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MOACYR SCLIAR
Fumando espero aquela a quem mais quero
Para europeus, é mais fácil ficar sem
sexo do que sem cigarros. Uma pesquisa mostrou que cerca de 80% dos
fumantes britânicos e quase 70% dos
holandeses, franceses e alemães prefeririam deixar o sexo de lado por
um mês a viver sem cigarros.
Ciência Online, 9.dez.2002
Deitado ao lado da namorada, no apartamento
dela, ele suspirou satisfeito. Tinham feito amor -uma grande
relação- e agora só faltava uma
coisa para deixá-lo completamente feliz: um cigarro. Estendeu
a mão, apanhou o maço na mesinha de cabeceira, mas teve uma
decepção: estava vazio. Com um
suspiro, levantou-se e começou a
se vestir.
- Onde é que você vai? -estranhou a moça.
- Comprar cigarros, disse ele. - O
meu maço terminou.
- Mas são 2h da madrugada!
-protestou ela. - Você não pode
deixar isso para a manhã?
- Não posso. - Ele sorriu. - Você
sabe, eu sou como muitos europeus: completamente dependente
do cigarro. Posso ficar sem qualquer coisa, mas não posso ficar
sem fumar.
- Não acho graça, disse ela, seca.
- Que você fume ou não, pouco
me importa. Mas que você me
deixe para ir comprar cigarros é
uma coisa que não posso suportar. Você vai ter de escolher: os cigarros ou eu.
Ele não respondeu. Terminou
de se vestir, sorriu de novo -estava acostumado com aquelas briguinhas - e saiu. Pensava que
logo retornaria, mas isso não
aconteceu: teve de caminhar um
bom pedaço até encontrar um lugar que vendia sua marca predileta. E aí, fumando, voltou para o
apartamento. Abriu a porta -tinha a chave- e ficou surpreso ao
ouvir risinhos debochados. Entrou no quarto, e lá estava ela,
sua namorada, com um rapaz. Os
dois nus. E, pelo jeito, tinham
acabado de fazer amor.
- Quero apresentar a você o meu
vizinho, o Quico, disse ela, bem-humorada. - Ele tem inúmeras
qualidades: é carinhoso, gentil,
faz as minhas vontades. Ah, sim:
não fuma. O que, como você sabe,
é muito importante.
Ele não disse nada. Apanhou o
resto de suas coisas, um porta-retratos com sua própria foto e saiu
sem se despedir. O caso estava,
obviamente, terminado.
No corredor do prédio, não pôde conter um soluço. Afinal de
contas, ele amava a moça. Nunca
imaginaria que terminariam por
um motivo tão estúpido. Tirou o
maço de cigarros do bolso: essa
coisa ainda vai me matar, pensou. Ainda vou parar no hospital
com enfisema ou com um câncer
de pulmão.
E aí sorriu de novo. E se, no hospital, ele encontrasse uma bela
enfermeirinha, meiga, carinhosa,
a mulher de sua vida? E se os dois
se apaixonassem perdidamente?
Enfisema ou não, câncer ou não,
estaria vingado. A outra que ficasse com seu abstêmio. Ele seria
feliz para sempre.
Acendeu o cigarro, deu uma
longa tragada. E aí tossiu um
pouco. Normal: acontece com todos os fumantes, mesmo os mais
experientes, mesmo aqueles que,
fumando, esperam pela mulher
de suas vidas.
O escritor Moacyr Scliar escreve às segundas-feiras, nesta coluna, um texto de
ficção baseado em reportagens publicadas no jornal.
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