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MOACYR SCLIAR
Anjos fumantes
Mulher tenta abrir porta de avião
durante vôo para fumar. Uma francesa admitiu em um tribunal da
Austrália ter tentado abrir a porta de
um avião em pleno vôo para fumar
um cigarro do lado de fora. A mulher
de 34 anos, que tem medo de voar de
avião, havia bebido álcool e tomado
remédio para dormir antes do vôo
entre Hong Kong e Brisbane, na Austrália. Foi vista andando em direção
à porta do avião da Cathay Pacific
com um cigarro e um isqueiro na
mão. Começou a tentar abrir a saída
de emergência quando foi impedida
por uma aeromoça. Folha Online, 21
de novembro de 2005
Ao juiz ela contou que era
fumante há muito tempo,
desde criança. E fumante contumaz, dessas que não podem ficar
sem cigarro mais de uma hora ou
duas, sob pena de se sentirem
mal. Principalmente num vôo
-se havia coisa da qual tinha
medo, era viajar de avião. Mas
fumar em aeronaves não é permitido. Como resolver o problema?
Optou por dormir, com a esperança de que, ao acordar, já tivesse chegado ao destino -e aí a primeira coisa que faria era acender
o seu cigarro. De fato, chegou a
conciliar o sono, mas duas horas
depois acordou, trêmula, com
uma vontade irresistível de fumar. Olhou ao redor: todo mundo
dormindo. E se acendesse disfarçadamente um cigarro? Movida
por um impulso incontrolável, sacou o maço do bolso. Nesse momento, e sem querer, espiou pela
janela. E aí viu aquela cena
incrível.
A noite estava belíssima. Céu
claro, com poucas e redondas nuvens. Numa delas, iluminada pela lua esplêndida, estavam sentados quatro anjos. Ela arregalou os
olhos. Anjos? Sim, eram anjos.
Não anjinhos rechonchudos, querubins; não, anjos adultos, dois
deles com barba. Vestiam alvas
túnicas, calçavam sandálias. E os
quatro estavam fumando.
Ah, que inveja ela sentiu. Os
quatro fumando, sem nenhum
problema. Mais: os quatro abanando-lhe amistosamente. Num
impulso, ela mostrou-lhes o maço
de cigarros e o isqueiro, como que
a dizer: eu aqui também posso fumar. Mas então um dos anjos ergueu um cartaz que dizia: "De
acordo com a disposição das autoridades, o fumo é proibido em
aeronaves". Com o que ela se deu
conta: eles só podiam fumar porque estavam ao ar livre, porque
não estavam transformando pessoa alguma em fumante passivo.
Que inveja dos quatro anjos. Que
inveja. Foi tamanha a inveja que
ela, num impulso, levantou-se e
dirigiu-se à saída de emergência
situada ali perto. Era uma coisa
complicada de abrir, aquela porta, mas ela já estava quase conseguindo quando foi impedida pela
aeromoça. Que, nervosa, lhe perguntou o que estava fazendo.
Vou dar uma saidinha para fumar com os anjos, ela ia dizer,
mas, nesse momento, espiando
pela janela, viu que não havia anjo algum sobre a nuvem. Deu-se
conta de que ninguém acreditaria em sua história. Anjos aparecendo para uma passageira? Na
classe econômica? Ninguém acreditaria.
Moacyr Scliar escreve às segundas, nesta coluna, um texto de ficção baseado
em reportagens publicadas no jornal.
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