São Paulo, domingo, 10 de abril de 2005

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LIÇÕES CONTEMPORÂNEAS

Força e fraquezas do dólar

LUIZ GONZAGA BELLUZZO

Na segunda metade da década de 90, os EUA, mesmo com um déficit em conta corrente em ampliação, foram capazes de se beneficiar de uma forte revalorização de sua moeda (depois de uma queda pronunciada em 1995). A economia cresceu a taxas elevadas, e as expectativas otimistas impulsionavam os preços dos ativos. Em razão da sua capacidade de atrair recursos externos para os mercados de "securities", os americanos puderam se dar ao luxo de sustentar uma política monetária expansionista, apesar da acelerada ampliação do déficit em conta corrente.
Nesse mesmo período, as sucessivas crises das moedas e dos mercados financeiros na periferia incitaram a demanda por títulos do governo norte-americano, considerados de maior qualidade. O fluxo de capitais e os bons resultados fiscais da era de "alto crescimento" permitiram a manutenção das taxas de juros de longo prazo em níveis confortáveis.
Desde o início dos anos 80, a política do dólar forte permitiu à economia americana retomar o crescimento sem pressões inflacionárias, com elevação dos salários reais e expansão da demanda nominal acima da renda corrente. Os EUA conseguem, simultaneamente, obter transferências de liquidez, de renda real e de capitais do resto do mundo. À elevação do déficit comercial corresponde uma tentativa de obtenção de saldos comerciais crescentes dos demais países industrializados.
O ciclo dos anos 90 e a rápida recuperação da minirrecessão de 2001 comprovaram a eficácia e o poder dessa forma de integração financeira e produtiva: a abertura das contas de capital do resto do mundo propiciou à economia dos EUA a oportunidade de sustentar uma formidável expansão do crédito ao consumo. A alavancagem das famílias e a exuberância do mercado imobiliário são a contrapartida do portentoso afluxo de capitais, mobilizado a partir das posições superavitárias em conta corrente e das reservas acumuladas na Ásia.
Mas, apesar do crescimento rápido do fluxo de demanda "oficial", gerada pelos bancos centrais, mais de 70% do "estoque" de títulos do Tesouro americano estão abrigados nos portfólios privados, particularmente nos administrados pelos grandes investidores institucionais. Sendo assim, as avaliações diárias e quase instantâneas feitas nos mercados secundários a respeito dos preços desses ativos são decisivas para determinar os movimentos das taxas de câmbio e de juros. As antecipações quanto às perspectivas de inflação, por exemplo, podem provocar mudanças nos preços dos ativos, afetar as taxas de câmbio e as relações entre taxas de juros nas diferentes moedas.
Os relatórios do FMI e do Banco Mundial, publicados na última semana, apostam que o aumento dos déficits gêmeos vai empurrar o dólar para níveis ainda mais baixos. Essa desvalorização, dizem, caso ocorra de forma rápida, deverá acelerar a saída dos ativos denominados na moeda americana, o que, por sua vez, vai acentuar a queda do dólar. As taxas de juros de longo prazo vão começar a subir, exigindo do Fed a elevação das taxas curtas. Neste momento, não é seguro afirmar nem que estejamos diante de uma tendência firme nem que, como de outras vezes, a moeda americana vá recuperar a sua força.


Luiz Gonzaga Belluzzo, 61, é professor titular de Economia da Unicamp (Universidade Estadual de Campinas). Foi chefe da Secretaria Especial de Assuntos Econômicos do Ministério da Fazenda (governo Sarney) e secretário de Ciência e Tecnologia do Estado de São Paulo (governo Quércia).

E-mail - BelluzzoP@aol.com


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