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GILBERTO DIMENSTEIN
A rede dos e-diotas
Lugar de Internet é na cozinha, prega uma campanha
publicitária nos Estados Unidos
destinada a vender uma caixa,
batizada de e-mail station, capaz
de acessar a rede em qualquer lugar, sem necessidade de computador.
A publicidade vende o monumental apelo das engenhocas que
se conectam à rede sem fios, desobrigadas de aguardar a "interminável" espera do computador.
Enquanto se prepara a refeição,
comem-se as palavras no visor.
É o apelo da geladeira ou do relógio de pulso conectados à Internet.
Começa a se popularizar, no
Brasil, o celular que recebe e envia dados, deixando qualquer indivíduo informado 24 horas.
Engenheiros desenvolvem linhas de produtos para serem instalados do carro ao banheiro, tirando obstáculos ao tempo real.
A sofisticação tecnológica é embalada pelas idéias antigas de que
tempo é dinheiro e informação é
poder, acrescentada da sensação
de que ficar longe do tempo real é
uma espécie de orfandade.
A euforia tecnológica se transforma, para muitos, em histeria e
vai criando os e-diotas -os idiotas da rede.
O e-diota, categoria na qual,
admito, muitas vezes, me incluo,
é aquele que se sente perdido, desamparado, porque esqueceu o
celular em casa ou atende telefone quando está dirigindo. Prefere
pagar uma tarifa estupidamente
cara do que aguardar um telefone
fixo, cuja ligação, aliás, não cai.
Vamos no sentido como um
operador do pregão da Bolsa, presos neuroticamente ao que acontece a cada segundo, num dilúvio
de dados.
Raro, hoje, estarmos num cinema, teatro, reunião, conferência e
não ouvir algum celular tocando
-e, mesmo apesar da óbvia inconveniência, menos raro ainda é
o sujeito atender e conversar como se nada à sua volta estivesse
acontecendo.
Uma reportagem publicada pelo The Wall Street Journal detectou mudança de comportamento
dos americanos mais jovens, especialmente os engolfados pelos encantos da rede.
Constatou falta de educação e
de polidez, falta de disposição ao
ritual do convívio. O valor máximo e a inovação num ambiente
virtual.
Esse comportamento se vê nas
filas, nos restaurantes, cinemas
ou lojas, com a ausência, por
exemplo, de um obrigado ou na
impaciência diante de um velho
com dificuldade de locomoção ou
de um vendedor.
Conversa-se bem à distância e
administra-se mal a proximidade, uma óbvia e-diotice. Os seres
humanos perdem, e as máquinas
ganham interatividade. Difícil
encontrar pessoa, especialmente
os mais jovens, hábil em contar
boas histórias, fazer relatos interessantes sobre suas experiências,
na admirável tecnologia do bate-papo.
Nada é mais interativo (nenhum software chega perto) do
que uma boa conversa, movida a
sorrisos e olhares reais.
Pergunte a qualquer cientista
dos mais avançados centros de
pesquisa de tecnologia de informação se existe alguma engenhoca capaz de competir com interatividade do ser humano -e ouvirá a singela resposta negativa.
Fácil entender. Assista a uma
videoconferência e uma palestra
ao vivo daquele mesmo conferencista; a diferença é estúpida.
As novidades da tecnologia da
informação têm significado extraordinários avanços para distribuição de saber, barateando e
popularizando seu acesso.
O desfecho de Celso Pitta, na
prefeitura, por exemplo, é consequência de uma sociedade mais
democrática, articulada e atenta,
por ser também mais educada e
informada -e mais informada
graças, em boa parte, à transmissão eletrônica.
Mas o e-diota, no geral, vítima
de um equívoco -o de que excesso de informação significa conhecimento.
Explico: conhecimento é a informação transformada em algo
útil. O dilúvio de dados serve,
muitas vezes, mais para confundir do que para esclarecer.
O tempo real embute o risco de
nos ligarmos tanto ao presente,
ao imediato, que perdemos o valor do passado e a perspectiva de
futuro; importante passa a ser o
que acontece aqui e agora.
Estudos realizados nos Estados
Unidos mostram a dificuldade de
se ensinar história, tamanha a
valorização do imediato.
A informação só vira, de fato,
conhecimento, quando podemos
jogá-la num contexto, medir sua
importância, a partir de comparações.
Fora isso, é um exercício diário
de alienação.
A rede dos e-diotas se esquece
de um princípio elementar das invenções. Ao passarmos cada vez
mais tempo presos a alguma tela,
seja do computador, do televisor
ou celular, deixamos de lado a
obviedade de que a tecnologia é
desenvolvida para ajudar as pessoas a viver e conviver melhor.
PS - Ocorreram, nesta semana,
dois encontros valiosos mostrando o que há de melhor em tecnologia de informação aplicada à
educação. Um deles, o Mercado
Mundial de Educação, no Canadá, e outro em São Paulo, intitulado Educar 2000.
São instrumentos poderosos na
busca da democratização do conhecimento. O melhor daqueles
dois encontros, enriquecidos com
uma pasta sobre ensino à distância, estão disponíveis na Folha Online, locado em minha página
(www.dimenstein.com.br) ou no
Aprendiz (www.aprendiz.com.br).
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