São Paulo, sábado, 12 de fevereiro de 2000


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RACISMO
Dário Pereira Netto diz que o amigo e ele foram agredidos pelo grupo por estarem de mãos dadas
Testemunha não reconhece acusados

SÍLVIA CORRÊA
da Reportagem Local

O operador de telemarketing Dário Pereira Netto, 34, principal testemunha da morte do adestrador de cães Edson Neris da Silva, 35, depôs ontem por duas horas à polícia, mas não reconheceu entre os 18 jovens presos os autores da morte de seu acompanhante.
Neris da Silva foi espancado até a morte à 0h10 do último domingo, quando passava pela praça da República (região central de São Paulo) em companhia de Netto.
A polícia atribui o crime a um grupo denominado Carecas do ABC -o qual, afirma, prega o extermínio de negros, homossexuais e nordestinos- e mantém 18 pessoas presas há sete dias.
Delas, porém, apenas uma foi reconhecida -por somente por uma das quatro testemunhas.
Para advogados consultados pela Folha, a falta de reconhecimento impede a individualização da conduta dos acusados -definição de quem estava na praça e quem agrediu a vítima- e pode absolvê-los (leia texto ao lado).

Motivo
Apesar de não ter ajudado a polícia a individualizar a conduta do acusados, Netto conseguiu esclarecer ontem o motivo do ataque contra seu acompanhante e ele.
De acordo com Netto, ele e Silva -que se conheciam havia dez dias- foram escolhidos entre outros homossexuais da região porque estavam andando de mãos dadas.
"Acredito que aqueles carecas, que sempre estão por ali aos sábados, tiveram seus instintos animais aguçados ao nos ver andando de mãos dadas, o que demonstrava nitidamente que éramos homossexuais", disse o rapaz.
"Eles marchavam ostensivamente em nossa direção, como se estivessem indo para a guerra. Percebi que seríamos agredidos e gritei para o meu amigo: "Corre". Quando me virei para correr, já levei um chute pelas costas, tapas e pontapés, mas consegui escapar para o metrô", acrescentou, nervoso e chorando bastante.
Para o promotor de Justiça Marcelo Milani, que acompanhou parte do depoimento e será responsável pelo envio do caso à Justiça, a narrativa permite qualificar triplamente o homicídio -por motivo torpe (vil, as mãos dadas), impossibilidade de defesa da vítima e uso de meio cruel (espancamento)-, além de permitir que os acusados sejam denunciados (indicados como culpados à Justiça) por tentativa de homicídio duplamente qualificada (motivo torpe e impossibilidade de defesa) e formação de quadrilha.
O inquérito deve estar concluído até a próxima segunda-feira. Depois disso, o promotor terá cinco dias para denunciar os acusados. Se condenados, a pena de cada um pode chegar a 56 anos.


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