|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
HORA DO PARTO
Campanha quer garantir presença de acompanhante escolhido pela mãe; objetivo é incentivar usuário a exigir direitos
Maternidades ignoram direito de gestante
DA REPORTAGEM LOCAL
Toda mulher tem direito a um
acompanhante de sua escolha durante o trabalho de parto e o parto. A reivindicação parece tão natural quanto o próprio parto, mas
não é isso que acontece na maioria das maternidades, públicas e
privadas. Para transformar esse
privilégio em direito de toda gestante, foi lançada esta semana, no
Instituto de Saúde em São Paulo,
uma campanha nacional pelo
acompanhante no parto.
A iniciativa é da Rede pela Humanização do Nascimento (Rehuna), que agrupa profissionais
de diferentes áreas, com o apoio
da Secretaria de Estado da Saúde.
Apesar de parecer óbvia, a campanha lançada agora chega com
pelo menos 15 anos de atraso.
Desde 1985 as Nações Unidas vêm
recomendando a presença durante o parto de um acompanhante
escolhido pela mãe. Vários estudos mostram que um suporte
emocional reduz o número de cesáreas, o tempo do parto e a quantidade de anestésicos.
Em São Paulo, uma lei estadual
de março do ano passado, que
trata dos direitos dos usuários dos
serviços de saúde, garante à gestante o direito à "presença do pai
nos exames pré-natais e no momento do parto". Mas mesmo esse direito limitado ao pai não vem
sendo sendo respeitado na grande
maioria das maternidades.
Por essas razões, a campanha
lançada agora tem duas frentes:
uma delas pede que a lei estadual
-que é de autoria do deputado
Roberto Gouveia (PT-SP)- seja
entendida como direito da mulher de escolher seu acompanhante, independentemente de
ser o pai ou não. A outra é garantir
que o direito a esse acompanhante seja garantido em todas as maternidades, mesmo nos Estados
onde não haja lei.
Uma das propostas da campanha é incentivar os usuários de
saúde a exigirem seus direitos e a
denunciarem as maternidades
que não permitem a presença de
acompanhantes. "Podemos recorrer ao Ministério Público caso
os hospitais insistam em desobedecer a lei estadual", diz Sonia
Nussenzweig Hotimsky, cientista
social e membro da coordenação
estadual da Rehuna.
Parto-espetáculo
Algumas iniciativas que incluem a presença de um acompanhante no parto já vêm sendo
adotadas por pequeno número de
maternidades. Em São Paulo, o
Grupo de Estudos Partejar, que
reúne representantes de algumas
maternidades privadas, vem defendendo o "parto no quarto".
A prática consiste em realizar o
parto no mesmo quarto onde a
mulher esteve durante as horas
que antecedem o nascimento.
Desta forma, o acompanhante
pode permanecer o tempo todo
junto. A iniciativa é uma tentativa
de reduzir o número de cesáreas,
que em alguns hospitais chega a
80%, contra 8% em países europeus. Algumas maternidades privadas restringem a presença do
acompanhante a alguns momentos para filmagem. É o chamado
parto-espetáculo.
A médica e pesquisadora Daphne Rattner, da coordenação nacional do Rehuna, diz que o "parto no quarto" é uma adaptação de
uma prática adotada no Japão e
que chegou ao Brasil com o nome
de PPP, "Pré-Parto, Parto e Pós-Parto". Segundo Daphne, as mulheres japonesas permanecem na
casa de parto por uma semana,
junto à família. Quando saem, já
aprenderam os primeiros cuidados com o bebê.
No Rio de Janeiro, a maternidade municipal Leila Diniz aceita
acompanhante desde 1994. Uma
resolução municipal de 1998 garante um acompanhante de escolha da mulher em todas as maternidades públicas cariocas.
Sonia Hotimsky considera fundamental que o acompanhante
seja o da escolha da mulher. Um
estudo feito por ela com 250 partos realizados na Casa de Parto
Monte Azul, em São Paulo, mostrou que em 55% deles a mulher
estava acompanhada pelo marido. Em 27,6%, o acompanhante
eram amigas, em 19% eram mães,
e na maioria dos outros eram parentes do sexo feminino.
"Só em 18,8% dos partos a mulher não estava acompanhada",
diz Sonia. "Em 40,4% deles havia
dois ou mais acompanhantes".
Na Casa de Parto Monte Azul,
fundada pela parteira Angela
Gehrke e considerada referência
internacional, as mulheres são incentivadas a escolher o acompanhante. "Muitas vezes elas não
querem o pai da criança, ou ele está impossibilitado de vir, ou elas
se sentem mais à vontade com a
mãe ou uma amiga", diz Sonia.
A presença de um acompanhante também reduz a violência
institucional. Os membros da Rehuna e os conselhos de Saúde recebem relatos frequentes de gestantes que permaneceram horas
em trabalho de parto abandonadas em corredor de hospitais ou
que foram humilhadas por profissionais. Também por essas razões, a campanha pelo acompanhante tem o apoio da Rede Feminista de Saúde, da União dos
Movimentos Populares de São
Paulo e dos conselhos de Saúde
como o da zona leste.
(AURELIANO BIANCARELLI)
Texto Anterior: Prêmio: Médico inventa aparelho para autotransfusão Próximo Texto: Gilberto Dimenstein: A rede dos e-diotas Índice
|