São Paulo, domingo, 28 de maio de 2000


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FUMO

Marco e Denise foram conhecer o jornalista de 64 que amputou as pernas; mesmo assim, eles não pensam em largar o cigarro

"Efeito Marlboro" não convence os jovens

AURELIANO BIANCARELLI
DA REPORTAGEM LOCAL

Denise tem 15 anos e começou a fumar com 13. Marco Antonio tem 21 e fuma há 2. José Carlos vai fazer 64 e fuma desde os 10.
Os dois adolescentes têm boa saúde e não pensam em deixar o cigarro. José Carlos já amputou as duas pernas e sofreu um derrame por causa do fumo. Só parou quando a família se recusou a colocar o cigarro em sua boca.
A pedido da Folha, Denise e Marco foram visitar José. A intenção era saber o que um poderia dizer ao outro, mas as duas partes permaneceram caladas. Parece não haver diálogo possível entre uma vítima do fumo e o jovem que tira prazer do cigarro.
Nem diálogo nem mudança de comportamento. Denise e Marco disseram que o encontro os deixou chocados, mas não convencidos. "Não penso em parar de fumar, pelo menos por enquanto", disse Marco. "É difícil ver uma relação entre o prazer que sinto com o cigarro e o sofrimento daquele homem", disse Denise.
O "efeito Marlboro" -como se poderia chamar o retrato de um fumante de hoje, amanhã- parece não convencer os jovens.
Na última sexta-feira, o Ministério da Saúde adotou esse princípio ao lançar a mais ofensiva das campanhas contra o cigarro. A estratégia consiste em mostrar aos fumantes de hoje o que pode acontecer com eles amanhã. As peças publicitárias se apóiam na história verídica do ator Wayne MCLaren, que morreu de câncer no pulmão em 1992, aos 51 anos. MCLaren ficou conhecido como o cowboy das publicidades do cigarro Marlboro. "Sabe aquele cowboy da propaganda do cigarro?", pergunta a contrapropaganda do ministério. "Morreu de câncer." A primeira imagem da campanha mostra o cowboy, a segunda, sua sepultura.
Em outra frente, no Congresso, o governo quer a aprovação de uma lei que proíba de vez qualquer propaganda de cigarro. O ministro José Serra acredita que em quatro anos, a partir da aprovação da lei, o consumo de cigarro será reduzido em até 40%.
Para aqueles que já se tornaram dependentes, a lei chegará tarde. "Já prometi várias vezes parar de fumar, já procurei ajuda médica, não consegui nada", diz Denise.

Do Liberty ao Free
Estudante do segundo colegial, Denise Soares Schor conta que a mãe deixa sobre sua escrivaninha cada artigo que sai sobre fumo. "Meu avô morreu do coração por causa do cigarro, meu pai parou de pilotar aviões depois das pontes de safena, por causa do cigarro. Eu fico achando que um dia vou ter vontade de parar, e aí vou conseguir." Denise fuma 15 cigarros por dia, Marlboro e Free.
Marco Antonio Domingues Gomes faz cursinho para o vestibular e fuma 10 cigarros por dia, só Carlton. "Não penso em parar", ele diz, apesar da bronquite.
O jornalista José Carlos Gomes começou fumando Liberty em 1936. Fumava até quatro maços por dia, a maioria deles nas madrugadas de trabalho. Gomes foi colunista de vários jornais cariocas, "Correio da Manhã", "Última Hora", "Jornal do Comércio" e "Tribuna da Imprensa".
Gomes não parou de fumar mesmo quando uma vasculite, problemas de irrigação sanguínea agravados pelo cigarro, levou-o a amputar a perna esquerda, em 1992. Um ano depois, foi a direita. E três anos atrás um derrame praticamente imobilizou suas mãos. Desde então, Gomes virou uma espécie de militante antifumo.
"Peguei nojo", ele diz hoje, imobilizado em sua cama. "Cigarro é só ilusão, é só pose. Deixem dele enquanto é tempo."
O conselho não vale para todos que querem. "O dependente precisa de ajuda para deixar o cigarro", diz o psiquiatra e especialista Ronaldo Laranjeiras, da Universidade Federal de São Paulo. "Se o governo não investir nos "programas de cessação", a maioria dos 30 milhões de fumantes não vai conseguir parar. Nada vem sendo feito por aqueles que vão morrer daqui a 10 anos."
A Justiça, por sua vez, está começando a se mostrar sensível à questão. No último dia 4, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) decidiu pela inversão do ônus da prova nas ações movidas por fumantes contra os fabricantes de cigarro. Significa que, daqui para a frente, caberá ao fabricante provar que o cigarro não faz mal nem cria dependência. Antes, era o fumante que devia provar que era dependente e que o cigarro causava problemas à sua saúde.
"Trata-se de uma decisão que terá peso em todas as ações", diz Luiz Mônaco, advogado da Adesf (Associação de Defesa da Saúde do Fumante). Ele acredita que José Carlos Gomes será um primeiros beneficiados. Se ganhar a causa, o repórter receberá uma indenização por danos físicos e morais a ser fixada pelo juiz.
Outra ação, esta coletiva, pode beneficiar com um valor ainda a ser fixado todos os fumantes e ex-fumantes do país, doentes ou não. A alegação é que o cigarro vicia, faz mal e sua propaganda é enganosa.
No seu site na Internet (www.adesf.com.br), a Adesf tem uma carta aberta ao presidente da República que pode ser assinada on-line. Entre os pedidos, está a retirada da folha de fumo que consta do brasão da República. "É uma apologia a uma planta que mata 100 mil brasileiros por ano", argumenta Mônaco.



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