São Paulo, Domingo, 21 de Novembro de 1999
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GILBERTO DIMENSTEIN São Paulo, capital do deboche

Candidato a prefeito de São Paulo, Fernando Collor comentou, em tom de brincadeira, que gostaria de convidar d. Paulo de Evaristo Arns para tesoureiro de sua campanha eleitoral -garantiria, assim, seriedade de captação e prestação de contas. O deboche dá o tom da disputa à prefeitura da mais importante cidade brasileira, transformada em cidade-dormitório para pretensões políticas; apenas um trampolim. Depois de se atritar com Celso Pitta, candidato à reeleição, Paulo Maluf lança, agora, a apresentadora Hebe Camargo que, há pouco tempo, anunciou que iria morar no Rio; daí se percebe como gosta de São Paulo. O baiano Antônio Carlos Magalhães tramou, de Brasília, o nome de Viviane Senna, sem qualquer vivência partidária, com a credibilidade obtida por seus projetos sociais -percebendo o despropósito e a jogada de marketing, ela não deu asas à especulação, logo recusou. No eixo Boston-Rio, Mangabeira Unger, o guru de Ciro Gomes, imagina-se também em condições de virar prefeito, embora, a exemplo de Collor, sem nunca ter morado na cidade. Para completar, Enéas, isso mesmo, também avisou que está na parada. Essas articulações absurdas têm, de certa forma, coerência: partem do pressuposto de que São Paulo virou terra de ninguém, espaço para qualquer tipo de aventura. Supõe-se que, depois de Celso Pitta, qualquer um poderia ser prefeito: de Hebe Camargo, passando por Mangabeira Unger, a Collor. Até Pitta imagina que ainda merece ser prefeito de São Paulo, tentando a reeleição. O PSDB deve indicar um político de segundo escalão: o vice-governador Geraldo Alckmin, sem qualquer história da cidade. Até porque vem do interior, o que, a rigor, não seria nenhum demérito. Candidata favorita, Marta Suplicy, com uma carreira política fincada em causas sociais, nunca teve experiência em administração pública, não dirigiu empresas e ainda não transmitiu um plano para a cidade -é, portanto, basicamente uma aposta. Administrar a cidade não era seu sonho; apareceu depois da derrota ao governo do Estado, onde teve um bom desempenho e, por muito pouco, não chegou ao segundo turno, atrapalhada por erros de pesquisas eleitorais. Assim como o sonho de Luíza Erundina era bem "mais alto" do que a prefeitura, sua atual ambição. Sua gestão pode ser lembrada como correta, quando se investiu em educação -mas nada teve de histórica, a ponto de ser lembrada como um marco. Metida numa crise social, refletida na violência jamais vista, perdendo empregos devido à descentralização industrial, impacto tecnológico e globalização, dominada pela corrupção, paralisada pelo trânsito que não pára de piorar, emporcalhada pela poluição visual, São Paulo transmite a sensação diária de ingovernabilidade. As pichações que se disseminam, impunes, são a própria imagem do abandono. O paulistano parece ter jogado a toalha; tranca-se nos shoppings e, nos finais de semana, foge para o campo ou para praia, numa espécie de êxodo. Tamanho abandono deveria sugerir a necessidade de um comitê de salvação, envolvendo partidos políticos, líderes religiosos, universidades, artistas, empresários, sindicalistas, organizações não-governamentais. O acúmulo de problemas e desafios exigiriam não apenas um mutirão da sociedade civil, mas um estadista, alguém habilitado a vislumbrar saídas, com um olho na província e outro no mundo. Não se pode governar esta cidade, sem levar em conta sua dimensão como centro mundial e, ao mesmo tempo, recuperar sua auto-estima. A prefeitura não deveria ser degrau para o governo de São Paulo ou Presidência da República -mas estágio final. Pode parecer utópico, bobo ou romantismo, mas é exatamente o que se necessita: alguém que consiga unir paixão pela cidade, capacidade de articulação e eficiência técnica. Alguém que faça da cidade seu projeto de vida. Com a perda de empregos industriais, São Paulo necessita de lideranças que apressem sua vocação aos serviços para atrair novas empresas, gerando novas vagas. Necessariamente, terá de, em articulação com outras esferas de poder, encontrar soluções para o trânsito e melhorar o policiamento preventivo. Locais que hoje são abandonados podem ser transformados em espaços de lazer. Terá de, mais uma vez em articulação com os níveis estadual e federal, além da sociedade civil, promover e intensificar projetos para reduzir a exclusão social, usando como referência as escolas. Há uma rico manancial de talentos humanos e recursos nas empresas, capazes de ser convertidos em energia social. Já existe uma galeria de experiências, espalhadas não apenas em países ricos, mas pobres, sobre reviravoltas urbanas -experiências que vão de Istambul, passando por Teerã, até Nova York, Boston, Londres e, para não ir tão longe, peguemos exemplos como Rio, Recife, Salvador e Porto Alegre, onde se notam sensíveis melhorias. Experiências exemplares como Nova York, Chicago ou Boston exibem a química mágica envolvendo comunitário e eficiência na gestão pública. Nada é fácil e, claro, vai demorar muito para ter resultado -mesmo que se apliquem as políticas corretas. Será, certamente, impossível, nesse ambiente de sucessão eleitoral que oscila entre o descaso e o deboche.


PS - Mais uma prova do extraordinário talento humano da cidade. Foi lançado na semana passada um guia sobre como empresas podem ajudar, nas mais diversas áreas, a educação -é um relato de experiências bem-sucedidas no Brasil, criadas e desenvolvidas por empresários.
Produzido pelo Instituto Ethos e e Cenpec, é uma leitura obrigatória para quem procura soluções consistentes e originais para a crise social.


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