São Paulo, domingo, 28 de maio de 2000


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GREVE NA EDUCAÇÃO

Sem ter o que fazer, alunos das áreas pobres de São Paulo ficam mais expostos à violência e preocupam pais

Periferia é prejudicada com paralisação

Marcelo Alves/Folha Imagem
Alunos conversam em frente à escola Laerte Ramos de Carvalho


ALENCAR IZIDORO
DA REPORTAGEM LOCAL

A greve dos professores na periferia de São Paulo tem um efeito mais perverso do que a perda das aulas: sem ter o que fazer fora da escola, os estudantes ficam sujeitos à violência das ruas.
Essa situação incomoda pais, diretores e até mesmo alguns alunos, que preferem a atividade escolar a ficar parados.
"O rico, quando está sem aula, vai ao clube ou viaja. Aqui só sobra a rua", diz o aposentado Gilberto Alves da Silva, 54, preocupado com seu filho Everton, 17, aluno do primeiro ano do colegial da escola Professor Carlos Ayres, no Grajaú (zona sul).
Desde que a escola entrou em greve, há uma semana, ele não sabe o que seu filho faz das 19h às 23h. "Aqui em casa ele não pára. Deve estar por aí fazendo arruaça. Tenho medo das drogas. Quando não tem aula, com a garotada jogada na rua, isso é mais propício."
A preocupação de Silva não é à toa. Dados do Pro-Aim (Programa de Aprimoramento das Informações de Mortalidade, da Prefeitura de São Paulo) dão conta de que o Grajaú, onde Everton estuda, é um dos cinco distritos mais violentos da cidade.
Apenas nessa área, três escolas estão em greve, atingindo mais de 6.000 alunos. Em toda a capital, pelo menos 50 estabelecimentos de ensino estaduais e 100 mil estudantes estão em regiões com altos índices de criminalidade.
Os números do Pro-Aim também assustam ao mostrar que as vítimas de homicídio são, além de cada vez mais jovens, cada vez mais pobres. Ou seja: os alunos da periferia estão no grupo de risco.
No primeiro bimestre deste ano, os homicídios na faixa de 10 a 19 anos cresceram três vezes mais do que o de adultos com mais de 50 anos de idade, na comparação com o mesmo período de 1999.
O percentual de mortos que moravam na área mais excluída da cidade saltou de 51% para 58%.

Calçada
Sentado na calçada da rua Anibal dos Anjos, em Cidade Dutra (zona sul), Cleberson Lima da Silva, 11, reclama da falta de aula na escola Laerte Ramos de Carvalho, atingida parcialmente pela greve.
"Sem professor, a gente não tem muita coisa para fazer. Prefiro quando estou na escola do que quando estou de férias", afirmava o estudante, às 14h da última sexta-feira, horário em que deveria estar em sala de aula.
O "mais chato", segundo ele, não é a reposição de aulas. "O ruim é não ter o que fazer quando a gente está fora da escola."
Acompanhado dos amigos Felipe Farias de Souza, 12, e Júlio Cesar Rocha, 14, todos estudantes da 5� série, ele dizia que as alternativas encontradas pela direção para driblar o movimento grevista nem sempre agradam.
"É muito chato ficar com a professora substituta ou ter que ver aula em outra sala, junto com um monte de gente."
Aluno da mesma escola, Roni Santos Campos, 13, estudante da 6� série, pedia comida, às 15h30 do mesmo dia, dentro de uma padaria que fica nas proximidades da Laerte Ramos de Carvalho.
"Me paga uma coxinha?", dizia Roni, com um caderno na mão, aos clientes do estabelecimento.
Questionado sobre o que fazia naquele lugar, ele respondeu: "Estou vindo da escola. Era para eu sair às 18h, mas os professores estão em greve".
Acompanhado do amigo Wellington Mendes da Silva, 13, Roni disse que preferia estar em aula. "É ruim ficar sem estudar. E pior ainda não ter o que fazer."
A preocupação com a situação dos estudantes fora da escola levou diretores a procurar alternativas para reduzir o problema. As atividades extracurriculares, porém, não são suficientes para atingir nem a metade dos alunos dessas escolas (leia texto na pág C 2).
Segundo Maria Gorete Matheus, vice-diretora da escola Laerte Ramos, "a comunidade pressiona" para que os professores não parem de dar aulas.
"Os pais da periferia não têm onde deixar os filhos e, por isso, acham que a escola é o lugar mais seguro", diz Maria Gorete.
A vice-diretora da escola Beatriz Lopes, Maria Alice Sanches do Prado, afirma que existe uma preocupação tanto dos pais como dos funcionários com a "criançada que acaba ficando na rua".
Na sua escola, os professores, que pararam apenas na semana passada, decidiram voltar ao trabalho a partir de amanhã. "Eles vão se manifestar de outra maneira, conversando com as pessoas, mandando cartas."


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