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LUÍS NASSIF
Severino e o dragão "offshore"
A decisão do procurador-geral da República, Cláudio Fontelles, de pedir abertura
de inquérito contra o presidente
do Banco Central, Henrique
Meirelles, tem um significado
que transcende o episódio em si.
Dia desses, conversava com
um homem de mercado, que
não tem propriamente uma
avaliação positiva sobre Meirelles. Ele se dizia indignado com o
processo, por uma razão muito
simples: provavelmente todo diretor de Banco Central, que antes passou pelo mercado, recorreu em algum momento a esse
expediente. Faz parte dos usos e
costumes do mercado manter
empresas "offshore" (em paraísos fiscais).
Prova disso é o caso Banco
Araucária e as contas CC5 do
Banestado. Em 1997, a partir
das notícias levantadas no bojo
da CPI dos Precatórios, já se sabia delas. Mesmo assim, mais
US$ 20 bilhões ou US$ 30 bilhões
transitaram pelas contas depois
disso, atropelando normas fiscais e normas cambiais. Mas envolviam grupo tão amplo e influente de investidores que provavelmente os dados do CD da
CPI do Banestado -em que
constam todas as movimentações, a partir dos trabalhos de
procuradores nova-iorquinos-
permanecerão sigilosos até que
não tenham mais efeito legal ou
político.
Há tempos, procuradores investigavam esse esquema, sem
lograr grandes avanços. Em parte, devido à obsessão por holofotes da mídia e falta de discernimento em divulgar episódios.
Com isso, alimentavam os inimigos naquele que era o ponto
central da impunidade: o reforço da blindagem técnico-política, em torno do discurso da
"modernização", da estabilidade econômica, do temor reverencial pelo "mercado".
A partir do momento em que
essas bandeiras, por falsas, perdem a legitimidade, a blindagem vai se esfarelando, episódio
a episódio. A eleição do grande
Severino Cavalcanti foi a primeira demonstração explícita.
Severino pode não ser sabido,
mas é esperto. Diferentemente
do cardeal-arcebispo do Rio de
Janeiro, que, ao imitar preconceituosamente o sotaque nordestino e ao falar bobagens sobre Lula, mostrou que é sabido,
mas não é esperto.
Com seu couro grosso do
agreste, não se intimidou com as
críticas dos "modernos" e conquistou seu espaço, como representante da afirmação política
legítima do Congresso.
Na sua primeira decisão, o instinto político de Mestre Severino
do Agreste captou na hora o sentimento popular e derrubou com
um estalar de dedos o castelo de
cartas que há mais de dez anos
se sustentava desse modelo anti-social, antitrabalho, antiprodução, do aumento da carga tributária sobre o país -sustentado
pelo discurso "técnico" dos que
se defendiam da tributação
montando empresas "offshore".
Em que pese sua independência histórica, Fontelles jamais
ousaria abrir, ele próprio, um
processo contra o presidente do
BC, se ainda vigorasse o pretexto
da desestabilização econômica
-outra das blindagens desse
modelo torto.
Independentemente dos resultados das investigações, aceitando a denúncia, o STF (Supremo
Tribunal Federal) estará impondo definitivamente o primado
das leis nacionais sobre esse
mundo sem fronteiras da libertinagem cambial e fiscal dos anos
90, de pessoas que viviam defendendo o aumento da tributação,
o corte nas despesas sociais, o
aumento dos juros e, ao mesmo
tempo, eram beneficiadas não
apenas pelos juros altos mas pela possibilidade de fugir à tributação por meio da armação desses esquemas "offshore".
A possibilidade de um parlamentar empregar parentes merece manchetes esplendorosas.
Não se defenda essa prática, mas
a montagem de empresas "offshore" para fugir à tributação é
de uma gravidade incomparavelmente maior, pelos valores
envolvidos, pela possibilidade de
crime fiscal, pelo fato de o dinheiro transitar pelos mesmos
canais de lavagem de dinheiro
do crime organizado. Agora,
chega.
A abertura do inquérito será
um ato de afirmação do Brasil
formal sobre esse internacionalismo planilheiro, que, a partir
dos pacotes econômicos, se colocou acima das leis, dos poderes e
dos interesses nacionais.
E-mail -
Luisnassif@uol.com.br
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