São Paulo, Domingo, 21 de Novembro de 1999
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Nicéa volta para o ringue

CLEUSA TURRA
secretária-assistente de Redação
SÍLVIA CORRÊA
da Reportagem Local

Nicéa Pitta está de volta após um exílio de três meses nos EUA.
Desembarcou -"para dar a cara a tapa"- reafirmando estar separada do marido e ameaçando retomar na Justiça a presidência do Casa (Centro de Apoio Social e Atendimento) -cargo extinto por Celso Pitta em represália às declarações da mulher contra seus secretários e contra ele mesmo, que ela classificou como "um administrador sem pulso".
Vinte e quatro horas depois da chegada, Nicéa reencontrou o marido na casa do empresário Jorge Yunes, e ambos anunciaram a surpreendente reconciliação. Não foi só. Segundo Nicéa, o prefeito estava abatido, triste, voltou a ouvi-la e prometeu atendê-la. "Você tem toda a razão. Eu errei muito, mais uma vez", disse Pitta, segundo a primeira-dama.
Outras 24 horas depois, Nicéa recebeu a Folha em sua casa. Eram 11h. Ainda de chinelos dourados, sem maquiagem e com roupas informais, não esperou a primeira pergunta. Foi logo contando ter conversado com o filho Vitor até as 5h. Não parou mais.
Na casa silenciosa e de cortinas cerradas, o telefone tocou dez vezes durante a conversa, mas só duas ligações foram atendidas -a de Pitta e a da filha Roberta.
Nicéa deu detalhes da reaproximação do casal, desvelou os bastidores do malufismo e voltou a atacar os secretários do marido.
Ás 13h, aceitou um convite para almoçar, dizendo que as empregadas haviam pedido demissão.
No almoço, ela se dispôs a repetir parte das declarações, com menos detalhes, em uma entrevista gravada. Nela, afirma ter o compromisso do marido de que três secretários perderão os cargos e diz que voltará ao Casa, mas poupa Pitta de sua pesada artilharia.

Folha - Por que a sra. voltou?
Nicéa Pitta -
Era muito cômodo ficar lá fora e não dar a cara a tapa. Sou responsável por meus atos.

Folha - Mas a sra. voltou disposta a uma reconciliação?
Nicéa -
Não.

Folha - O que mudou?
Nicéa -
O Celso falou: "Você tem toda a razão. Eu errei muito, mais uma vez. Se um dia eu falei que em 99% você tinha razão, agora digo que tem em 100%".

Folha - Então vocês falaram sobre a queda dos secretários?
Nicéa -
Ele disse que eu me precipitei. Que ele estava para tomar uma atitude. Isso é verdade, o Vitor (filho do casal) tinha me falado: "Mãe, o papai vai dispensar o Meinberg (Carlos Augusto Meinberg, secretário de Governo)".

Folha - A sra. tem o compromisso do prefeito de afastá-los?
Nicéa -
Tenho.

Folha - Ele pediu para a sra. se afastar da administração?
Nicéa -
Não.

Folha - O que a sra. sabe sobre os secretários?
Nicéa -
O Pagura (Jorge Roberto Pagura, secretário da Saúde) tem a pretensão de dizer que está moralizando a Saúde, fazendo mídia, média, mas não visita hospital.

Folha - O prefeito vai tomar alguma atitude em relação a isso?
Nicéa -
Vai. E se não tomar, vocês vão ver. Eu não abro mão.

Folha - Bastam as trocas?
Nicéa -
Sim, porque eu tenho certeza de que os outros secretários não vieram por indicação do Edevaldo (Edevaldo Alves da Silva, ex-secretário de Governo).

Folha - A sra. indicaria nomes?
Nicéa -
Eu não indicaria, eu sugeriria funcionários de carreira.

Folha - O que a sra. tem contra o Meinberg?
Nicéa -
O Meinberg provou que queria nos desestabilizar quando disse que na CPI da máfia dos fiscais alguém havia afirmado que uma senhora tinha me dado R$ 12 mil, e que eu teria que sair de casa, senão seria presa. Disse para o Celso: "Estão indo prender a Nicéa". Se uma sirene de ambulância por azar passasse em frente à minha casa, eu acho que o Celso, coitado... Ele só falava: "Nicéa, pelo amor Deus. Essas pessoas são capazes de tudo". Mas era boato.

Folha - A sra. vê alguma ligação dele com o Edevaldo?
Nicéa -
Você tem dúvida? A criatividade da maldade perpetua seus métodos. Ele contratou e indicou a Dinorá (Dinorá Rodrigues, presidente do Casa de maio a julho). Ela já recebia e não trabalhava, morava em Campinas.

Folha - Desde quando o Maluf mostrou que queria desestabilizar o governo do seu marido?
Nicéa -
Eu sentia já na época da campanha. As pessoas diziam: "Olha a mulher do Pitta, a dona Nicéa". O Maluf é muito ciumento. Ciúme de homem é o pior.

