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OPINIÃO ECONÔMICA
A proposta de negociação nacional
LUIZ MARINHO
Antes de mais nada, cabe pedir licença aos articulistas,
aos repórteres e aos leitores da
Folha para, a partir de outra lógica, outra linguagem, que não a
usada rotineiramente por este importante jornal, explicar a proposta de negociação nacional que
vem sendo discutida na sociedade. Ou seja, pedir que deixem um
pouco de lado conceitos e o pessimismo -confessado em editorial
na segunda-feira, 6- com os
quais este jornal vem trabalhando, para tentar entender a posição
da CUT.
Em 19 de agosto, depois de avaliar como positivas as notícias sobre o desempenho da economia
brasileira, a Direção Nacional da
CUT, reunida em São Paulo, deu
publicidade -por meio de coletiva à imprensa- à resolução política (www.cut.org.br) que avalia a
conjuntura econômica do país e
faz uma proposta de ampla negociação nacional.
Na avaliação da conjuntura, a
CUT alerta a sociedade brasileira
para os riscos representados pela
possibilidade de que o atual crescimento da economia não seja
sustentável, não distribua renda e
acabe se mostrando passageiro,
como em outros momentos da
nossa história recente, em que ciclos de expansão se renderam
diante das crises internacionais e
da falta de dinamismo interno.
Para a central, o crescimento
sustentável exige, de imediato,
adoção de medidas como a política de recuperação dos salários, investimentos em infra-estrutura,
aumento da capacidade de produção da indústria, garantia de
fornecimento de matérias-primas, redução das taxas de juros
básicos e na ponta do crédito, entre outras iniciativas. Também é
estratégico recompor a ação do
Estado nas políticas públicas voltadas para as áreas sociais e recuperar seu papel na promoção do
desenvolvimento e dos investimentos, especialmente na área de
infra-estrutura.
Em conseqüência dessa avaliação, a resolução propõe ao governo federal aproveitar o momento
para liderar um amplo processo
de negociação na sociedade brasileira com o objetivo de superar os
riscos apontados. Além de dispor-se a participar dessa negociação, a CUT afirma que ela deve
envolver também outros movimentos sociais, assim como os
empresários dos setores produtivo e financeiro. Os bancos devem
ser chamados à necessidade de reduzir taxas de juros na ponta do
tomador final, as empresas têm
de, nas cadeias produtivas, negociar preços e abastecimento de insumos a longo prazo. O governo
tem de -sem reduzir arrecadação- estar disposto a promover
a redução da carga tributária com
um caráter redistributivo da renda. E conclui: mais que metas de
inflação e recordes de arrecadação, o país precisa pensar em desenvolvimento a partir da valorização do trabalho formal e do
crescimento da produção de bens
de valor agregado e do consumo,
do estabelecimento de metas sociais, como a da geração de emprego, metas de aumento de salário médio, de massa salarial e de
distribuição de renda.
A resolução da CUT, portanto,
fala em aumento de salário, distribuição de renda, pactuação de
preços e metas de geração de emprego. Também propõe um processo de negociação nacional.
Com esses conceitos, parece natural que o jornal, assim como a imprensa de forma geral, tenha desconhecido até hoje a existência
dessa resolução.
No entanto, só depois de duas
semanas da divulgação da proposta, a Folha trouxe o assunto
em chamada de capa e em duas
páginas do caderno Dinheiro
(edição do dia 3). A abordagem,
naturalmente, traduzia as minhas
palavras literais para o discurso
do jornal: o exemplo citado por
mim, do acordo automotivo de
1992, que vigorou durante três
anos e que estabeleceu aumento
real de salários em 20%, virou, na
chamada de capa da mesma edição, "redução de pressões salariais". Esse conceito passou a ser
repetido nas edições seguintes,
apesar do desmentido que fiz e o
qual a própria Folha publicou no
dia seguinte.
Para a CUT, ao contrário, com
ou sem negociação nacional, as
campanhas salariais devem ter
como meta os aumentos reais, a
exemplo do que acabaram de
conseguir os metalúrgicos das
montadoras. Eles conquistaram a
inflação integral, ganho real de
3,7% e mecanismo de limitação
de horas extras -uma bandeira
que, aliás, é um dos objetivos a serem perseguidos pelos trabalhadores em qualquer negociação
nacional. São acordos assim que
defendemos como meio de elevar
a renda e, por conseqüência, o
consumo, a produção e o nível de
emprego, o que não quer dizer
que, a exemplo do que ocorreu
em 1992, não se possa negociar
aumentos reais a longo prazo.
Em nenhum momento, o documento da Direção Nacional da
CUT fala em mudanças no modelo econômico. É, portanto, estranho que a Folha insista em questionar a proposta, por meio de especulações sobre a opinião contrária do ministro Antonio Palocci Filho, justificando a manchete
do jornal no dia 8. A CUT prefere
acreditar que o ministro da Fazenda esteja fazendo eco com o
presidente Lula, que declarou
apoio à idéia.
Por fim, reitero ainda o que já
explicitei em entrevistas: nem a
CUT nem a Fiesp se consideram à
altura para liderar a negociação
nacional proposta. Para nós, é claro que a liderança deve ser do presidente Lula e que desse processo
façam parte as entidades representativas do movimento sindical, empresários e os setores sociais que desejam ver garantido o
desenvolvimento sustentável do
país. Esse desejo, acredito, é de todos, inclusive da mídia.
Luiz Marinho, 45, é o presidente
nacional da CUT (Central Única dos
Trabalhadores).
Hoje, excepcionalmente, a coluna
de Luiz Carlos Mendonça de Barros
não é publicada.
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