São Paulo, sábado, 12 de fevereiro de 2000


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LETRAS JURÍDICAS

Judiciário reabre para 2000

WALTER CENEVIVA
Colunista da Folha

Às vezes penso como terá sido a vida judiciária no ano 1000, na passagem entre a Idade Média e o começo das transformações que conduziram às grandes navegações e à Renascença.
Agora, em 2000, fico a cogitar de que forma aqueles que, no século 29, estarão à espera do ano 3000, avaliarão a existência e a eficácia do Poder Judiciário e da função de julgar conflitos. O motivo imediato desse exercício de imaginação nasceu com a primeira semana de fevereiro, que marcou a reabertura dos tribunais brasileiros, depois das férias coletivas de 2 a 31 de janeiro. Voltarão ao descanso de 2 a 31 de julho.
Na verdade, como regra, ao redor de 20 de dezembro a atividade judiciária pára de vez ou passa por substancial desaceleração, o que conta com o apoio dos advogados -para aproveitarem com maior sossego os dias do fim de ano. Num país de permanente congestionamento das pautas judiciais, isso é bom?
Os juízes de primeiro grau, nas comarcas nacionais, gozam férias coletivas ou individuais, conforme a lei local.
No Estado de São Paulo estabeleceu-se sistema misto. Os dias entre 2 e 21 de janeiro são considerados feriados forenses -não se realizam audiências, salvo casos excepcionais.
Retornando ao ano 3000, talvez os historiadores do futuro nos critiquem por essa folga, quando se sabe que o Judiciário está em situação quase permanente de congestionamento de seus serviços.
Também poderão nos criticar por trabalharmos muito mais do que o necessário, isso, naturalmente, se já tiverem vencido a burocracia processual e judiciária, o que parece improvável.
O exemplo clássico das férias coletivas é o da Suprema Corte dos Estados Unidos, que retoma suas atividades na primeira semana de outubro, depois de descanso conjunto de seus componentes. O critério brasileiro é variável. O Superior Tribunal de Justiça, em seu regimento interno, além das férias normais de 2 a 31 de janeiro e de 2 a 31 de julho, considera feriados, além dos determinados em lei, os dias entre 20 de dezembro e 1� de janeiro, de quarta-feira à Páscoa, na Semana Santa, a segunda e a terça-feira de Carnaval e os dias 11 de agosto, 1� e 2 de novembro e 8 de dezembro.
Comparando o Judiciário com o Legislativo, vê-se que este se reúne entre 15 de fevereiro e 30 de junho e de 1� de agosto a 15 de dezembro, salvo convocações especiais, conforme estipula o artigo 57 da Constituição.
É praticamente a mesma coisa. O Poder Executivo não tem férias previstas na Constituição. As férias, com o descanso proporcionado, correspondem a uma garantia da qualidade do trabalho. São poucas as pessoas para as quais o afastamento da atividade profissional produz efeitos negativos.
Por outro lado, as férias coletivas atribuídas a todos os membros de um tribunal - o que só não vale para os tribunais do trabalho- deveriam ser substituídas por férias individuais, mantendo-se as cortes em operação permanente. Tenho dúvida, porém, de que a sugestão será vitoriosa até o ano 3000.
Os trabalhadores da atividade privada estranham tanto descanso para um serviço cuja produtividade coletiva é má, embora individualmente exija muito de seus componentes quando bem realizado.
A prestação da Justiça oficial, no ano 3000 será muito diferente da que hoje se pratica, mas pensando nas memórias do ano 1000 e nas críticas feitas através dos séculos, parece que seus trabalhadores e sua clientela continuarão a fazer a mesma pergunta: isso é bom?



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