São Paulo, domingo, 10 de abril de 2005

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CORRIDA PELA OMC

Para professor da London School of Economics, papel de Seixas Corrêa é só prejudicar candidatura de uruguaio

Brasileiro não é melhor para OMC, diz analista

CLÁUDIA DIANNI
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA

Dez anos depois da criação da OMC (Organização Mundial do Comércio), o Brasil tem um entre os quatro candidatos a presidir o organismo internacional até agosto de 2009, na eleição que começou nesta semana e termina no fim do mês. Mas, na opinião do especialista Razeen Sally, o embaixador Luiz Felipe de Seixas Corrêa não é a melhor opção para o cargo.
Na avaliação de Sally, que é diretor da Unidade de Comércio Internacional da London School of Economics, "o papel da candidatura de Seixas é prejudicar" o uruguaio Carlos Pérez del Castillo. Segundo ele, Castillo é o único com condições de conduzir a Rodada Doha de liberalização comercial, prevista para ser concluída no fim do ano, mas ameaçada pelas numerosas divergências entre os 148 países-membros.
Filho de pai inglês e mãe cingalesa (do Sri Lanka), o especialista de posições liberais é cético quanto ao sucesso de Doha e defende que os principais países da OMC, entre eles o Brasil, tomem as decisões. Da Tailândia, ele concedeu a seguinte entrevista:

Folha - Neste mês, a OMC vai escolher o novo diretor-geral entre três candidatos de países em desenvolvimento e um europeu. Qual é a melhor opção?
Razeen Sally -
Eu acho que o melhor candidato para dirigir a OMC atualmente é o uruguaio Carlos Pérez del Castillo. Ele é muito respeitado internacionalmente, tem muita experiência como negociador comercial e credibilidade quanto a coordenar diferentes posições. Ele foi muito eficiente como chefe do Conselho Geral da OMC em um ano muito difícil, que foi 2003, quando houve o encontro ministerial de Cancún.

Folha - Ele é melhor em termos técnicos ou políticos?
Sally -
Eu acho que ele é a melhor opção se a OMC quiser o melhor servidor civil internacional. Mas Pascal Lamy é o peso político. Essa é sua vantagem. Mas também há fraquezas na candidatura de Lamy. A principal delas é que ele está associado às indefensáveis posições da União Européia, principalmente sobre agricultura. Ele teria que provar que é capaz de ir além das posições que defendeu tão fortemente e mostrar que pode ser neutro e conciliar diferenças.

Folha - E os outros?
Sally -
Provavelmente, o mais fraco é o candidato das Ilhas Maurício, Jaya Cuttaree. Suas posições estão comprometidas pelo fato de que o país que ele representa defende preservar suas próprias preferências.
Com relação ao embaixador Seixas Corrêa, eu diria que o Brasil sempre tem embaixadores de peso e é um participante cada vez mais importante na OMC. Mas não estou seguro de que ele é o melhor candidato para liderar a OMC. Eu acho que a importância da sua candidatura é prejudicar as chances de Pérez del Castillo. Lamy pode ganhar pontos porque há divisão na América Latina. Se houvesse um único candidato latino-americano, e eu acho que Pérez del Castillo tem as melhores credenciais, ele ganharia.

Folha - O governo brasileiro acha que Pérez del Castillo não é adequado porque ele teria jogado do lado dos países ricos em Cancún.
Sally -
Eu ouvi essa avaliação, mas acho que é um ponto de vista equivocado. Ele teve que enfrentar uma situação muito difícil e parece ter tentado fazer isso sem tomar partido. Então, na minha opinião, o papel do Brasil nessa eleição é tentar evitar que Pérez del Castillo seja o diretor e isso pode deixar o campo livre para Lamy, que é muito inteligente, mas não acho que é a pessoa certa.

Folha - Não seria justo a OMC ser sempre dirigida por um representante de um país em desenvolvimento, já que o FMI é tradicionalmente comandado por europeus, e o Banco Mundial, por americanos?
Sally -
Essa é a maneira como as coisas têm sido feitas tradicionalmente. Claro que é aceitável que o diretor da OMC deveria ser mais freqüentemente de um país em desenvolvimento. O atual diretor, o tailandês Supachai Panitchpakdi, é o primeiro. Mas não acho que esse deve ser o principal critério, mas sim a melhor pessoa para o cargo.

Folha - A OMC toma decisão por consenso e por isso as rodadas comerciais são tão lentas. O próximo diretor deveria propor mudança nesse sistema?
Sally -
Não acho que isso seja uma prioridade. Acho que podem ser adotadas algumas mudanças modestas para acelerar. Por exemplo, preparar melhorar as reuniões ministeriais (como a de Seattle e a de Cancún, que falharam por falta de consenso). O mais importante é que os principais participantes, e isso inclui o Brasil, tenham vontade política e usem sua capacidade para ter um papel pró-ativo e instrutivo na OMC, o que significa colaborar com os demais membros e fazer as escolhas políticas difíceis. Isso seria uma política realmente intergovernamental.

Folha - Mas muitos países em desenvolvimento reclamam que a OMC deveria ser mais democrática.
Sally -
Se a OMC quer funcionar, tem que reconhecer a realidade política e econômica. E a realidade é que há cerca de 50 países, 30 se considerarmos a UE como um país, que representam cerca 90% do comércio internacional e investimentos estrangeiros diretos.
Há uma noção de que a OMC deveria incluir as ONGs, o que é uma má idéia. Essa é a receita para que a OMC seja capturada por todo o tipo de interesses organizados e haja ainda mais gargalos. A OMC deve ser essencialmente um clube de governos responsáveis.

Folha - A União Européia finalmente concordou com uma gradual liberalização agrícola. Acha que isso vai mesmo acontecer?
Sally -
Essa é uma questão-chave. Se não ocorrer, a negociação vai ficar bloqueada. E isso depende agora de os países em desenvolvimento fazerem concessões. A UE já fez concessões, embora sob condições e para os subsídios à exportação. O mais importante, porém, é tomar decisões com relação aos subsídios domésticos e às tarifas de importação. Mas essa não é uma via de mão única. Há sérias concessões a serem feitas pelos principais e mais avançados países em desenvolvimento, como o Brasil.

Folha - Em que áreas o Brasil deveria ser mais flexível?
Sally -
Primeiro em agricultura, aceitando as propostas. Acho que o Brasil pode mostrar que o G20 [grupo de países em desenvolvimento] pode colocar muito mais na mesa de negociação em termos de liberalizar seu próprio mercado. Assim, o Brasil poderia exercitar uma boa liderança.

Folha - Os críticos dizem que o livre comércio reduz salários, e os defensores, que ajuda a manter a estabilidade, controlando a inflação. Estamos fadados a ter baixos salários ou inflação?
Sally -
Geralmente, o que funciona para melhorar os índices de crescimento e a redução da pobreza é ter políticas macroeconômicas razoáveis e estáveis e políticas e instituições que favoreçam o mercado. O papel da OMC é o de dar assistência para facilitar esse processo. Esse argumento de que o livre comércio reduz salários é bobagem.

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