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OPINIÃO ECONÔMICA
Déficit zero ou superávit primário?
MARCOS CINTRA
A atual crise política brasileira estimulou o governo a
procurar uma "agenda positiva".
Eis que, providencialmente, surge
uma "nova" proposta de política
econômica, de autoria do deputado Delfim Netto, batizada de "déficit zero" e que promete estabilização com crescimento. A sugestão foi apresentada em invólucro
de novidade e vem sendo objeto de
maciça campanha mercadológica.
Em realidade, o "déficit zero"
não contém elementos conceituais
de inovação. Pelo contrário, é o
aprofundamento e a radicalização da política de estabilização
econômica que vem sendo seguida
desde 1999. Falar em déficit nominal zero ou em ampliar o superávit primário em 2,5 pontos percentuais é rigorosamente a mesma
coisa. Contudo, paradoxalmente,
a proposta vem sendo interpretada como uma alternativa simpática e eficaz e não causa os mesmos
arrepios de repúdio do que se o governo anunciasse que elevaria a
meta do superávit primário.
Uma primeira conclusão: conceitualmente, o simpático "déficit
zero" e a odiada política do FMI
de geração de superávits primários são metas quantitativamente
equivalentes. Gerar um superávit
primário maior, capaz de suportar
todo o serviço da dívida pública,
equivale a produzir déficit nominal zero. Trata-se de truísmo.
Contudo o que diferencia o "déficit zero" de um mero aprofundamento da atual política econômica são: a) diferenças de dosagem
na fixação das metas quantitativas; e b) os métodos e mecanismos
de geração dos excedentes orçamentários.
A política monetária de Malan e
de Palocci fixa metas de inflação e
usa a gradação dos juros como variável instrumental. Paralelamente, há o compromisso de obtenção
de superávit primário que reduza
a relação dívida/PIB, tida como
uma das causas da elevada taxa
de juros praticada na economia.
A proposta do "déficit zero" subverte essa hierarquia. Estabelece,
constitucionalmente, obrigatoriamente, o nível do superávit primário necessário para estancar o
crescimento vegetativo da dívida
pública e subsidiariamente fixa
juros compatíveis com uma adequada expectativa inflacionária.
Essa diferença não é explicitada,
ou seja, não se admite o enfraquecimento da política de metas de
inflação. Pelo contrário, o raciocínio apresentado admite, em princípio, uma evolução causal virtuosa, como segue: a obrigatoriedade
de zerar o déficit público irá gerar
expectativas positivas tanto do
ponto de vista inflacionário como
no quadro de solvência nacional,
permitindo uma queda na taxa de
juros. Por outro lado, a contenção
dos gastos públicos e a liberação
de recursos para investimentos no
setor privado causariam efeitos
positivos na oferta, estimulando o
crescimento econômico. A inflação continuaria sob controle mediante a aplicação da graduação
da Selic em torno do novo, e mais
baixo, patamar de juros.
Mas, no entanto, é possível que a
economia tenha uma evolução
menos favorável: a queda inicial
nos juros estimularia os "espíritos
animais" dos empresários, como
diria Keynes, expandindo a demanda agregada. Os estrangulamentos na infra-estrutura acumulados pela falta de investimentos
no passado (exemplo, energia elétrica e transportes) pressionariam
a inflação. Nesse caso, os juros teriam de ser elevados, mas os mandatos constitucionais de "déficit
zero" implicariam constrangimentos à liberdade da política
monetária. Por sua vez, a instabilidade resultante reforçaria a elevação dos juros, e apenas uma
contenção fiscal profunda, politicamente insustentável, seria capaz
de conter a recidiva inflacionária.
Esses dois cenários são situações
polares na avaliação da proposta
do "déficit zero" e precisam ser
avaliados em termos de probabilidades de ocorrência.
Também cumpre apontar méritos e deméritos da proposta.
Como ponto positivo, surge a
mudança de ênfase nos mecanismos de geração de superávits orçamentários, que passariam do aumento da extração tributária, como tem sido até agora, para a redução dos gastos públicos. Trata-se de diferença qualitativa de
enorme impacto, do que provavelmente resultariam significativos
aumentos de eficiência produtiva.
Ademais, a proposta do "déficit
zero" contém elementos de heroísmo e de dramaticidade que poderiam produzir resultados favoráveis no curtíssimo prazo, ainda
que de sustentabilidade não-garantida. Há ainda a possibilidade
de reversão na perniciosa tendência de crescimento da carga tributária que vem acontecendo nos últimos anos, bem como a conscientização da importância do "choque de gestão" para tornar o setor
público mais eficiente.
Os pontos negativos são igualmente significativos. A constitucionalização da política econômica pode tornar-se um grande estorvo, como, aliás, reconhecido pelos defensores do "déficit zero" ao
proporem a ampliação da DRU
(Desvinculação das Receitas da
União) para desengessar o Orçamento público. A perda de graus
de liberdade da política monetária pode ser outra notória desvantagem da proposta, sem falar nos
riscos políticos de uma política fiscal excessivamente contencionista
e na eleição dos gastos sociais vinculados na educação e na saúde
como primeiros candidatos ao cadafalso via ampliação da DRU.
Marcos Cintra Cavalcanti de Albuquerque, 59, doutor pela Universidade Harvard, professor titular e vice-presidente da FGV, foi deputado federal
(1999-2003). Atualmente é secretário das Finanças de São Bernardo do Campo. É autor de "A verdade sobre o Imposto Único" (LCTE, 2003). Escreve às segundas-feiras, a cada 15 dias, nesta coluna.
Internet: www.marcoscintra.org
E-mail -
mcintra@marcoscintra.org
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