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MOACYR SCLIAR
Saindo do armário
De imediato foi criado um
movimento que tinha hino, bandeira e até um manifesto
defendendo assento na ONU
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Japonês encontra mulher vivendo em armário de sua casa. Intrigado com o desaparecimento de alimentos em sua geladeira, um japonês teve uma grande surpresa ao descobrir que uma mulher
vivia em um armário de sua casa havia
vários meses. O homem, de 57 anos, que
pensava morar sozinho, instalou uma câmera de segurança em casa, na cidade de
Fukuoka, para descobrir o motivo do desaparecimento de comida em sua cozinha. Ele chamou a polícia ao ver nas imagens uma mulher passeando pela casa na
sua ausência. "Revistamos o local na presença dele e encontramos a mulher instalada em um armário", afirmou o porta-voz da polícia de Fukuoka. A mulher,
Tatsuko Horikawa, 58, vivia escondida
na parte superior de um armário, com
espaço suficiente apenas para abrigar
uma pessoa deitada, onde havia colocado
um colchão e várias garrafas de água. "A
mulher explicou aos investigadores que
não tinha onde viver. Morou ali durante
um ano", disse uma fonte policial. Ela foi
detida, e a polícia suspeita que Tatsuko
possa ter instalado esconderijos nos armários de outras casas do bairro.
Mundo, Folha Online
O CASO DA MULHER que durante um ano vivera num armário foi amplamente divulgado pela mídia e provocou sensação.
Resultado: ela, a princípio tímida e
esquiva, logo ganhou confiança em
si própria e começou a fazer declarações cada vez com mais segurança e
até arrogância. Sim, ocupara um armário na casa do homem, melhor dizendo só a parte superior desse armário; mas que problema causara?
Nenhum. O homem nunca usara o
tal armário, prova de que na casa havia espaço sobrando. Sim, e usara a
comida dele; mas, em primeiro lugar, era uma pessoa frugal, que se
alimentava pouco, ao passo que o
homem tendia para a obesidade e
precisava comer menos: na verdade,
ela até o beneficiara.
As pessoas ouviam seus argumentos e eram obrigadas a concordar:
Tatsuko não deixava de ter razão.
Com o que a triunfal retórica dela se
ampliou ainda mais. Agora não se
tratava de defender só a si própria,
mas a todas as mulheres que, nos
mais diferentes lugares do mundo,
certamente estariam lá, fechadas
em seus armários (pior: só na parte
superior deles) saindo furtivamente
à noite para catar na cozinha um
pãozinho, um iogurte.
De imediato criou o movimento
"Saindo do armário". Tinha hino, tinha bandeira, tinha um manifesto
que começava assim: "Nós, a quem a
injustiça relegou aos escuros armários da História, ou pior ainda, a uma
parte desses armários, agora proclamamos nosso direito ao reconhecimento por parte da humanidade.
Queremos sair dos armários, sem
que câmeras nos vigiem. Queremos
transformar os armários em territórios livres, com direito a autodeterminação. Queremos ter assento na
ONU". Não é preciso dizer que a
adesão ao movimento é maciça e
que ela, líder inconteste, tem sido
aclamada em todas as capitais do
mundo.
Quanto a ele, continua na casa. Sozinho, como sempre. Agora, sobra-lhe comida, mas faltam-lhe sonhos,
mesmo que esses sonhos sejam intrigantes. De vez em quando abre a
porta do armário com a esperança
de lá encontrar uma mulher a lhe
sorrir amistosamente. Com o que finalmente conheceria a felicidade.
MOACYR SCLIAR escreve, às segundas-feiras, um texto
de ficção baseado em notícias publicadas na Folha
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