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SALTO NO ESCURO
Ministro soube da crise dois meses atrás
Uma semana após assumir as Minas e Energia, José Jorge foi informado do risco de colapso se não chovesse
ELIANE CANTANHÊDE
DIRETORA DA SUCURSAL DE BRASÍLIA
O governo levou anos até acordar para o risco de crise de energia, mas bastou uma semana no
cargo de ministro de Minas e
Energia para que o senador José
Jorge (PFL-PE) percebesse "a
fria" em que tinha se metido. Dois
meses depois, participava do
anúncio do corte e da sobretaxa
de energia ao país.
José Jorge assumiu em 13 de
março. O dia 14 foi o dia nacional
dos proprietários atingidos por
inundações de barragens. No dia
15, a plataforma P-36 explodiu.
Mas o pior ainda viria depois.
Foi na terça-feira, dia 20 de março, o segundo em que efetivamente ocupou o gabinete de ministro.
Numa reunião com o diretor-geral da Aneel (Agência Nacional de
Energia Elétrica), José Mário Abdo, e com o presidente do ONS
(Operador Nacional do Sistema
Elétrico), Mário Santos, ele soube
da crise que se avizinhava.
Os dois técnicos informaram ao
ministro o que o presidente diria
depois publicamente que o "pegara de surpresa": se não chovesse, haveria um colapso no fornecimento de energia das regiões Sudeste, Nordeste e Centro-Oeste.
Jorge, que substituía um correligionário baiano, Rodolpho Tourinho, aliado de ACM, assustou-se: "Puxa! Mas o que é isso?".
Marcou então uma conversa
com o chefe da Casa Civil, Pedro
Parente, e alertou: o maior risco
fora no ano 2000, mas são Pedro
ajudara e aos trancos e barrancos
a situação fora controlada. A mesma sorte não estava se repetindo
este ano. As chuvas não vinham.
O "deadline" seria 30 de abril,
quando o governo saberia qual o
nível de água das barragens após
o período de chuvas.
Fio da navalha
"Estamos no fio da navalha",
disse José Jorge a Parente na ocasião e repetiu à Folha anteontem.
Já nesse primeiro encontro para
discutir a questão, o novo ministro sugeriu duas medidas ao Planalto: uma campanha publicitária
alertando a população e a preparação às pressas de um plano de
racionamento. Parente acatou.
A conversa seguinte já foi com o
próprio FHC.
Parente, segundo Jorge, sabia
que o sistema trabalhava "com algum grau de risco", mas não que a
seca seria tão implacável e que a
situação era tão grave.
Naquele primeiro momento,
ainda em março, nem mesmo os
técnicos tinham noção da gravidade. Falavam em cortes de 5% a
10%, no máximo. Nunca nos 20%
finalmente estabelecidos.
O dia 30 de abril chegou, confirmando as piores previsões. Os níveis das barragens considerados
seguros seriam de 49% no Sudeste e Centro-Oeste e de 50% no
Nordeste. O sinal vermelho acendeu: estavam em 32,18% e 33,13%.
E as linhas de transmissão, para
tentar um certo equilíbrio com as
outras regiões? O programa não
havia sido implantado com a dimensão que deveria.
Pavor
José Jorge, que foi secretário da
Educação e da Habitação de Pernambuco, deputado federal em
três legislaturas e é senador pelo
PFL, apavorou-se.
Apesar de ser engenheiro e economista, com mestrado em engenharia e professor da Universidade Federal de Pernambuco, concluiu que não era uma tarefa que
pudesse tocar sozinho.
Na versão dele, foi o próprio José Jorge quem disse a FHC que a
crise era grave e exigia uma equipe multidisciplinar e interministerial. O Ministério de Minas e
Energia, alegava ele, era um órgão
"para oferecer energia, não para
restringir consumo". Isso envolveria ações de segurança, análises
macroeconômicas, previsão de
impacto nas empresas, todas
questões afeitas a outras pastas.
Houve quem não só concordasse como sugerisse a criação formal de um ministério especial. Ele
achou que aí já seria demais.
A solução, decidida por FHC,
foi destacar Parente como coordenador das ações e medidas para
amenizar a crise de energia. Daí o
carimbo de "ministro do apagão".
"Todo mundo achou: "Ih, o ministro José Jorge está desprestigiado". Pois eu achei bom", disse Jorge após o anúncio de anteontem.
Por coincidência, Parente ligou
para o celular dele minutos após a
frase. Queria duas coisas: saber a
opinião de José Jorge sobre o
anúncio das medidas no Planalto
e desculpar-se por ter falado sozinho o tempo todo. "Na próxima
vez, vamos democratizar mais a
palavra", brincou Parente.
Do outro lado do telefone, José
Jorge elogiou o "tom apropriado"
da entrevista de Parente e respondeu: "Você é o coordenador e tinha que falar mais. Coordenador
é para sofrer mais mesmo".
Cinto
Após dias mergulhado na elaboração do programa, Parente denunciou o cansaço anteontem, ao
esquecer o cinto. Como está vários quilos mais magro e não
apertou os ternos, teve de mandar
um motorista a sua casa para trazer o acessório antes da coletiva.
As reuniões das semanas anteriores ao plano começaram com a
discussão de uma alternativa: corte ("apagões") ou aumento de tarifa (que virou "multa" e no final
"sobretaxa").
Os ministros políticos tremiam.
O secretário-geral da Presidência,
Aloysio Nunes Ferreira (PSDB-SP), por exemplo, apavorou-se
diante do ruim e do pior. Com a
CPI da corrupção então ganhando corpo, a base aliada ao governo
em ebulição, só faltava o tarifaço.
Parente e Aloysio, os dois homens-chave do Planalto, achavam que a população não aceitaria e que, além disso, havia o risco
de um desgaste duplo. O aumento
de tarifas simplesmente não descartava a possibilidade de cortes.
Manchete de jornal
Quando se falou em "multa", o
assunto saiu das páginas internas
e ganhou as manchetes. Isso prejudicava a imagem do governo.
Mas foi decisivo para a campanha
de alerta da opinião pública. O clima não era dos melhores no governo: "CPI a gente sabe como
tratar. Mas e crise de energia?",
disse José Jorge.
Os técnicos tomaram partido.
Primeiro, as distribuidoras mandaram um documento para o governo defendendo cortes. Depois,
o secretário de Energia de São
Paulo, Mauro Arce, deu declarações públicas na mesma linha.
Foi no meio da confusão que
FHC comprometeu-se publicamente a não aplicar multas nos
consumidores que esbanjam, mas
sim prêmios, ou bônus, para os
mais econômicos. Aí, chegou a
vez de a área econômica dar um
pulo: quem paga a conta?
O contorno da solução final foi
dado pelo diretor da ANP (Agência Nacional do Petróleo), David
Zylbersztajn. Ele levou a idéia da
sobretarifa, sem "apagões", na
sexta da semana retrasada, dia 11.
O presidente e os integrantes da
operação acharam engenhosa.
FHC, entretanto, só bateu o
martelo na quinta-feira seguinte.
Anteontem, dia do anúncio,
uma falha revelou-se: Parente, no
centro, e todos os envolvidos, dispostos numa longa mesa retangular, praticamente não responderam a nenhuma das perguntas referentes a algo fundamental -o
direito do consumidor.
Esta semana começa com três
grandes interrogações: a preparação de ações na Justiça, a discussão de um plano energético de
longo prazo e a capacidade de
mobilização da população para
atingir os cortes de 20%.
O plano está nas ruas, mas a
guerra do governo contra a crise
de energia está longe de terminar.
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