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LETRAS JURÍDICAS
Judiciário reabre para 2000
WALTER CENEVIVA
Colunista da Folha
Às vezes penso como terá sido
a vida judiciária no ano 1000,
na passagem entre a Idade Média e o começo das transformações que conduziram às grandes
navegações e à Renascença.
Agora, em 2000, fico a cogitar
de que forma aqueles que, no século 29, estarão à espera do ano
3000, avaliarão a existência e a
eficácia do Poder Judiciário e da
função de julgar conflitos. O
motivo imediato desse exercício
de imaginação nasceu com a
primeira semana de fevereiro,
que marcou a reabertura dos
tribunais brasileiros, depois das
férias coletivas de 2 a 31 de janeiro. Voltarão ao descanso de 2
a 31 de julho.
Na verdade, como regra, ao
redor de 20 de dezembro a atividade judiciária pára de vez ou
passa por substancial desaceleração, o que conta com o apoio
dos advogados -para aproveitarem com maior sossego os dias
do fim de ano. Num país de permanente congestionamento das
pautas judiciais, isso é bom?
Os juízes de primeiro grau, nas
comarcas nacionais, gozam férias coletivas ou individuais,
conforme a lei local.
No Estado de São Paulo estabeleceu-se sistema misto. Os
dias entre 2 e 21 de janeiro são
considerados feriados forenses
-não se realizam audiências,
salvo casos excepcionais.
Retornando ao ano 3000, talvez os historiadores do futuro
nos critiquem por essa folga,
quando se sabe que o Judiciário
está em situação quase permanente de congestionamento de
seus serviços.
Também poderão nos criticar
por trabalharmos muito mais
do que o necessário, isso, naturalmente, se já tiverem vencido
a burocracia processual e judiciária, o que parece improvável.
O exemplo clássico das férias
coletivas é o da Suprema Corte
dos Estados Unidos, que retoma
suas atividades na primeira semana de outubro, depois de
descanso conjunto de seus componentes. O critério brasileiro é
variável. O Superior Tribunal
de Justiça, em seu regimento interno, além das férias normais
de 2 a 31 de janeiro e de 2 a 31 de
julho, considera feriados, além
dos determinados em lei, os dias
entre 20 de dezembro e 1� de janeiro, de quarta-feira à Páscoa,
na Semana Santa, a segunda e
a terça-feira de Carnaval e os
dias 11 de agosto, 1� e 2 de novembro e 8 de dezembro.
Comparando o Judiciário
com o Legislativo, vê-se que este
se reúne entre 15 de fevereiro e
30 de junho e de 1� de agosto a
15 de dezembro, salvo convocações especiais, conforme estipula o artigo 57 da Constituição.
É praticamente a mesma coisa. O Poder Executivo não tem
férias previstas na Constituição.
As férias, com o descanso proporcionado, correspondem a
uma garantia da qualidade do
trabalho. São poucas as pessoas
para as quais o afastamento da
atividade profissional produz
efeitos negativos.
Por outro lado, as férias coletivas atribuídas a todos os membros de um tribunal - o que só
não vale para os tribunais do
trabalho- deveriam ser substituídas por férias individuais,
mantendo-se as cortes em operação permanente. Tenho dúvida, porém, de que a sugestão será vitoriosa até o ano 3000.
Os trabalhadores da atividade privada estranham tanto
descanso para um serviço cuja
produtividade coletiva é má,
embora individualmente exija
muito de seus componentes
quando bem realizado.
A prestação da Justiça oficial,
no ano 3000 será muito diferente da que hoje se pratica, mas
pensando nas memórias do ano
1000 e nas críticas feitas através
dos séculos, parece que seus trabalhadores e sua clientela continuarão a fazer a mesma pergunta: isso é bom?
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