este governo,
que desmantelou o Estado e desgoverna a nação, para que mude de
rumo e não continue com as suas
"estratégias do caos".
Maria da Conceição Tavares, 70, economista, é professora emérita da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ),
professora associada da Universidade de
Campinas (Unicamp) e ex-deputada federal (PT-RJ).
Internet: www.abordo.com.br/mctavares
E-mail - mctavares@cdsid.com.br
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