Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
GREVE DO FUNCIONALISMO
Para a secretária Rose Neubauer, familiares que querem aulas para os filhos devem ser atendidos
Pais podem exigir professor temporário
GABRIELA ATHIAS
DA REPORTAGEM LOCAL
NILSON DE OLIVEIRA
EDITOR DE COTIDIANO
Há 26 dias, desde o início da greve dos professores, a secretária de
Estado da Educação, Rose Neubauer, cumpre sua jornada de 12
horas de trabalho, ouvindo cerca
de 70 grevistas, acampados na
frente da secretaria, no centro da
capital, protestarem ao microfone
sobre a situação, segundo eles
precária, da educação no Estado
de São Paulo.
"A rede não tem muita simpatia
por mim", diz Rose. "Mas, no
fundo, todos sabem que eu defendo quem precisa: o aluno."
Para a secretária, as Associações
de Pais e Mestres (APMs) já deveriam estar pressionando as escolas para contratar professores
temporários para repor as aulas
perdidas. A rede conta com cerca
de 35 mil profissionais desse tipo,
que recebem por aula.
Rose, na verdade Tereza Roserley Neubauer da Silva, promoveu
mudanças polêmicas num setor
que atinge diretamente, pelo menos, 18 milhões de paulistas (6 milhões de alunos, 200 mil professores e 12 milhões de familiares).
De todas, a mais polêmica ainda
é o fim da repetência, decretada
desde 1998. "Não é justo punir o
aluno se a escola não conseguiu
ensinar direito", afirma.
Para ela, a única forma de o contribuinte, financiador da escola
pública, não ser lesado na qualidade do ensino é a pressão das
APMs sobre a direção do colégio.
"Os pais têm que cobrar resultados e denunciar eventuais irregularidades administrativas", diz a
secretária. "Só assim poderemos
substituir os funcionários que não
estiverem desempenhando bem
suas funções."
Leia a seguir os principais trechos da entrevista realizada na última sexta-feira.
Folha - Qual seria para o governo
uma margem razoável de negociação salarial com os professores?
Rose Neubauer - Acho que 3% ou
4% de aumento seria conversável
para o governo. Não dá para o governador Mário Covas passar a
destinar 75% da receita do Estado
para a folha de pagamento (hoje,
são gastos 63%). Se ele fizer isso,
estará arriscando o mandato dele.
A Lei de Responsabilidade Fiscal
obriga o Estado a gastar 60% do
orçamento com pessoal. Se você
só paga a folha, não tem como
oferecer serviços de qualidade, de
equipar escolas e hospitais.
Folha - O governador Covas disse,
no início do mandato, que com as
privatizações, o Estado estaria
abrindo mão de certos setores para
cuidar do que interessa, como saúde e educação.
Rose - Quem é de vocês que teve
155% de aumento nominal e 68%
real nos últimos cinco anos?
Folha - Percentual é um número
relativo. É preciso ver a partir de
que base são calculados esses
155%. Esses salários estavam sob o
impacto de anos de arrocho.
Rose - Não adianta discutir como
se o Orçamento fosse ilimitado.
Há duas formas para aumentar o
orçamento: ou cobrando mais
impostos ou endividando o Estado. Não há terceira alternativa.
Folha - Não é possível redistribuir
o Orçamento?
Rose - A sociedade tem de apontar o caminho dessa redistribuição quando a Assembléia Legislativa vota o Orçamento. Por exemplo, no governo Franco Montoro,
dos 30% da educação, gastavam-se 25,5% no 1� grau e 4,5% nas
universidades. Nos governos
Orestes Quércia e Luiz Antônio
Fleury Filho esse último percentual passou para 9,8%. As universidades pressionaram a Assembléia que, por sua vez, pressionou
o governador. Para dar 54% de
aumento, a sociedade precisa sinalizar de onde vamos tirar esse
dinheiro, que é mais do que o orçamento total da saúde.
Folha - Quem pede 54% dificilmente aceitará 4%. Por outro lado,
de todas as tentativas de greve nos
últimos quatro anos, essa é a que
mais mobilizou os professores.
Rose - Nós temos 80% das escolas funcionando normalmente.
Eu tenho 10% a 15% de paralisação. Se esses dados estão errados,
os diretores são todos mentirosos.
Porque diariamente eu tenho o
ponto informatizado que eles colocam no sistema.
Folha - É 10% na média, mas em
alguns municípios como São José
do Rio Preto, Araçatuba e Bauru esse percentual chega a 48%.
Rose - Mas no total do Estado isso se dilui. Eu não administro redes pontuais. Tem município que
vai ter de fazer reposição de aula
nas férias e outros não.
Folha- A secretaria pode contratar professores substitutos se a
greve for prolongada?
