São Paulo, domingo, 20 de maio de 2001

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

SALTO NO ESCURO

Ministro soube da crise dois meses atrás

Uma semana após assumir as Minas e Energia, José Jorge foi informado do risco de colapso se não chovesse

ELIANE CANTANHÊDE
DIRETORA DA SUCURSAL DE BRASÍLIA

O governo levou anos até acordar para o risco de crise de energia, mas bastou uma semana no cargo de ministro de Minas e Energia para que o senador José Jorge (PFL-PE) percebesse "a fria" em que tinha se metido. Dois meses depois, participava do anúncio do corte e da sobretaxa de energia ao país.
José Jorge assumiu em 13 de março. O dia 14 foi o dia nacional dos proprietários atingidos por inundações de barragens. No dia 15, a plataforma P-36 explodiu. Mas o pior ainda viria depois.
Foi na terça-feira, dia 20 de março, o segundo em que efetivamente ocupou o gabinete de ministro. Numa reunião com o diretor-geral da Aneel (Agência Nacional de Energia Elétrica), José Mário Abdo, e com o presidente do ONS (Operador Nacional do Sistema Elétrico), Mário Santos, ele soube da crise que se avizinhava.
Os dois técnicos informaram ao ministro o que o presidente diria depois publicamente que o "pegara de surpresa": se não chovesse, haveria um colapso no fornecimento de energia das regiões Sudeste, Nordeste e Centro-Oeste.
Jorge, que substituía um correligionário baiano, Rodolpho Tourinho, aliado de ACM, assustou-se: "Puxa! Mas o que é isso?".
Marcou então uma conversa com o chefe da Casa Civil, Pedro Parente, e alertou: o maior risco fora no ano 2000, mas são Pedro ajudara e aos trancos e barrancos a situação fora controlada. A mesma sorte não estava se repetindo este ano. As chuvas não vinham.
O "deadline" seria 30 de abril, quando o governo saberia qual o nível de água das barragens após o período de chuvas.

Fio da navalha
"Estamos no fio da navalha", disse José Jorge a Parente na ocasião e repetiu à Folha anteontem.
Já nesse primeiro encontro para discutir a questão, o novo ministro sugeriu duas medidas ao Planalto: uma campanha publicitária alertando a população e a preparação às pressas de um plano de racionamento. Parente acatou.
A conversa seguinte já foi com o próprio FHC.
Parente, segundo Jorge, sabia que o sistema trabalhava "com algum grau de risco", mas não que a seca seria tão implacável e que a situação era tão grave.
Naquele primeiro momento, ainda em março, nem mesmo os técnicos tinham noção da gravidade. Falavam em cortes de 5% a 10%, no máximo. Nunca nos 20% finalmente estabelecidos.
O dia 30 de abril chegou, confirmando as piores previsões. Os níveis das barragens considerados seguros seriam de 49% no Sudeste e Centro-Oeste e de 50% no Nordeste. O sinal vermelho acendeu: estavam em 32,18% e 33,13%.
E as linhas de transmissão, para tentar um certo equilíbrio com as outras regiões? O programa não havia sido implantado com a dimensão que deveria.

Pavor
José Jorge, que foi secretário da Educação e da Habitação de Pernambuco, deputado federal em três legislaturas e é senador pelo PFL, apavorou-se.
Apesar de ser engenheiro e economista, com mestrado em engenharia e professor da Universidade Federal de Pernambuco, concluiu que não era uma tarefa que pudesse tocar sozinho.
Na versão dele, foi o próprio José Jorge quem disse a FHC que a crise era grave e exigia uma equipe multidisciplinar e interministerial. O Ministério de Minas e Energia, alegava ele, era um órgão "para oferecer energia, não para restringir consumo". Isso envolveria ações de segurança, análises macroeconômicas, previsão de impacto nas empresas, todas questões afeitas a outras pastas.
Houve quem não só concordasse como sugerisse a criação formal de um ministério especial. Ele achou que aí já seria demais.
A solução, decidida por FHC, foi destacar Parente como coordenador das ações e medidas para amenizar a crise de energia. Daí o carimbo de "ministro do apagão".
"Todo mundo achou: "Ih, o ministro José Jorge está desprestigiado". Pois eu achei bom", disse Jorge após o anúncio de anteontem.
Por coincidência, Parente ligou para o celular dele minutos após a frase. Queria duas coisas: saber a opinião de José Jorge sobre o anúncio das medidas no Planalto e desculpar-se por ter falado sozinho o tempo todo. "Na próxima vez, vamos democratizar mais a palavra", brincou Parente.
Do outro lado do telefone, José Jorge elogiou o "tom apropriado" da entrevista de Parente e respondeu: "Você é o coordenador e tinha que falar mais. Coordenador é para sofrer mais mesmo".

Cinto
Após dias mergulhado na elaboração do programa, Parente denunciou o cansaço anteontem, ao esquecer o cinto. Como está vários quilos mais magro e não apertou os ternos, teve de mandar um motorista a sua casa para trazer o acessório antes da coletiva.
As reuniões das semanas anteriores ao plano começaram com a discussão de uma alternativa: corte ("apagões") ou aumento de tarifa (que virou "multa" e no final "sobretaxa").
Os ministros políticos tremiam. O secretário-geral da Presidência, Aloysio Nunes Ferreira (PSDB-SP), por exemplo, apavorou-se diante do ruim e do pior. Com a CPI da corrupção então ganhando corpo, a base aliada ao governo em ebulição, só faltava o tarifaço.
Parente e Aloysio, os dois homens-chave do Planalto, achavam que a população não aceitaria e que, além disso, havia o risco de um desgaste duplo. O aumento de tarifas simplesmente não descartava a possibilidade de cortes.

Manchete de jornal
Quando se falou em "multa", o assunto saiu das páginas internas e ganhou as manchetes. Isso prejudicava a imagem do governo. Mas foi decisivo para a campanha de alerta da opinião pública. O clima não era dos melhores no governo: "CPI a gente sabe como tratar. Mas e crise de energia?", disse José Jorge.
Os técnicos tomaram partido. Primeiro, as distribuidoras mandaram um documento para o governo defendendo cortes. Depois, o secretário de Energia de São Paulo, Mauro Arce, deu declarações públicas na mesma linha.
Foi no meio da confusão que FHC comprometeu-se publicamente a não aplicar multas nos consumidores que esbanjam, mas sim prêmios, ou bônus, para os mais econômicos. Aí, chegou a vez de a área econômica dar um pulo: quem paga a conta?
O contorno da solução final foi dado pelo diretor da ANP (Agência Nacional do Petróleo), David Zylbersztajn. Ele levou a idéia da sobretarifa, sem "apagões", na sexta da semana retrasada, dia 11. O presidente e os integrantes da operação acharam engenhosa.
FHC, entretanto, só bateu o martelo na quinta-feira seguinte.
Anteontem, dia do anúncio, uma falha revelou-se: Parente, no centro, e todos os envolvidos, dispostos numa longa mesa retangular, praticamente não responderam a nenhuma das perguntas referentes a algo fundamental -o direito do consumidor.
Esta semana começa com três grandes interrogações: a preparação de ações na Justiça, a discussão de um plano energético de longo prazo e a capacidade de mobilização da população para atingir os cortes de 20%.
O plano está nas ruas, mas a guerra do governo contra a crise de energia está longe de terminar.


Texto Anterior: Alternativa: Refinaria de Cubatão deve produzir mais diesel
Próximo Texto: Zylbersztajn quer tarifaço permanente
Índice



Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.