São Paulo, domingo, 10 de abril de 2005

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LEÃO DESARMADO

Para secretário, legislação dá muitas chances ao contribuinte

Leis tributárias amarram as mãos da Receita, diz Rachid

Lula Marques - 31.mar.05/Folha Imagem
Jorge Rachid, secretário da Receita, que quer processo mais ágil


FÁTIMA FERNANDES
CLAUDIA ROLLI
DA REPORTAGEM LOCAL

Para o secretário da Receita Federal, Jorge Rachid, um dos principais problemas enfrentados pela sua secretaria é a lentidão dos processos administrativos, que podem demorar até quatro anos.
"Gostaríamos de diminuir o prazo dos contenciosos [litígios entre os contribuintes e o fisco]. Em determinados processos, o contribuinte pode questionar o delegado da Receita Federal, pode pedir a impugnação do débito à Delegacia da Receita Federal de Julgamento, pode ir para o Conselho de Contribuintes e para o Conselho Superior de Recursos Fiscais do Ministério da Fazenda. Não satisfeito, pode ainda buscar a Justiça e começar tudo de novo na primeira instância."
O contencioso administrativo, segundo Rachid, está previsto em lei e é um direito do contribuinte. "Mas gostaríamos de abreviá-los em algumas situações, como nos processos de até R$ 50 mil, para podermos cobrar com maior agilidade os processos de valores maiores."
Em reportagem publicada no último domingo pela Folha, procuradores e promotores de Justiça afirmam que as leis que tratam de crimes tributários e a demora nos processos administrativos emperram o combate às fraudes.
Rachid prefere não falar sobre essas leis. "Temos de cumpri-las." Diz, porém, que a Receita quer corrigir distorções que ocorrem nos processos administrativos dentro da própria Receita.
"A medida provisória n� 232 contemplava mudanças para agilizar os processos administrativos. Isso é importante, pois são quase R$ 80 bilhões de créditos em litígio", afirma. Essa mudança estava prevista na nova redação dada pelo artigo 10 da MP ao artigo 62 do decreto n� 70.235/72.
As autuações em 2004 somaram cerca de R$ 79 bilhões, incluindo impostos, multas e juros. Historicamente, segundo Rachid, cerca de 22% desses valores (no caso dos R$ 79 bilhões, seriam R$ 27,38 bilhões) são pagos ou parcelados pelos contribuintes. Esse percentual chega perto de 50% quando são incluídos os valores encaminhados à Dívida Ativa da União (cobrança judicial).
A seguir, os principais trechos da entrevista com Jorge Rachid.

Folha - Para o Ministério Público, as leis que tratam de crimes tributários estimulam a sonegação. O sr. concorda com essa afirmação?
Jorge Rachid -
O que posso dizer é que cada instituição tem seu papel. A missão da Receita Federal é arrecadar tributos. E nós temos de buscar eficiência e agilidade na cobrança dos créditos tributários. Não queremos só autuar [as autuações no ano passado somaram R$ 79 bilhões, incluindo impostos, multas e juros]. Nós queremos que esses R$ 79 bilhões se convertam em pagamento. Encaminhamos ao Ministério Público até o ano passado cerca de 22 mil representações fiscais para fins penais. São cerca de 5.000 a 6.000 representações encaminhadas por ano. Pela lei n� 9.430, de 1996, o contribuinte tem o direito à extinção da pena no momento em que paga o débito.

Folha - Procuradores dizem que a legislação fiscal acaba estimulando a impunidade. Na lei do Paes (lei 10.684), por exemplo, o empresário pode quitar seus débitos de forma integral e se livrar de punições, mesmo após ter sido condenado pela Justiça. Como o sr. vê isso?
Rachid -
Isso [a lei] foi discutido no Congresso. O ordenamento jurídico é esse. Minha missão é cumprir a legislação e acelerar o processo de cobrança. Se há crime tributário, enviamos representação ao Ministério Público. E o papel do Ministério Público é examinar a denúncia. Fizemos grandes trabalhos com o Ministério Público do Rio Grande do Sul.

Folha - A Receita perde com a morosidade dos processos administrativos e criminais?
Rachid -
Nós podemos falar de recursos administrativos. O contencioso administrativo está previsto em lei. Nós gostaríamos de abreviá-lo em determinadas situações. Aliás, isso constava na MP n� 232 [retirada do Congresso no mês passado]. Os processos com crédito tributário de até R$ 50 mil correspondem a 40% do total de processos que estão no Conselho de Contribuintes. E esses 40% representam menos de 0,19% do total dos créditos em litígio, de quase R$ 80 bilhões, que estão no conselho. Queremos agilizar isso para podermos cobrar os valores maiores.

