São Paulo, domingo, 28 de maio de 2000


Envie esta notícia por e-mail para
assinantes do UOL ou da Folha
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

GREVE DO FUNCIONALISMO

Para a secretária Rose Neubauer, familiares que querem aulas para os filhos devem ser atendidos

Pais podem exigir professor temporário

GABRIELA ATHIAS
DA REPORTAGEM LOCAL

NILSON DE OLIVEIRA
EDITOR DE COTIDIANO

Há 26 dias, desde o início da greve dos professores, a secretária de Estado da Educação, Rose Neubauer, cumpre sua jornada de 12 horas de trabalho, ouvindo cerca de 70 grevistas, acampados na frente da secretaria, no centro da capital, protestarem ao microfone sobre a situação, segundo eles precária, da educação no Estado de São Paulo.
"A rede não tem muita simpatia por mim", diz Rose. "Mas, no fundo, todos sabem que eu defendo quem precisa: o aluno."
Para a secretária, as Associações de Pais e Mestres (APMs) já deveriam estar pressionando as escolas para contratar professores temporários para repor as aulas perdidas. A rede conta com cerca de 35 mil profissionais desse tipo, que recebem por aula.
Rose, na verdade Tereza Roserley Neubauer da Silva, promoveu mudanças polêmicas num setor que atinge diretamente, pelo menos, 18 milhões de paulistas (6 milhões de alunos, 200 mil professores e 12 milhões de familiares).
De todas, a mais polêmica ainda é o fim da repetência, decretada desde 1998. "Não é justo punir o aluno se a escola não conseguiu ensinar direito", afirma.
Para ela, a única forma de o contribuinte, financiador da escola pública, não ser lesado na qualidade do ensino é a pressão das APMs sobre a direção do colégio.
"Os pais têm que cobrar resultados e denunciar eventuais irregularidades administrativas", diz a secretária. "Só assim poderemos substituir os funcionários que não estiverem desempenhando bem suas funções."
Leia a seguir os principais trechos da entrevista realizada na última sexta-feira.

Folha - Qual seria para o governo uma margem razoável de negociação salarial com os professores?
Rose Neubauer -
Acho que 3% ou 4% de aumento seria conversável para o governo. Não dá para o governador Mário Covas passar a destinar 75% da receita do Estado para a folha de pagamento (hoje, são gastos 63%). Se ele fizer isso, estará arriscando o mandato dele. A Lei de Responsabilidade Fiscal obriga o Estado a gastar 60% do orçamento com pessoal. Se você só paga a folha, não tem como oferecer serviços de qualidade, de equipar escolas e hospitais.

Folha - O governador Covas disse, no início do mandato, que com as privatizações, o Estado estaria abrindo mão de certos setores para cuidar do que interessa, como saúde e educação.
Rose -
Quem é de vocês que teve 155% de aumento nominal e 68% real nos últimos cinco anos?

Folha - Percentual é um número relativo. É preciso ver a partir de que base são calculados esses 155%. Esses salários estavam sob o impacto de anos de arrocho.
Rose -
Não adianta discutir como se o Orçamento fosse ilimitado. Há duas formas para aumentar o orçamento: ou cobrando mais impostos ou endividando o Estado. Não há terceira alternativa.

Folha - Não é possível redistribuir o Orçamento?
Rose -
A sociedade tem de apontar o caminho dessa redistribuição quando a Assembléia Legislativa vota o Orçamento. Por exemplo, no governo Franco Montoro, dos 30% da educação, gastavam-se 25,5% no 1� grau e 4,5% nas universidades. Nos governos Orestes Quércia e Luiz Antônio Fleury Filho esse último percentual passou para 9,8%. As universidades pressionaram a Assembléia que, por sua vez, pressionou o governador. Para dar 54% de aumento, a sociedade precisa sinalizar de onde vamos tirar esse dinheiro, que é mais do que o orçamento total da saúde.

Folha - Quem pede 54% dificilmente aceitará 4%. Por outro lado, de todas as tentativas de greve nos últimos quatro anos, essa é a que mais mobilizou os professores.
Rose -
Nós temos 80% das escolas funcionando normalmente. Eu tenho 10% a 15% de paralisação. Se esses dados estão errados, os diretores são todos mentirosos. Porque diariamente eu tenho o ponto informatizado que eles colocam no sistema.

Folha - É 10% na média, mas em alguns municípios como São José do Rio Preto, Araçatuba e Bauru esse percentual chega a 48%.
Rose -
Mas no total do Estado isso se dilui. Eu não administro redes pontuais. Tem município que vai ter de fazer reposição de aula nas férias e outros não.

