São Paulo, segunda-feira, 08 de janeiro de 2001

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FISCALIZAÇÃO
Executivos foram inabilitados e 28 fiscais vasculham as operações da instituição, suspeita de burlar regras
BC investiga Rural e pune três diretores

WLADIMIR GRAMACHO
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA

O Banco Rural, que ganhou notoriedade como agente financeiro do esquema PC Farias, não teve muito o que comemorar na virada do ano. Três de seus principais dirigentes receberam pena máxima do Banco Central (BC) por haverem burlado regras bancárias.
E, desde 4 de dezembro, um batalhão formado por 28 fiscais está vasculhando todas as operações da instituição, sob a supervisão da diretora de Fiscalização do BC, Tereza Grossi.
A punição do BC atingiu o vice-presidente-executivo, José Augusto Dumont, o secretário-geral, Holton Brandão, e o diretor de Controle, Plauto Gouveia.
Os três foram inabilitados para o exercício de cargos executivos no mercado financeiro por oito anos. Segundo o BC, entre 95 e 97, eles fraudaram as regras de recolhimento de compulsório para elevar a rentabilidade do banco.
Recolheram recursos de clientes utilizando uma distribuidora de títulos e valores mobiliários para fugir do compulsório, que bloqueia 45% dos depósitos para serem repassados ao BC e trava negócios e ganhos que o banco poderia ter com esse dinheiro.
Por uma idiossincrasia legislativa, a Lei 4.595, que trata dessas punições, prevê suspensão da pena em caso de recurso. Como todos eles recorreram, permanecem em seus cargos até que o Conselho de Recursos do Sistema Financeiro Nacional, o "Conselhinho", julgue o caso. Não há prazo para esse julgamento.
No exercício de suas funções, os três vêm ocupando parte de sua agenda com o atendimento ao grupo de fiscais do BC, que utiliza um andar inteiro na sede do banco, em Belo Horizonte.
Trata-se de uma investigação de rotina, que desde 1997 regularmente se faz nos bancos instalados no país para evitar novos colapsos, como os do Econômico e do Nacional. Em "burocratês", chama-se IGC (Inspeção Geral Consolidada).
No caso do Rural, a apuração de rotina tem pelo menos um objetivo específico. Um dado na contabilidade da instituição tem intrigado o comando do BC e parte do mercado financeiro. Nos próximos dias, o banco deve anunciar que sua rentabilidade no ano 2000 foi superior a 30%. Um dos melhores resultados do setor.
No Bradesco, por exemplo, a rentabilidade no primeiro semestre de 2000 foi de 13,7%, menos que a metade da do Banco Rural.
Num gráfico, os sucessivos lucros desenham uma linha fortemente ascendente. No primeiro semestre de 1999, foram R$ 44 milhões. No segundo semestre do mesmo ano, R$ 53 milhões. E no primeiro de 2000, o último dado conhecido, R$ 65 milhões.
"A rentabilidade é muito alta e chama a atenção. O lucro vem das operações de crédito, que sempre são sujeitas a um risco muito alto", diz o especialista Alberto Borges Matias, da ABM Consulting, que analisou a contabilidade do Rural a pedido da Folha.
Por outro lado, o mesmo balanço revela que o banco tem dinheiro livre para cobrir possíveis perdas. Com o patrimônio líquido que tem, R$ 370 milhões, poderia fazer muito mais negócios do que faz sem ter de burlar os limites impostos pelo BC.
Esse é um dado que revela solidez financeira, lembra o consultor. Mas também há outros. É em busca deles que estão os fiscais do BC, já há um mês. O relatório da inspeção deve ficar pronto até o Carnaval, no fim de fevereiro.

Irregularidades
O Rural é uma instituição média, com 61 agências em 31 cidades e 25 mil clientes e 1.627 funcionários. Desde o início da década, quando o Rural foi flagrado como principal agente financeiro do esquema PC Farias (contas-fantasmas foram abertas numa agência em Brasília, para serem movimentadas pela secretária Rosinete Melanias), o banco tem se envolvido em denúncias.
Há investigações em curso que atingem a instituição no Ministério Público e na Polícia Federal. No Congresso, a CPI do Narcotráfico criticou o banco por dificultar o acesso a informações sobre movimentações financeiras de alguns de seus suspeitos.
Irregularidades que ganharam espaço no banco durante os longos anos em que os controles internos de algumas áreas não funcionavam e de outras nem sequer existiam. E as punições do BC eram revistas pelo "Conselhinho", como ainda são.
Só no ano passado, dois julgamentos desse órgão, formado majoritariamente por representantes do mercado financeiro, derrubaram sanções determinadas pela fiscalização do BC.
Em abril, ao julgar recurso do Rural, esse conselho reduziu a menos da metade multa aplicada pelo BC por envolvimento do banco em fraudes no mercado de câmbio, entre 1987 e 1989, também praticadas por outras instituições. A pena caiu de US$ 12,9 milhões para US$ 5,6 milhões.
Em setembro, o "Conselhinho" decidiu arquivar processo em que o BC condenava a ação de quatro dirigentes por concederem empréstimos "em desacordo com a boa técnica bancária".
Depois das várias turbulências enfrentadas pelo Rural, o dono do banco, Sabino Rabello, 80, decidiu trazer do mercado financeiro executivos experientes para tentar mudar a imagem da instituição e garantir seu funcionamento.
Recentemente, foram eleitos 15 executivos e controladores como diretores estatutários do banco. O que quer dizer que, em caso de intervenção, eles podem responder com seu próprio patrimônio para cobrir possíveis desfalques.
"Perpetuar o banco" é atualmente o maior desejo de seu dono. Reservado e avesso a festividades sociais, Rabello concluiu no ano passado uma reforma societária em que assumiu o controle total do banco, que também tem como acionistas seus dois irmãos, Ajax e Sebastião.



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