Rose- Eu não vou ficar fazendo
ameaça pelo jornal. Mas em todas
as escolas existe uma lista de pelo
menos cinco professores eventuais que ganham por aula. As Associações de Pais e Mestres podem pressionar a direção da escola para contratar essas pessoas e
não prejudicar os alunos.
Folha - Se os professores voltarem a trabalhar o governo negocia.
Rose- -Eu diria que tem chances
enormes, mas a negociação será
em bases pequenas. O governo
não pode infringir a lei.
Folha - Os professores também
reivindicam itens, como o fim da
aprovação automática, que para a
sra. já foram superados.
Rose - Se a evasão caiu para 3%
no ensino fundamental (era 10%)
e 10% no ensino médio (era 25%)
é até vergonhoso pleitear isso.
Imagina se alguém, hoje, consegue mexer na reorganização das
escolas (separação das escolas de
1� à 4� série das que oferecem da 5�
em diante). O problema é que a
repetência era usada com instrumento de poder pelos professores, e eles perderam isso.
Folha - Os professores dizem que
a evasão e a repetência foram reduzidas porque os alunos estão
sendo promovidos sem critério.
Rose - Eu não inventei o fim da
repetência, isso está na Lei de Diretrizes e Bases, que todo mundo
votou a favor. Quando Erundina
era prefeita, ela implantou o fim
da repetência no município de
São Paulo, e ninguém reclamou.
Folha - Os professores da rede estadual são contra a aprovação automática dissociada de um programa de melhoria do ensino.
Rose - Quando um menino ficava oito anos repetindo a primeira
e a segunda séries, ele não incomodava ninguém. Simplesmente
abandonava a escola. Na hora que
esse menino começa a progredir
(passar de ano), percebemos que
a escola não pode mais se comportar assim: é preciso ensinar.
Folha - Os professores costumam
dizer que a escola do Estado não
tem efetivamente condições de
prestar ensino de qualidade.
Rose- Toda escola pode pedir recurso para oferecer três horas de
aula de recuperação a mais para
os alunos que precisam. Eu vou
divulgar todo o recurso que as escolas estão me cobrando (o fim da
repetência é baseado em aulas de
reforço). Agora, eu não tenho culpa se as escolas não levam a sério a
recuperação do aluno. Elas podem formar grupos pequenos e
oferecer quase aula particular.
Folha - Então as escolas públicas
paulistas têm condições de oferecer ensino de qualidade?
Rose- A partir de 1996, aumentamos o número de aulas para cinco
horas (eram quatro), colocamos
professor coordenador em todas
as escolas, passamos a pagar hora
de trabalho pedagógico coletivo
para todos os professores e mais
três horas de recuperação. A progressão (fim da repetência) só começou em 1998. Não existe condições, além dessas, em nenhum lugar do mundo.
Folha - De quem é a responsabilidade pela aplicação correta disso?
Rose-Da rede e dos supervisores,
que ocupam cargos de confiança.
Folha- De que forma a secretaria
pode controlar a implantação dessa política e dar satisfação à sociedade, que paga por isso.
Rose - Se a escola colocar a proposta pedagógica em prática, funciona. Agora, a maioria dos meus
professores e diretores é efetiva, e
eu não posso abrir um processo
administrativo contra eles só porque não são bons pedagogicamente. Há certas restrições quando você trabalha com um corpo
de funcionários efetivo e vitalício.
Muitas pessoas não colocam os filhos na escola pública porque lá
não se têm condições de fazer exigências. O Estatuto do Funcionalismo impede a própria administração de fazer exigências.
Folha - Talvez os professores da
rede que a sra. dirige não estejam
preparados para essa proposta.
Rose- E o que é que eu vou fazer?
Punir só os alunos, já que historicamente vou demorar um século
para capacitar os professores?
Além disso, as escolas estão usando todos os mecanismos (reforço,
professor coordenador etc.), e
80% dos professores têm curso
universitário.
Folha - Esse pacote mudou a escola pública. A sra. discutiu essas propostas de forma suficiente, antes
de implantá-las?
Rose- Acho que sim. Discutimos
muito com os diretores. Agora
você tem que acreditar nas lideranças da ponta. Se uma rede desse tamanho não for descentralizada, não vai dar.
Folha - A sra. defenderia um aumento de investimentos na educação, além dos atuais 30%?
Rose - Não neste momento.
Folha - Então isso é suficiente?
Rose - Não basta dizer que se vai
gastar mais em educação sem saber quanto os outros setores que
prestam serviços à população vão
perder. Se não ficamos no plano
do pensamento mágico.
Texto Anterior: Futebol e música mantêm alunos na escola Próximo Texto: Insatisfeitos, pais pedem explicações Índice
|