São Paulo, domingo, 28 de maio de 2000


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HORA DO PARTO

Campanha quer garantir presença de acompanhante escolhido pela mãe; objetivo é incentivar usuário a exigir direitos

Maternidades ignoram direito de gestante

DA REPORTAGEM LOCAL

Toda mulher tem direito a um acompanhante de sua escolha durante o trabalho de parto e o parto. A reivindicação parece tão natural quanto o próprio parto, mas não é isso que acontece na maioria das maternidades, públicas e privadas. Para transformar esse privilégio em direito de toda gestante, foi lançada esta semana, no Instituto de Saúde em São Paulo, uma campanha nacional pelo acompanhante no parto.
A iniciativa é da Rede pela Humanização do Nascimento (Rehuna), que agrupa profissionais de diferentes áreas, com o apoio da Secretaria de Estado da Saúde.
Apesar de parecer óbvia, a campanha lançada agora chega com pelo menos 15 anos de atraso. Desde 1985 as Nações Unidas vêm recomendando a presença durante o parto de um acompanhante escolhido pela mãe. Vários estudos mostram que um suporte emocional reduz o número de cesáreas, o tempo do parto e a quantidade de anestésicos.
Em São Paulo, uma lei estadual de março do ano passado, que trata dos direitos dos usuários dos serviços de saúde, garante à gestante o direito à "presença do pai nos exames pré-natais e no momento do parto". Mas mesmo esse direito limitado ao pai não vem sendo sendo respeitado na grande maioria das maternidades.
Por essas razões, a campanha lançada agora tem duas frentes: uma delas pede que a lei estadual -que é de autoria do deputado Roberto Gouveia (PT-SP)- seja entendida como direito da mulher de escolher seu acompanhante, independentemente de ser o pai ou não. A outra é garantir que o direito a esse acompanhante seja garantido em todas as maternidades, mesmo nos Estados onde não haja lei.
Uma das propostas da campanha é incentivar os usuários de saúde a exigirem seus direitos e a denunciarem as maternidades que não permitem a presença de acompanhantes. "Podemos recorrer ao Ministério Público caso os hospitais insistam em desobedecer a lei estadual", diz Sonia Nussenzweig Hotimsky, cientista social e membro da coordenação estadual da Rehuna.

Parto-espetáculo
Algumas iniciativas que incluem a presença de um acompanhante no parto já vêm sendo adotadas por pequeno número de maternidades. Em São Paulo, o Grupo de Estudos Partejar, que reúne representantes de algumas maternidades privadas, vem defendendo o "parto no quarto".
A prática consiste em realizar o parto no mesmo quarto onde a mulher esteve durante as horas que antecedem o nascimento. Desta forma, o acompanhante pode permanecer o tempo todo junto. A iniciativa é uma tentativa de reduzir o número de cesáreas, que em alguns hospitais chega a 80%, contra 8% em países europeus. Algumas maternidades privadas restringem a presença do acompanhante a alguns momentos para filmagem. É o chamado parto-espetáculo.
A médica e pesquisadora Daphne Rattner, da coordenação nacional do Rehuna, diz que o "parto no quarto" é uma adaptação de uma prática adotada no Japão e que chegou ao Brasil com o nome de PPP, "Pré-Parto, Parto e Pós-Parto". Segundo Daphne, as mulheres japonesas permanecem na casa de parto por uma semana, junto à família. Quando saem, já aprenderam os primeiros cuidados com o bebê.
No Rio de Janeiro, a maternidade municipal Leila Diniz aceita acompanhante desde 1994. Uma resolução municipal de 1998 garante um acompanhante de escolha da mulher em todas as maternidades públicas cariocas.
Sonia Hotimsky considera fundamental que o acompanhante seja o da escolha da mulher. Um estudo feito por ela com 250 partos realizados na Casa de Parto Monte Azul, em São Paulo, mostrou que em 55% deles a mulher estava acompanhada pelo marido. Em 27,6%, o acompanhante eram amigas, em 19% eram mães, e na maioria dos outros eram parentes do sexo feminino.
"Só em 18,8% dos partos a mulher não estava acompanhada", diz Sonia. "Em 40,4% deles havia dois ou mais acompanhantes". Na Casa de Parto Monte Azul, fundada pela parteira Angela Gehrke e considerada referência internacional, as mulheres são incentivadas a escolher o acompanhante. "Muitas vezes elas não querem o pai da criança, ou ele está impossibilitado de vir, ou elas se sentem mais à vontade com a mãe ou uma amiga", diz Sonia.
A presença de um acompanhante também reduz a violência institucional. Os membros da Rehuna e os conselhos de Saúde recebem relatos frequentes de gestantes que permaneceram horas em trabalho de parto abandonadas em corredor de hospitais ou que foram humilhadas por profissionais. Também por essas razões, a campanha pelo acompanhante tem o apoio da Rede Feminista de Saúde, da União dos Movimentos Populares de São Paulo e dos conselhos de Saúde como o da zona leste.
(AURELIANO BIANCARELLI)

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