Folha- A secretaria pode contratar professores substitutos se a greve for prolongada?
Rose-
Eu não vou ficar fazendo ameaça pelo jornal. Mas em todas as escolas existe uma lista de pelo menos cinco professores eventuais que ganham por aula. As Associações de Pais e Mestres podem pressionar a direção da escola para contratar essas pessoas e não prejudicar os alunos.

Folha - Se os professores voltarem a trabalhar o governo negocia.
Rose-
-Eu diria que tem chances enormes, mas a negociação será em bases pequenas. O governo não pode infringir a lei.

Folha - Os professores também reivindicam itens, como o fim da aprovação automática, que para a sra. já foram superados.
Rose -
Se a evasão caiu para 3% no ensino fundamental (era 10%) e 10% no ensino médio (era 25%) é até vergonhoso pleitear isso. Imagina se alguém, hoje, consegue mexer na reorganização das escolas (separação das escolas de 1� à 4� série das que oferecem da 5� em diante). O problema é que a repetência era usada com instrumento de poder pelos professores, e eles perderam isso.

Folha - Os professores dizem que a evasão e a repetência foram reduzidas porque os alunos estão sendo promovidos sem critério.
Rose -
Eu não inventei o fim da repetência, isso está na Lei de Diretrizes e Bases, que todo mundo votou a favor. Quando Erundina era prefeita, ela implantou o fim da repetência no município de São Paulo, e ninguém reclamou.

Folha - Os professores da rede estadual são contra a aprovação automática dissociada de um programa de melhoria do ensino.
Rose -
Quando um menino ficava oito anos repetindo a primeira e a segunda séries, ele não incomodava ninguém. Simplesmente abandonava a escola. Na hora que esse menino começa a progredir (passar de ano), percebemos que a escola não pode mais se comportar assim: é preciso ensinar.

Folha - Os professores costumam dizer que a escola do Estado não tem efetivamente condições de prestar ensino de qualidade.
Rose-
Toda escola pode pedir recurso para oferecer três horas de aula de recuperação a mais para os alunos que precisam. Eu vou divulgar todo o recurso que as escolas estão me cobrando (o fim da repetência é baseado em aulas de reforço). Agora, eu não tenho culpa se as escolas não levam a sério a recuperação do aluno. Elas podem formar grupos pequenos e oferecer quase aula particular.

Folha - Então as escolas públicas paulistas têm condições de oferecer ensino de qualidade?
Rose-
A partir de 1996, aumentamos o número de aulas para cinco horas (eram quatro), colocamos professor coordenador em todas as escolas, passamos a pagar hora de trabalho pedagógico coletivo para todos os professores e mais três horas de recuperação. A progressão (fim da repetência) só começou em 1998. Não existe condições, além dessas, em nenhum lugar do mundo.

Folha - De quem é a responsabilidade pela aplicação correta disso?
Rose-
Da rede e dos supervisores, que ocupam cargos de confiança.

Folha- De que forma a secretaria pode controlar a implantação dessa política e dar satisfação à sociedade, que paga por isso.
Rose -
Se a escola colocar a proposta pedagógica em prática, funciona. Agora, a maioria dos meus professores e diretores é efetiva, e eu não posso abrir um processo administrativo contra eles só porque não são bons pedagogicamente. Há certas restrições quando você trabalha com um corpo de funcionários efetivo e vitalício. Muitas pessoas não colocam os filhos na escola pública porque lá não se têm condições de fazer exigências. O Estatuto do Funcionalismo impede a própria administração de fazer exigências.

Folha - Talvez os professores da rede que a sra. dirige não estejam preparados para essa proposta.
Rose-
E o que é que eu vou fazer? Punir só os alunos, já que historicamente vou demorar um século para capacitar os professores? Além disso, as escolas estão usando todos os mecanismos (reforço, professor coordenador etc.), e 80% dos professores têm curso universitário.

Folha - Esse pacote mudou a escola pública. A sra. discutiu essas propostas de forma suficiente, antes de implantá-las?
Rose-
Acho que sim. Discutimos muito com os diretores. Agora você tem que acreditar nas lideranças da ponta. Se uma rede desse tamanho não for descentralizada, não vai dar.

Folha - A sra. defenderia um aumento de investimentos na educação, além dos atuais 30%?
Rose -
Não neste momento.

Folha - Então isso é suficiente?
Rose -
Não basta dizer que se vai gastar mais em educação sem saber quanto os outros setores que prestam serviços à população vão perder. Se não ficamos no plano do pensamento mágico.



Texto Anterior: Futebol e música mantêm alunos na escola
Próximo Texto: Insatisfeitos, pais pedem explicações
Índice


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Agência Folha.