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OPINIÃO
A cirurgia da próstata
AFIZ SADÍ
As pesquisas médicas, biomédicas, físico-químicas,
engenharia genética, biologia molecular e outras mais evoluíram
nesses últimos 30 anos em centros
especializados de outros países.
Sim, porque, entre nós, pouca
pesquisa existe; nossos pesquisadores são exportados ou exilados
por falta de apoio funcional e para
a própria subsistência.
Já nos referimos anteriormente
à pletora de faculdades de medicina e de seu lançamento anual de
10.000 mil profissionais, quando a
demanda é de 4.000. O ideal será 1
médico para cada 1.300 habitantes. Então de 60% a 70% dos formandos não encontram trabalho
digno; não conseguem residência
médica; pós-graduação e honorário decente. Os seguros-saúde os
absorvem em massa com ridícula
remuneração, assim como faz o
SUS, e cujo atendimento outrossim desenobrece o profissional.
Assim sofrem o paciente, o médico, os meios de atendimento e,
com isso, as universidades vão se
deteriorando.
A propósito da urologia, que é o
nosso setor, ela também se beneficiou bastante com as pesquisas
das últimas décadas: a endoscopia
evoluiu para o tratamento de um
sem número de patologias uretrais, vesicais, ureterais e piélicas
com aparelhos ultramodernos:
ultra-sons, laser, vaporizações,
crioscopias e (cirúrgicas), fluoroscopias avançadas, tomografias
helicoidais, ressonâncias magnéticas e vários outros. Embrionária
ainda, a laparoscopia veio e deverá substituir uma série grande de
métodos cirúrgicos e permanecerá por longo tempo. Na urologia,
ela irá constituir um novo ramo
que substituirá muitas cirurgias,
hoje consideradas impraticáveis
do ponto de vista cruento.
Veja-se que, desde 1982 até esta
data, as máquinas vêm substituindo as cirurgias dos cálculos
urinários em mais de 90% dos casos: praticamente não mais se
opera o cálculo urinário. Ainda
restam algumas cirurgias substitutivas de órgãos que, em breve,
darão lugar a outras técnicas ou
aparelhos substitutos.
Assim o câncer da próstata teve
uma evolução curiosa nos últimos 50 anos; era operado tão logo
fosse diagnosticado e com sua
evolução longa em relação ao
diagnóstico, já se encontrava
avançado e mesmo com metastases.
A cirurgia era precária e o pós-operatório curto quanto à sobrevida e de péssima qualidade. Medicamentos auxiliares surgiram,
cirurgias evoluíram, marcadores
tumorais auxiliaram até certo
ponto o diagnóstico com margem
de erro de 30% falso negativos ou
falso positivos, mas o toque retal
permaneceu incólume. As indicações cirúrgicas diminuíram por
um tempo até 1908 quando recrudesceram nos Estados Unidos e
com grande entusiasmo no Brasil.
Com o avanço das pesquisas,
medicamentos hormonais, radioterapia avançada, braquiterapia
renascida, criocirurgia neo surgida endoscópica, a cirurgia radical
para o câncer da próstata tende a
desaparecer totalmente.
Esses processos cirúrgicos prostáticos não são pesquisa pura,
apenas um estudo detalhado
comparativo anatomo-histo-fisiológico. Como um trabalho mecânico, a tendência é desaparecer
com o evolver do tempo, a natureza e a própria biologia do tumor.
Sobrarão os métodos terapêuticos acima enunciados e não
cruentos que, em última análise,
são muito mais benéficos que os
cirúrgicos: fornecem os mesmos
resultados de longevidade e a
qualidade de vida é muito melhor
em todos os sentidos quando
comparada aos possíveis comprometimentos pós-operatórios.
Outrossim evita-se a disseminação de células tumorais para outros setores da atividade humana,
sempre preocupação durante as
manipulações cirúrgicas do tumor. Ora, o câncer das próstata é
de propagação centrípeta e, por
isso, há quase sempre extravasamento capsular e propagação apical. Os entendidos e bem intencionados só por isso deveriam impedir a cirurgia, pois pode haver
recidiva tumoral e então a coisa se
complica. Esse tumor não deve
ser manipulado porque tende a
disseminação sistêmica; por isso
pesquisadores italianos dizem a
seu respeito: "Noli me tangeri".
Hoje, na Europa, face às pesquisas sobre o câncer da próstata,
praticamente a cirurgia inexiste.
Nos Estados Unidos, onde a euforia foi grande nesses 20 anos com
propagação para o nosso meio, a
cirurgia radical vem diminuindo
abruptamente, como frota eufórica há tempos. Frente às mesmas
pesquisas que indicam terapêuticas variadas para o câncer da
próstata, tudo faz crer que a cirurgia radical é inútil e em nada ultrapassa os benefícios das pesquisas referidas. Como velho professor de urologia e com pesquisas
sobre as células tumorais e o seu
percurso no sistema sanguíneo
até atingir os ossos, venho prescrevendo a cirurgia radical do
câncer da próstata há cerca de 40
anos.
Agora vejo que meus esforços
estão sendo coroados porque os
grandes centros europeus já aboliram a cirurgia e os americanos
reduziram-na, por ora, para apenas 30% dos casos bem selecionados. Assim como aconteceu para
os cálculos, também o câncer da
próstata, em breve, não terá mais
indicação cirúrgica.
Para o lado renal, lembro-me de
transplantes de rins de chimpanzé para o homem, por volta de
1960/62, e talvez se possa utilizar
rins de porcos com os avanços
atuais dessas pesquisas. No setor
genital, o crescimento científico
tem sido tão grande que a própria
urologia vem sendo desmembrada. Esse avanço vem se dando a
nível da biologia molecular que
será o equilíbrio e a resolução incruente de quase todas as patologias urogenitais. Essas pesquisas
não terão fim; servirão de rastilho
e explodirão, e, como uma malha,
envolverão todos os setores da
atividade orgânica do ser humano.
Lamentavelmente, não há no
Brasil pesquisa pura em urologia;
muitos dos trabalhos surgidos são
frágeis quanto sua aplicação ou
veracidade. Há muita cópia e repetição. Entretanto, no cômputo
geral universitário e científico e,
com a experiência adquirida nesses dois quartéis de século no
exercício do ensaio e das atividades profissionais urológicas, acredito e sinto que os processos
cruentos tendem a desaparecer
muito em breve no concerto da
urologia universal.
Para encerrar, creio que se enquadraria aqui o pensamento de
Marquês de Maricá: "Os mundos
e sistemas solares concebidos na
Divina Mente e realizados pela
Onipotência do Ser Supremo têm,
como as sementes vegetais e os
ovos animais, um desenvolvimento lento, progressivo e variado, até chegarem, por muitos e
inumeráveis milênios, aquele
grau de madureza e plenitude, em
que se dissolvendo se resolvem
nas substâncias elementares de
que foram formados e que servirão de materiais para novas formações, futuros mundos e sistemas solares".
Prof. AFIZ SADÍ, titular de urologia da Escola Paulista de Medicina emérito da Sociedade Brasileira de Urologia; emérito
da Academia de Medicina de São Paulo;
honorário da Academia Nacional de Medicina e honorário da Academia de Medicina de Minas Gerais.
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