Folha - Como funciona o processo administrativo na Receita?
Rachid -
O contencioso administrativo contempla duas instâncias. A primeira é formada por julgadores da Receita: são oito julgadores. A segunda é formada por conselhos paritários: quatro representantes da Fazenda e quatro dos contribuintes. Isso está previsto em lei. Os processos de pequeno valor, de até R$ 50 mil, a exemplo do que ocorre no Tribunal de Impostos e Taxas [TIT] do Estado de São Paulo, nós gostaríamos que houvesse mais rapidez. Em média, o processo demora quatro anos. Quanto mais curto for esse prazo, melhor para o país.

Folha - O que é preciso para agilizar os processos administrativos na Receita Federal?
Rachid -
Para encurtar os prazos é preciso mudar uma legislação de 1972 [decreto n� 70.235]. Em determinados processos, o contribuinte pode questionar o delegado da Receita Federal. Não satisfeito, pode pedir a impugnação do débito à Delegacia da Receita Federal de Julgamento, composta por oito auditores. Não satisfeito, pode ir para o Conselho de Contribuintes, que é paritário e, dependendo da matéria, ir para a quarta instância, que é o Conselho Superior de Recursos Fiscais do Ministério da Fazenda. Não satisfeito, pode ainda buscar a Justiça e começar tudo de novo em primeira instância.

Folha - Quanto foi recuperado da evasão fiscal nos últimos anos?
Rachid -
É só ver a arrecadação, que cresceu cerca de 11% no ano passado, mais do que a economia. Só que em lugar nenhum do mundo se consegue identificar qual foi a parcela da sonegação. O que acontece é que as pessoas tomam mais cuidado na hora de apresentar a declaração de renda porque o vizinho foi pego. Em 2003, instituímos a Declaração sobre Operações Imobiliárias [Dimob], para imobiliárias e construtoras. Nós observamos mudanças no comportamento desses contribuintes, pois tivemos mais recolhimento de IR sobre ganho de capital [o ganho de capital na venda de um bem é tributado em 15%]. Identificamos que pessoas tinham uma série de imóveis e não declaravam [o recebimento de] aluguel. Mas nem tudo isso é fraude. Pode ser fraude ou não.

Folha - Das autuações de quase R$ 79 bilhões em 2004, quanto de fato deve voltar para os cofres públicos?
Rachid -
Historicamente, observa-se que, ao longo de 24 meses, em torno de 22% dos valores autuados são pagos ou parcelados. Esse percentual chega perto de 50% se somados os valores inscritos na Dívida Ativa da União [cobrança judicial]. Em regra, os menores valores são pagos, e os maiores são levados ao Judiciário.

Folha - Esse percentual de 22% não é muito baixo para o retorno das dívidas com a Receita?
Rachid -
Existe um processo constitucional. O contribuinte tem direito de recorrer administrativa e judicialmente. Em nenhum lugar do mundo se atinge 100% [do valor autuado]. Muitos países não chegam a recolher nem esse percentual de 22%. Sem dúvida, seria melhor se conseguíssemos agilizar a cobrança interna e aumentar o percentual.

Folha - O Ministério Público diz que recebe as representações da Receita que estão quase para prescrever. Assim, eles não podem fazer mais nada...
Rachid -
A legislação diz que só podemos encaminhar as representações fiscais para fins penais depois de concluída a fase administrativa. Essa lei é aplicada no país e nos Estados. A nossa posição é buscar arrecadação, coibindo a prática da evasão fiscal.

Folha - Para procuradores, o entendimento do STF de que não há crime tributário antes de esgotado o processo administrativo da Receita ou das fazendas estaduais também favorece a impunidade. O que o sr. acha disso?
Rachid -
Decisão do STF é decisão do STF. Tenho de cumprir a lei. Não vou opinar sobre decisões do Supremo Tribunal Federal.

Folha - Quais são os planos da Receita para combater a sonegação?
Rachid -
Existe um conjunto de medidas já tomadas que estão em curso. Temos informações sobre movimentação financeira de contribuintes, como uso de cartão de crédito, além de mais de 200 convênios para troca de informações.

Folha - A Receita tem outros planos em estudo?
Rachid -
Também começamos a monitorar os 10 mil maiores contribuintes do país, que representam 82% da arrecadação. Com isso, será possível liberar a força de trabalho para atuar em outras frentes. A Declaração de Débitos e Créditos Tributários Federais [DCTF] terá de ser apresentada mensalmente por esse universo [antes, a cada três meses] desde janeiro deste ano. Internamente, processos com mais de R$ 10 milhões de crédito também têm tratamento diferenciado.

Folha - O que a Receita tem a dizer aos contribuintes que sonegam ou pagam com atraso os débitos porque se beneficiam da lei?
Rachid -
Tomem cuidado. Estamos próximos de todas essas operações ilícitas. Estamos trabalhando com um serviço de inteligência. É isso o que buscamos na fiscalização. Conforme detectamos a situação, vamos coibir a evasão.

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