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FUMO
Marco e Denise foram conhecer o jornalista de 64 que amputou as pernas; mesmo assim, eles não pensam em largar o cigarro
"Efeito Marlboro" não convence os jovens
AURELIANO BIANCARELLI
DA REPORTAGEM LOCAL
Denise tem 15 anos e começou a
fumar com 13. Marco Antonio
tem 21 e fuma há 2. José Carlos vai
fazer 64 e fuma desde os 10.
Os dois adolescentes têm boa
saúde e não pensam em deixar o
cigarro. José Carlos já amputou as
duas pernas e sofreu um derrame
por causa do fumo. Só parou
quando a família se recusou a colocar o cigarro em sua boca.
A pedido da Folha, Denise e
Marco foram visitar José. A intenção era saber o que um poderia
dizer ao outro, mas as duas partes
permaneceram caladas. Parece
não haver diálogo possível entre
uma vítima do fumo e o jovem
que tira prazer do cigarro.
Nem diálogo nem mudança de
comportamento. Denise e Marco
disseram que o encontro os deixou chocados, mas não convencidos. "Não penso em parar de fumar, pelo menos por enquanto",
disse Marco. "É difícil ver uma relação entre o prazer que sinto com
o cigarro e o sofrimento daquele
homem", disse Denise.
O "efeito Marlboro" -como se
poderia chamar o retrato de um
fumante de hoje, amanhã- parece não convencer os jovens.
Na última sexta-feira, o Ministério da Saúde adotou esse princípio ao lançar a mais ofensiva das
campanhas contra o cigarro. A estratégia consiste em mostrar aos
fumantes de hoje o que pode
acontecer com eles amanhã. As
peças publicitárias se apóiam na
história verídica do ator Wayne
MCLaren, que morreu de câncer
no pulmão em 1992, aos 51 anos.
MCLaren ficou conhecido como
o cowboy das publicidades do cigarro Marlboro. "Sabe aquele
cowboy da propaganda do cigarro?", pergunta a contrapropaganda do ministério. "Morreu de câncer." A primeira imagem da campanha mostra o cowboy, a segunda, sua sepultura.
Em outra frente, no Congresso,
o governo quer a aprovação de
uma lei que proíba de vez qualquer propaganda de cigarro. O
ministro José Serra acredita que
em quatro anos, a partir da aprovação da lei, o consumo de cigarro será reduzido em até 40%.
Para aqueles que já se tornaram
dependentes, a lei chegará tarde.
"Já prometi várias vezes parar de
fumar, já procurei ajuda médica,
não consegui nada", diz Denise.
Do Liberty ao Free
Estudante do segundo colegial,
Denise Soares Schor conta que a
mãe deixa sobre sua escrivaninha
cada artigo que sai sobre fumo.
"Meu avô morreu do coração por
causa do cigarro, meu pai parou
de pilotar aviões depois das pontes de safena, por causa do cigarro. Eu fico achando que um dia
vou ter vontade de parar, e aí vou
conseguir." Denise fuma 15 cigarros por dia, Marlboro e Free.
Marco Antonio Domingues Gomes faz cursinho para o vestibular
e fuma 10 cigarros por dia, só
Carlton. "Não penso em parar",
ele diz, apesar da bronquite.
O jornalista José Carlos Gomes
começou fumando Liberty em
1936. Fumava até quatro maços
por dia, a maioria deles nas madrugadas de trabalho. Gomes foi
colunista de vários jornais cariocas, "Correio da Manhã", "Última
Hora", "Jornal do Comércio" e
"Tribuna da Imprensa".
Gomes não parou de fumar
mesmo quando uma vasculite,
problemas de irrigação sanguínea
agravados pelo cigarro, levou-o a
amputar a perna esquerda, em
1992. Um ano depois, foi a direita.
E três anos atrás um derrame praticamente imobilizou suas mãos.
Desde então, Gomes virou uma
espécie de militante antifumo.
"Peguei nojo", ele diz hoje, imobilizado em sua cama. "Cigarro é
só ilusão, é só pose. Deixem dele
enquanto é tempo."
O conselho não vale para todos
que querem. "O dependente precisa de ajuda para deixar o cigarro", diz o psiquiatra e especialista
Ronaldo Laranjeiras, da Universidade Federal de São Paulo. "Se o
governo não investir nos "programas de cessação", a maioria dos 30
milhões de fumantes não vai conseguir parar. Nada vem sendo feito por aqueles que vão morrer daqui a 10 anos."
A Justiça, por sua vez, está começando a se mostrar sensível à
questão. No último dia 4, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) decidiu pela inversão do ônus da
prova nas ações movidas por fumantes contra os fabricantes de
cigarro. Significa que, daqui para
a frente, caberá ao fabricante provar que o cigarro não faz mal nem
cria dependência. Antes, era o fumante que devia provar que era
dependente e que o cigarro causava problemas à sua saúde.
"Trata-se de uma decisão que
terá peso em todas as ações", diz
Luiz Mônaco, advogado da Adesf
(Associação de Defesa da Saúde
do Fumante). Ele acredita que José Carlos Gomes será um primeiros beneficiados. Se ganhar a causa, o repórter receberá uma indenização por danos físicos e morais
a ser fixada pelo juiz.
Outra ação, esta coletiva, pode
beneficiar com um valor ainda a
ser fixado todos os fumantes e ex-fumantes do país, doentes ou não.
A alegação é que o cigarro vicia,
faz mal e sua propaganda é enganosa.
No seu site na Internet (www.adesf.com.br), a Adesf tem uma
carta aberta ao presidente da República que pode ser assinada on-line. Entre os pedidos, está a retirada da folha de fumo que consta
do brasão da República. "É uma
apologia a uma planta que mata
100 mil brasileiros por ano", argumenta Mônaco.
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