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Militares dizem ter entregue jovens a traficantes no Rio
Tenente, sargento e soldado afirmam que queriam punir rapazes que os desacataram; jovens foram mortos e torturados
Numa das versões, tenente teria dito para um dos traficantes do morro da Mineira: "Trouxe um presentinho pra vocês"
ELIANE CANTANHÊDE
COLUNISTA DA FOLHA
SÉRGIO TORRES
DA SUCURSAL DO RIO
Um tenente, um sargento e
um soldado do Exército afirmaram, em depoimento no Comando Militar Leste, ter entregue três rapazes do morro da
Providência (centro do Rio) a
traficantes do morro da Mineira, dominado por facção criminosa rival, na manhã de sábado.
Os jovens -de 17, 19 e 24 anos-
foram torturados e mortos.
Pelo relato que chegou ontem ao Ministério da Defesa e
ao Comando do Exército, em
Brasília, esses três militares, os
primeiros a prestar depoimento, e os outros oito presos por
envolvimento nas mortes cometeram "crime premeditado", pois foram até os criminosos para entregar as vítimas e
sabendo das conseqüências.
A ação ocorreu, segundo esses relatos, porque os três rapazes desacataram os militares.
Ontem, moradores da Providência protestaram várias vezes. À noite, entraram em confronto com o Exército.
Presentinho
O tenente Vinícius, o sargento Maia (os sobrenomes não foram divulgados) e um soldado
deram detalhes de como foi articulada a operação, na madrugada de sábado. Numa das versões, o tenente, de 25 anos, teria dito para um dos traficantes
do morro da Mineira, antes de
lhe entregar os rapazes: "Trouxe um presentinho pra vocês".
O tráfico na Mineira é dominado pela ADA (Amigo dos
Amigos), facção inimiga do CV
(Comando Vermelho), que
atua na Providência. Não há indícios de que os mortos integravam nenhum desses grupos.
Nos depoimentos, os militares disseram que não imaginavam que David Wilson Florêncio da Silva, 24, Wellington
Gonzaga Ferreira, 19, e Marcos
Paulo Campos, 17, seriam mortos pelos traficantes. Um teria
dito que queriam "dar um susto" nos rapazes. Outro, que seria "um pequeno castigo".
Segundo afirmaram, ao amanhecer de sábado, os jovens os
desacataram na praça Américo
Brum, no alto da favela.
Segundo o delegado, os militares abordaram os rapazes
porque um deles tinha na cintura um volume semelhante a
uma arma. Os rapazes tinham
acabado de descer de um táxi,
com uma moça. Voltavam para
casa, vindos de um baile funk.
Os militares revistaram um
dos jovens e encontraram apenas um celular. Ao fim da revista, os rapazes e as pessoas que
se juntaram ao redor começaram a protestar. Teria havido
brigas e troca de ofensas.
Chefe da tropa no local, o tenente decidiu deter os três por
suposto desacato. Os rapazes
foram levados ao quartel da
Companhia de Comando, perto
de um dos acessos à Providência e base da operação que desde dezembro o Exército realiza
na comunidade.
O caso foi submetido ao capitão Ferrari que, àquele momento, respondia pela Delegacia Judiciária Militar do quartel. O oficial liberou os rapazes,
pois não concordou com a avaliação de que houvera desacato.
Sentindo-se desautorizado
diante de seus subordinados,
conforme os depoimentos, o tenente perguntou a um soldado
que nem é da sua tropa, mas
que mora naquela área, qual seria o morro mais perigoso para
deixar os detidos. A resposta foi
o morro da Mineira, a 1,5 km do
quartel. Ele então seguiu para
lá de caminhão, com os três, o
sargento Maia e nove militares.
Há duas versões para o que
veio a seguir: numa, do sargento Maia, o grupo parou na entrada da favela, ele foi negociar
com traficantes armados e voltou. Disse ao tenente que o
combinado era que os bandidos
"só dariam uma surra".
Na outra versão, do soldado,
Maia voltou com um traficante.
O tenente teria, então, conversado diretamente com o bandido e falado do "presentinho".
Segundo o delegado responsável pelo inquérito, Ricardo
Dominguez, dezenas de pessoas viram quando os militares
entregaram os três rapazes para os bandidos. Os corpos dos
três foram encontrados no domingo, num aterro sanitário.
Os nomes dos militares acusados -sete soldados, três sargentos e um tenente, todos do
1� Batalhão de Infantaria Motorizada, na Vila Militar (zona
oeste)- não foram divulgados.
O coronel Carlos Alberto
Barcellos, chefe da Comunicação Social do CML, embora não
revelasse o teor dos depoimentos, não desmentiu o delegado.
"Se o delegado disse, foi o que
aconteceu. Foi uma iniciativa
isolada de um militar que não
procedeu como deveria."
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