São Paulo, segunda-feira, 08 de janeiro de 2001

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AMBIENTE
Segundo a Cetesb, apenas 28,4% dos municípios armazenam o lixo adequadamente, em aterros sanitários
Metade das cidades de SP ainda usa lixões

Cleo Velleda/Folha Imagem
Lixão do Alvarenga, o mais antigo do Estado de São Paulo, localizado na fronteira de Diadema com São Bernardo do Campo


MARIANA VIVEIROS
DA REPORTAGEM LOCAL

Metade dos municípios paulistas não dá destinação adequada ao lixo doméstico, revela levantamento da Cetesb (Companhia de Tecnologia de Saneamento Ambiental do Estado de São Paulo). De acordo com a pesquisa, 50,4% (324) das cidades jogam os detritos exclusivamente em lixões.
Dos 643 municípios pesquisados -há 645, mas dois jogam lixo fora do Estado-, 21,1% (136) têm um quadro tido como controlado, e apenas 28,4% (183) armazenam o lixo adequadamente.
A destinação inadequada do lixo doméstico é uma ameaça para o meio ambiente -contamina as águas subterrâneas, o ar e torna o solo praticamente incultivável-, para a saúde pública -os lixões são locais de proliferação de vetores de doenças- e para a cidadania dos que trabalham como catadores nesses locais.
A classificação da destinação em adequada ou inadequada é feita a partir de um questionário com 41 perguntas, enviado às prefeituras de todos os municípios de São Paulo. De posse das respostas, a Cetesb estabelece o IQR (Índice de Qualidade de Aterro de Resíduos) da cidade, conferindo notas de 0 a 10 à maneira como é depositado e armazenado o lixo.
Para notas até 6, a situação é considerada inadequada. Notas de 6,1 a 8 significam situação controlada: lixo aterrado, mas sem tratamento.
Notas acima de 8,1 indicam condições adequadas: existência de aterros sanitários, onde o lixo é tratado.
As informações constam da terceira edição do Inventário Estadual de Resíduos Sólidos Domiciliares, publicado pela Cetesb neste ano com dados relativos a 1999.
O cenário, apesar de vir melhorando desde 1997 - quando 77,8% dos municípios paulistas só tinham lixões-, ainda é considerado "vergonhoso" por especialistas ouvidos pela Folha e pelo próprio coordenador técnico do inventário, João Antonio Fuzaro.
Entre os municípios que receberam notas abaixo de 6 estão Campinas -a terceira maior cidade do Estado, com nota 5,6-, quase todo o litoral norte, exceto Ubatuba, e os dois maiores municípios da Baixada Santista -Santos e São Vicente, que têm, respectivamente, notas 4,7 e 2,8.

Acordos
O levantamento mostra que 48% das 330 cidades que assinaram em 98 acordos para adequar sua destinação final de lixo doméstico não cumpriram a meta.
No total, 158 municípios não melhoraram. Desses, 131 (40%) apresentam hoje um quadro pior. As prefeituras em questão foram convocadas a assinarem TACs (Termos de Ajustamento de Conduta) por apresentarem uma disposição final do lixo considerada inadequada: presença de lixões a céu aberto e nenhum tipo de tratamento dos subprodutos da decomposição dos resíduos -o chorume, líquido que se forma com a degradação do material orgânico e contamina solo e lençol freático, e o gás metano.
Num prazo de um a dois anos, os municípios se comprometeram a melhorar essa situação, sob pena de serem multados.
O TAC é visto hoje pela Cetesb e pela Secretaria de Estado do Meio Ambiente como uma das principais ferramentas para atingir, até o final do atual governo, em 2002, a meta de ter 80% dos municípios paulistas com destinação final adequada do lixo domiciliar.
A eficiência do compromisso é, entretanto, contestada, e o próprio inventário acusado de distorcer a realidade no Estado, que, segundo profissionais da área, pode ser bem pior do que é retratada.
"Os TACs têm limitações. A evolução ficou aquém do esperado porque, inicialmente, todas as prefeituras que assinaram se comprometeram a mudar o quadro ainda em sua gestão", afirma Angelo Consoni, especialista em aterros do IPT (Instituto de Pesquisas Tecnológicas).

Problemas
As justificativas dos municípios para não cumprirem o disposto nos TACs gira basicamente em torno da falta de recursos para construção de aterros, mas há problemas técnicos, como escassez de profissionais capacitados e dificuldade de algumas cidades em oferecer a área necessária para implantação dos aterros.
"Não adianta assinar o TAC se o município não tem pessoal capacitado para tratar do problema e não entende a importância dele", afirma Consoni. Na opinião dele, a Cetesb não oferece o treinamento necessário para manutenção dos aterros e não faz análise mais detalhada do tipo de infra-estrutura que cada cidade precisa para cumprir o estabelecido no TAC.
A falta de capacitação profissional também é apontada como falha da Cetesb pela secretária-executiva do Fórum Nacional Lixo e Cidadania, Teia Magalhães.
Fuzaro admite que a companhia pode melhorar a oferta de treinamento, mas aponta a falta de recursos como o principal entrave para o cumprimento dos TACs.
"Mesmo que as cidades consigam dinheiro para construir os aterros, se eles não forem bem operados, viram lixões em meses", retruca Teia.
A opinião é compartilhada por Maria Elizabeth Grimberg, pesquisadora do Instituto Polis.
Há ainda a questão da prioridade política. "O lixo vem no fim da lista de prioridades", afirma o secretário de Estado do Meio Ambiente, Ricardo Tripoli.
"Não digo que não se deva priorizar desemprego e violência. Independentemente ou associada a isso deve estar a abordagem dos problemas ambientais", defende Pedro Jacobi, coordenador do Programa de Pós-Graduação em Ciência Ambiental da USP.
Os municípios que não cumpriram ou não assinaram o TAC são multados pelo Estado em valores que partem da ordem de R$ 2.500 e dobram a cada reincidência. Os autuados, entretanto, não pagam, e a Cetesb precisa recorrer ao Ministério Público para cobrar a dívida, o que demora anos.
"Se há tanta possibilidade de as prefeituras recorrerem das multas, o compromisso cai um pouco no vazio. É preencher papel para nada", avalia Jacobi.

Questionário
Para o pesquisador, o questionário que avalia a situação da destinação nos municípios precisa ser aprimorado. Um dos seus pontos negativos é o fato de não buscar analisar mais a fundo as causas do problema, diz Jacobi.
Outro problema é que o questionário se baseia exclusivamente em dados oficiais. "Isso o torna um tanto frágil. As informações podem ser distorcidas", diz Elizabeth Grimberg.
Dois exemplos de distorções. Franca (401 km de SP) tem a destinação final do lixo doméstico avaliada como controlada (nota 6,2), mas o aterro sanitário da cidade, de acordo com Fuzaro, está sobre área de proteção de mananciais, o que o torna irregular.
São Bernardo do Campo (Grande SP) tem nota 8,4 e, segundo o inventário da Cetesb, não possui nem lixão nem catadores.
Entretanto, o lixão do Alvarenga tem grande parte de sua área dentro da cidade, ainda que a prefeitura afirme não utilizá-lo mais.
Além disso, o município tem cerca de 372 catadores segundo a diretora de Meio Ambiente da prefeitura, Sônia Lima.


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