São Paulo, segunda-feira, 05 de dezembro de 2005

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EDUCAÇÃO

Pesquisador de políticas educacionais defende que "provões" deveriam gerar punições ou bonificações para escolas

Avaliações são quase inócuas, diz especialista

FÁBIO TAKAHASHI
DA REPORTAGEM LOCAL

Para haver uma melhoria na educação básica brasileira, os exames aplicados aos estudantes deveriam ser utilizados para gerar punições ou bonificações para as escolas. Essa política de resultados é defendida por Eduardo de Carvalho Andrade, pesquisador de políticas educacionais no país e nos Estados Unidos.
Nas últimas semanas, os estudantes foram avaliados pelo governo federal por meio de dois exames, a recém-criada Prova Brasil e o Aneb, antigo Saeb.
O primeiro é aplicado a todos os alunos de 4� e 8� séries do ensino fundamental do país, envolvendo cerca de 5 milhões de estudantes, ao custo de R$ 55 milhões. Essa foi a primeira edição da prova, que visa mostrar as dificuldades de cada escola do país.
Já o Aneb é feito por amostragem em classes de 4� e 8� séries do ensino fundamental e do 3� ano do ensino médio. A prova, que custou R$ 4 milhões, foi mantida, apesar da criação da Prova Brasil, para que se possa manter o acompanhamento da evolução dos resultados da educação no país -o exame começou em 1990.
Como é por amostragem, a prova não consegue dar um diagnóstico de cada escola. As comparações só podem ser feitas nos âmbitos federal e estadual. Além desses exames nacionais, governos estaduais e até municipais também aplicam suas provas.
A implantação desses exames é positiva, afirma Carvalho, por dar um diagnóstico do ensino. Mas eles são insuficientes: apenas com pressão as escolas melhoram.
Formado em economia pela PUC-RJ até o mestrado, Andrade, 38, pesquisou políticas educacionais em sua tese de doutorado na Universidade de Chicago, finalizado em 1998 -assunto que vem estudando até hoje. Leia abaixo os principais trechos da entrevista.

Folha - Como o senhor avalia os exames do ensino básico no país?
Eduardo de Carvalho Andrade -
Atualmente, você coloca um teste e não há uma cobrança. Por que os resultados vão melhorar? Apenas identificar o problema é pouco. O professor e a escola respondem a incentivos. Um primeiro passo para melhorar esses "provões" seria divulgar amplamente os resultados. Atualmente, existe uma percepção dos pais de que as escolas públicas no Brasil vão bem (pesquisa do governo federal divulgada neste ano mostra que os pais dão nota 8,1 para a organização da escola, em uma escala de 0 a 10). Mas, se o pai verificar que a nota do colégio do seu filho está abaixo da de um colégio próximo, ele começa a questionar: "Essa escola é boa mesmo?".

Folha - E o que deveria ser feito com os resultados dos exames?
Andrade -
Os estudos feitos nos EUA mostram que simplesmente adotar um exame traz um impacto próximo a zero. É preciso passar para um sistema mais agressivo. Há experiências norte-americanas que vão nessa direção. Um exemplo é o Texas. Primeiro, a escola tem de explicar ao Board Education, equivalente à secretaria de Educação, por que os resultados no exame nacional estão ruins. Também precisa submeter a esse órgão um plano de desenvolvimento. Em última instância, se ela não melhorar, é fechada, e o aluno tem o direito de pedir transferência para outra escola, ganhando uma bolsa para isso.
Por outro lado, há bonificação para os bons resultados. Para isso, a escola deve atingir metas de qualidade, como ter pelo menos 90% dos alunos aprovados. Essa escola, então, é comparada a outras com perfis parecidos. As que tiverem as melhores evoluções ganham prêmios anuais, que variam entre US$ 500 e US$ 5.000 [R$ 1.150 e R$ 11.500]. A escola tem autonomia para utilizar esse valor da forma que quiser.

Folha - Houve melhora em Estados que aderiram a esse sistema?
Andrade -
Existe um organismo, o Consortium for Policy Research in Education, que acompanha isso. Eles montaram uma escala de 0 a 5 que mede o "school accountability" de cada Estado, que é a capacidade de a escola influenciar a performance dos seus alunos.
Zero significa que nem avaliação o Estado possui. Cinco significa presença do exame e um acompanhamento forte no resultado. O estudo mostrou que a cada dois pontos avançados nessa escala, aumenta entre 7% e 8% o número de alunos que passam a ter um nível de conhecimento adequado em matemática e em inglês no exame nacional. Com a implementação da Prova Brasil, hoje estaríamos na escala 1, ou seja, temos um teste, mas não há cobrança. Para subir dois pontos e chegar, seria necessário haver uma cobrança moderada nas escolas. O colégio ruim não seria fechado, mas perderia uma espécie de selo de qualidade que boas escolas recebem. Também seria necessário cobrar o aluno,que só avançaria se passasse na prova federal, estadual ou municipal.

Folha - Mas um sistema desse não pode aumentar a evasão, já que o aluno reprovado tende a desistir?
Andrade -
Para evitar isso, alguns Estados americanos, como a Carolina do Norte, levam em conta não só o desempenho dos alunos na prova mas também índices de evasão e de repetência. Para evitar a saída dos alunos da escola, alguns Estados e municípios brasileiros adotaram a progressão continuada (São Paulo é um exemplo), em que o aluno só é reprovado após o término de cada ciclo (em geral, de quatro anos). Sou cético com relação a você passar o aluno sem que ele efetivamente saiba. Isso cria um desestímulo aos outros que querem estudar. Não acho que uma forte cobrança tenha de ser imposta de uma hora para outra. Mas, no dia que isso acontecer e haver um alto nível de repetência, haverá uma grande cobrança da sociedade.

Folha - O Brasil tem condições de adotar um sistema com bonificação e punição para as escolas?
Andrade -
Provavelmente os sindicatos de professores não vão ficar felizes, mas é claro que a implementação não seria a curto prazo. A criação dos "provões" é um passo, mas não pode parar aí. E não sei se aqueles que implementaram os exames se interessam em fazer os próximos passos.


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