São Paulo, domingo, 28 de maio de 2000


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GILBERTO DIMENSTEIN

A rede dos e-diotas


Lugar de Internet é na cozinha, prega uma campanha publicitária nos Estados Unidos destinada a vender uma caixa, batizada de e-mail station, capaz de acessar a rede em qualquer lugar, sem necessidade de computador.
A publicidade vende o monumental apelo das engenhocas que se conectam à rede sem fios, desobrigadas de aguardar a "interminável" espera do computador. Enquanto se prepara a refeição, comem-se as palavras no visor.
É o apelo da geladeira ou do relógio de pulso conectados à Internet.
Começa a se popularizar, no Brasil, o celular que recebe e envia dados, deixando qualquer indivíduo informado 24 horas.
Engenheiros desenvolvem linhas de produtos para serem instalados do carro ao banheiro, tirando obstáculos ao tempo real.
A sofisticação tecnológica é embalada pelas idéias antigas de que tempo é dinheiro e informação é poder, acrescentada da sensação de que ficar longe do tempo real é uma espécie de orfandade.
A euforia tecnológica se transforma, para muitos, em histeria e vai criando os e-diotas -os idiotas da rede.
O e-diota, categoria na qual, admito, muitas vezes, me incluo, é aquele que se sente perdido, desamparado, porque esqueceu o celular em casa ou atende telefone quando está dirigindo. Prefere pagar uma tarifa estupidamente cara do que aguardar um telefone fixo, cuja ligação, aliás, não cai.
Vamos no sentido como um operador do pregão da Bolsa, presos neuroticamente ao que acontece a cada segundo, num dilúvio de dados.
Raro, hoje, estarmos num cinema, teatro, reunião, conferência e não ouvir algum celular tocando -e, mesmo apesar da óbvia inconveniência, menos raro ainda é o sujeito atender e conversar como se nada à sua volta estivesse acontecendo.

Uma reportagem publicada pelo The Wall Street Journal detectou mudança de comportamento dos americanos mais jovens, especialmente os engolfados pelos encantos da rede.
Constatou falta de educação e de polidez, falta de disposição ao ritual do convívio. O valor máximo e a inovação num ambiente virtual.
Esse comportamento se vê nas filas, nos restaurantes, cinemas ou lojas, com a ausência, por exemplo, de um obrigado ou na impaciência diante de um velho com dificuldade de locomoção ou de um vendedor.
Conversa-se bem à distância e administra-se mal a proximidade, uma óbvia e-diotice. Os seres humanos perdem, e as máquinas ganham interatividade. Difícil encontrar pessoa, especialmente os mais jovens, hábil em contar boas histórias, fazer relatos interessantes sobre suas experiências, na admirável tecnologia do bate-papo.
Nada é mais interativo (nenhum software chega perto) do que uma boa conversa, movida a sorrisos e olhares reais.
Pergunte a qualquer cientista dos mais avançados centros de pesquisa de tecnologia de informação se existe alguma engenhoca capaz de competir com interatividade do ser humano -e ouvirá a singela resposta negativa.
Fácil entender. Assista a uma videoconferência e uma palestra ao vivo daquele mesmo conferencista; a diferença é estúpida.
As novidades da tecnologia da informação têm significado extraordinários avanços para distribuição de saber, barateando e popularizando seu acesso.
O desfecho de Celso Pitta, na prefeitura, por exemplo, é consequência de uma sociedade mais democrática, articulada e atenta, por ser também mais educada e informada -e mais informada graças, em boa parte, à transmissão eletrônica.
Mas o e-diota, no geral, vítima de um equívoco -o de que excesso de informação significa conhecimento.
Explico: conhecimento é a informação transformada em algo útil. O dilúvio de dados serve, muitas vezes, mais para confundir do que para esclarecer.
O tempo real embute o risco de nos ligarmos tanto ao presente, ao imediato, que perdemos o valor do passado e a perspectiva de futuro; importante passa a ser o que acontece aqui e agora.
Estudos realizados nos Estados Unidos mostram a dificuldade de se ensinar história, tamanha a valorização do imediato.
A informação só vira, de fato, conhecimento, quando podemos jogá-la num contexto, medir sua importância, a partir de comparações.
Fora isso, é um exercício diário de alienação.
A rede dos e-diotas se esquece de um princípio elementar das invenções. Ao passarmos cada vez mais tempo presos a alguma tela, seja do computador, do televisor ou celular, deixamos de lado a obviedade de que a tecnologia é desenvolvida para ajudar as pessoas a viver e conviver melhor.

PS - Ocorreram, nesta semana, dois encontros valiosos mostrando o que há de melhor em tecnologia de informação aplicada à educação. Um deles, o Mercado Mundial de Educação, no Canadá, e outro em São Paulo, intitulado Educar 2000.
São instrumentos poderosos na busca da democratização do conhecimento. O melhor daqueles dois encontros, enriquecidos com uma pasta sobre ensino à distância, estão disponíveis na Folha Online, locado em minha página (www.dimenstein.com.br) ou no Aprendiz (www.aprendiz.com.br).


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