São Paulo, sábado, 12 de fevereiro de 2000


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LUÍS NASSIF

AmBev e a prova do pudim

O caso AmBev (a compra da Antarctica pela Brahma) envolve dois aspectos distintos: a intenção da companhia de ganhar escala para participar do jogo do mercado internacional e o receio da concorrência de que a competição seja destruída no mercado interno.
Ambos os aspectos são relevantes. É importante para o país dispor de uma companhia com dimensão internacional; e é igualmente importante a preservação das condições de competição e preços para o mercado interno. Por isso mesmo, parecer competente sobre a fusão é o que procura conciliar os dois objetivos, não o que prejudica qualquer um deles.
O tom arrogante e pouco político dos controladores da AmBev contra o parecer da Secretaria de Direito Econômico (SDE) -que inviabilizaria a fusão- impede que se perceba adequadamente que, em grande parte, eles têm razão.
O caso da compra da Kolynos pela Colgate -ambas, de capital estrangeiro- foi exemplar. A Colgate alegava que a compra era fundamental para sua sobrevivência, para conquistar competitividade no mercado internacional devido às condições de produção da fábrica brasileira. A concorrência alegava tentativa de controle do mercado interno. O parecer do Conselho Administrativo de Direito Econômico (Cade) foi pela aprovação da aquisição, condicionada à retirada do mercado por cinco anos da marca líder, a Kolynos. As duas preocupações foram contempladas.
Esses mesmos cuidados devem ser utilizados no caso AmBev. Nessa atoarda de argumentos de lado a lado, vamos imaginar duas hipóteses: 1) Os planos da AmBev para o mercado externo são irrealistas, e visam ocultar suas intenções de controlar o mercado interno. Ou 2) os planos são realistas e, com capital da Coca Cola, a Kaiser estaria tentando torpedear a aliança da AmBev com a Pepsi, para lançamento internacional do guaraná.
A maneira de resolver a pendenga é a prova do pudim. Tomem-se medidas que, sem inviabilizar a fusão, impeçam o controle do mercado interno pela AmBev. Se suas intenções são efetivamente a conquista do mercado externo, a fusão será mantida. Se, pelo contrário, for a conquista do mercado interno e o aumento de preços do produto, inviabilizando essa manobra a fusão das duas empresas automaticamente deixará de ser interessante para elas.

Argumentos
No campo dos argumentos, a Kaiser sustenta que não existe mercado internacional de cervejas, e que o predomínio é sempre de marcas locais -logo, as alegações da AmBev não se sustentariam. A AmBev explica que estratégias internacionais não se limitam a exportações, mas a acordos operacionais de engarrafamento e distribuição -e que seu produto para conquistar o mercado internacional é um refrigerante.
No plano dos preços, a AmBev sustenta que vai ter ganhos de produtividade que permitirão redução de preço. E que sua intenção é conquista de market share -ou seja, de fatias de mercado. A alegação da Kaiser é que, conquistado o mercado, sem competidores para refreá-la, a AmBev passaria a praticar preços altos.
A AmBev sustenta que não há fidelização a marcas e que o fator preço é o elemento decisivo na escolha do consumidor. Mas o mercado de cervejas tem barreiras de entrada reais: a rede de distribuição, a consolidação dos pontos de venda, especialmente em um país de dimensões continentais. Portanto, essa competição não é tão transparente assim.
A arte do parecer do Cade vai consistir em definir regras, recomendações ou imposições que assegurem a manutenção da competição no mercado, mas sem inviabilizar a fusão. Inclusive porque, a essa altura, significaria o fim ou a venda da Antarctica a grupos estrangeiros.

Tubaínas
Poderia se aproveitar o momento para SDE, Cade e demais órgãos de defesa da concorrência analisarem os métodos dos dois rivais -AmBev e Kaiser/Coca Cola- contra os fabricantes menores, especialmente a ofensiva contra as tubaínas. Seria uma bela maneira de começar a viabilizar mais concorrência.


E-mail: lnassif@uol.com.br



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