Folha - A sra. acha que o afastamento (de Maluf e Pitta) eram cartas marcadas do outro lado?
Nicéa -
Eram. O Edevaldo queria lançar o Lair Krahenbuhl (ex-secretário da Habitação) ou então o Richter (Paulo Roberto Richter, ex-secretário da Saúde).

Folha - Então, eles elegeram o prefeito, sabiam das condições financeiras da prefeitura e buscavam desassociar as imagens?
Nicéa -
Sim, porque ele gravou aquela mensagem publicitária. ("Se Pitta não for um bom prefeito, nunca mais votem em mim".) Eu fico impressionada de vocês ter dúvida, se toda a população comenta, até na colônia libanesa.

Folha - Comenta o quê?
Nicéa -
Que eles usaram o Celso.

Folha - A sra. não quer passar a limpo a história dos frangos (caso que envolve o nome de Nicéa com a venda de frangos superfaturados à prefeitura)?
Nicéa -
Estávamos nos Estados Unidos -o Celso, eu, a Sylvia e o Paulo Maluf, esse senhor que não merece mais entrar nos meus pensamentos. E ela (Sylvia) começou a falar de frango num jantar. Falava, falava, falava. Quando voltamos ao Brasil, ela me colocou em contato com o irmão dela (Fuad Lutfalla, proprietário da A D"Oro). Ele me recebeu, chamou o gerente e disse: "A Sylvia pediu para ela vender o produto para clientela diferenciada". Foi assim que começou o trabalho. Só que eu vendia, e eles não entregavam.

Folha - A sra. recebia (à época, Nicéa declarou que fazia um estágio não remunerado)?
Nicéa -
Reembolso de despesas. Era depositado na minha conta. Eu estava trabalhando quase de graça. Como eu recebia porcentagem, sem entrega, não recebia.

Folha - Quem, então, arquitetou o escândalo dos frangos?
Nicéa -
O Edevaldo. O nosso advogado nessa época era o dr. Jamil (Mattar), que dá aula na FMU e trabalha no escritório do Edevaldo. Ele ia nos depoimentos comigo, entrava mudo e saía mudo.

Folha - As notas fiscais apresentadas para justificar os reembolsos são falsificadas?
Nicéa -
Você já viu alguém assinar em letra de forma? E a quantidade de notas! Eu precisaria ter trabalhado uns três anos lá.

Folha - E a compra do Vectra (a CPI dos Precatórios acusou o casal de ter comprado o carro por intermédio de um doleiro)?
Nicéa -
Eu tinha um Escort conversível e estava pesquisando um preço de venda melhor. Achei na loja em Santo Amaro (Autoglobal) . Sempre tinha um rapaz que me atendia, mas não foi ele que foi à minha casa receber o dinheiro. Fiquei com medo e liguei para lá. Disse: "Olha, tem um senhor aqui, eu quero os documentos dele, porque eu não posso entregar R$ 30 mil assim". Eles disseram: "Não precisa se preocupar". Ele recebeu um envelope pesado.

Folha - Por que em espécie (o único cheque de R$ 30 mil que entrou na conta da empresa no dia da compra foi do doleiro Charles Moghrabi)?
Nicéa -
Eu não estava mais movimentando a minha conta porque, na CPI, a minha conta saiu em todos os jornais. Qualquer pessoa poderia depositar! Aí saiu a história de um doleiro, mas não sei onde você encontra doleiro.

Folha - O que a sra. fará agora?
Nicéa -
Meu plano é esperar o Celso chegar e fazer com ele um plano de trabalho, porque a cidade está esperando ansiosa. Nós temos uma curta chance de mostrar que ele não é nada do que falam.

Folha - A extinção do seu cargo no Casa vai ser revogada?
Nicéa -
Com certeza.

Folha - E o episódio dos selos do Casa? Como a sra. soube?
Nicéa -
Os funcionários me contaram: "Dona Nicéa, o que está acontecendo com a verba dos selos (a taxa cobrada pela exposição de anúncios publicitários nas ruas deveria ir para o Casa)?". Falei: "Boa pergunta, vou lá no financeiro". Chegando lá, onde está o dinheiro? Não entra.

Folha - A sra. foi ao Edevaldo?
Nicéa -
Na mesma hora. Ele: "Irmã, não mexa nisso!". Fui ao Celso. Ele pediu o gráfico de arrecadação. Era assim (indica a queda). A curva do Bresser Pereira.

Folha - Vocês tentaram identificar quem era o responsável?
Nicéa -
Não dá tempo. Se solucionou, vamos ao trabalho.

Folha - E o prefeito vai se candidatar à reeleição?
Nicéa -
Eu pedi a ele que não. E quando eu falei que ia ser candidata, foi para deixar eles desesperados, tanto que não me filiei. O TRE me desmentiu.

Após reconciliação, a primeira-dama ataca os malufistas, diz que retomará seu posto e garante ter a promessa do prefeito de que secretários cairão

O Jorge (Yunes) me levou para a sala. O Celso já estava lá. Era o meu marido, abatido, triste.

O Celso falou: "Se um dia eu falei que em 99% você tinha razão, agora digo que tem em 100%'

Nos temos uma curta chance de mostrar que ele (Celso Pitta) não é nada do que falam.



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