|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
GILBERTO DIMENSTEIN
São Paulo, capital do deboche
Candidato a prefeito de São
Paulo, Fernando Collor comentou, em tom de brincadeira, que
gostaria de convidar d. Paulo de
Evaristo Arns para tesoureiro de
sua campanha eleitoral -garantiria, assim, seriedade de captação e prestação de contas.
O deboche dá o tom da disputa
à prefeitura da mais importante
cidade brasileira, transformada
em cidade-dormitório para pretensões políticas; apenas um
trampolim.
Depois de se atritar com Celso
Pitta, candidato à reeleição, Paulo Maluf lança, agora, a apresentadora Hebe Camargo que, há
pouco tempo, anunciou que iria
morar no Rio; daí se percebe como gosta de São Paulo.
O baiano Antônio Carlos Magalhães tramou, de Brasília, o nome de Viviane Senna, sem qualquer vivência partidária, com a
credibilidade obtida por seus projetos sociais -percebendo o despropósito e a jogada de marketing, ela não deu asas à especulação, logo recusou.
No eixo Boston-Rio, Mangabeira Unger, o guru de Ciro Gomes,
imagina-se também em condições de virar prefeito, embora, a
exemplo de Collor, sem nunca ter
morado na cidade.
Para completar, Enéas, isso
mesmo, também avisou que está
na parada.
Essas articulações absurdas
têm, de certa forma, coerência:
partem do pressuposto de que São
Paulo virou terra de ninguém, espaço para qualquer tipo de aventura.
Supõe-se que, depois de Celso
Pitta, qualquer um poderia ser
prefeito: de Hebe Camargo, passando por Mangabeira Unger, a
Collor. Até Pitta imagina que
ainda merece ser prefeito de São
Paulo, tentando a reeleição.
O PSDB deve indicar um político de segundo escalão: o vice-governador Geraldo Alckmin, sem
qualquer história da cidade. Até
porque vem do interior,
o que, a rigor, não seria
nenhum demérito.
Candidata favorita,
Marta Suplicy, com
uma carreira política
fincada em causas sociais, nunca teve experiência em administração pública, não dirigiu
empresas e ainda não
transmitiu um plano
para a cidade -é, portanto, basicamente
uma aposta.
Administrar a cidade
não era seu sonho; apareceu depois da derrota
ao governo do Estado,
onde teve um bom desempenho e, por muito
pouco, não chegou ao
segundo turno, atrapalhada por erros de pesquisas eleitorais.
Assim como o sonho
de Luíza Erundina era
bem "mais alto" do que
a prefeitura, sua atual
ambição. Sua gestão
pode ser lembrada como correta, quando se
investiu em educação
-mas nada teve de
histórica, a ponto de ser
lembrada como um
marco.
Metida numa crise
social, refletida na violência jamais vista, perdendo empregos devido à descentralização industrial, impacto
tecnológico e globalização, dominada pela corrupção, paralisada
pelo trânsito que não pára de piorar, emporcalhada pela poluição
visual, São Paulo transmite a sensação diária de ingovernabilidade.
As pichações que se disseminam, impunes, são a própria
imagem do abandono.
O paulistano parece ter jogado
a toalha; tranca-se nos shoppings
e, nos finais de semana, foge para
o campo ou para praia, numa espécie de êxodo.
Tamanho abandono deveria
sugerir a necessidade de um comitê de salvação, envolvendo
partidos políticos, líderes religiosos, universidades, artistas, empresários, sindicalistas, organizações não-governamentais.
O acúmulo de problemas e desafios exigiriam não apenas um
mutirão da sociedade civil, mas
um estadista, alguém habilitado
a vislumbrar saídas, com um olho
na província e outro no mundo.
Não se pode governar esta cidade, sem levar em conta sua dimensão como centro mundial e,
ao mesmo tempo, recuperar sua
auto-estima.
A prefeitura não deveria ser degrau para o governo de São Paulo
ou Presidência da República
-mas estágio final.
Pode parecer utópico, bobo ou
romantismo, mas é exatamente o
que se necessita: alguém que consiga unir paixão pela cidade, capacidade de articulação e eficiência técnica. Alguém que faça da
cidade seu projeto de vida.
Com a perda de empregos industriais, São Paulo necessita de
lideranças que apressem sua vocação aos serviços para atrair novas empresas, gerando novas vagas.
Necessariamente, terá de, em
articulação com outras esferas de
poder, encontrar soluções para o
trânsito e melhorar o policiamento preventivo.
Locais que hoje são abandonados podem ser transformados em
espaços de lazer.
Terá de, mais uma vez em articulação com os níveis estadual e
federal, além da sociedade civil,
promover e intensificar
projetos para reduzir a
exclusão social, usando
como referência as escolas.
Há uma rico manancial de talentos humanos
e recursos nas empresas,
capazes de ser convertidos em energia social.
Já existe uma galeria
de experiências, espalhadas não apenas em países ricos, mas pobres, sobre reviravoltas urbanas
-experiências que vão
de Istambul, passando
por Teerã, até Nova
York, Boston, Londres e,
para não ir tão longe, peguemos exemplos como
Rio, Recife, Salvador e
Porto Alegre, onde se notam sensíveis melhorias.
Experiências exemplares como Nova York,
Chicago ou Boston exibem a química mágica
envolvendo comunitário
e eficiência na gestão pública.
Nada é fácil e, claro,
vai demorar muito para
ter resultado -mesmo
que se apliquem as políticas corretas.
Será, certamente, impossível, nesse ambiente
de sucessão eleitoral que
oscila entre o descaso e o deboche.
PS - Mais uma prova do extraordinário talento humano da
cidade. Foi lançado na semana
passada um guia sobre como empresas podem ajudar, nas mais
diversas áreas, a educação -é
um relato de experiências bem-sucedidas no Brasil, criadas e desenvolvidas por empresários.
Produzido pelo Instituto Ethos e
e Cenpec, é uma leitura obrigatória para quem procura soluções
consistentes e originais para a crise social.
Texto Anterior: Ladrões usam metralhadora para assaltar McDonald's Próximo Texto: Revista: Vivendo a vida louca Índice
|