São Paulo, segunda-feira, 05 de dezembro de 2005

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REPRODUÇÃO HUMANA

Apenas 54 fertilizações in vitro foram feitas no ano, quando a previsão inicial era de 40 por mês

Centro do HC de US$ 1,5 mi está subutilizado

CLÁUDIA COLLUCCI
DA REPORTAGEM LOCAL

O centro de reprodução humana do Hospital das Clínicas, que custou US$ 1,5 milhão aos cofres públicos e tem capacidade para atender 2.000 casais inférteis por ano, está subutilizado e passa por uma grave crise de gestão.
Criado em fevereiro de 2003 com verbas do governo do Estado, até hoje o centro, que leva o nome do governador Mário Covas (morto em março de 2001), não tem dotação orçamentária própria e trabalha com déficit de profissionais e insumos.
Desde 2003, o centro realizou 131 fertilizações in vitro (FIV). Do total, 54 foram feitas neste ano, uma média de cinco por mês. A previsão inicial era de 40 mensais. Segundo a coordenação do serviço, há uma fila de 600 casais aguardando o tratamento.
Mas o número não reflete a demanda. Dez dias após a inauguração, que contou com a presença do governador Geraldo Alckmin, o local tinha uma fila de 8.000 casais inférteis. Do total, 52% eram mulheres acima de 40 anos.
Mas, no ano passado, argumentando que seria necessário priorizar os "casos viáveis", o HC começou a dispensar as mulheres acima de 40 anos -faixa etária em que as chances de gravidez caem para 5%-, apesar de o comitê de bioética da instituição ter vetado o limite de idade.
O caso da bancária Márcia, 39, é um exemplo. Paciente da clínica de ginecologia do HC, no último dia 21 ela foi informada de que não poderia se inscrever no centro de reprodução porque o limite de idade era de 38 anos. "Ainda fui obrigada a escutar que não valia a pena investir em mim. Me senti um lixo", desabafa Márcia.
O mesmo ocorreu em outubro com a diarista Aparecida Potente, 42, que esperava desde 2001 a chance de fazer uma FIV no serviço (leia texto nesta página).
Nilson Roberto de Melo, responsável pela clínica ginecológica do HC, afirma desconhecer a orientação dada à paciente, mas confirma que a situação do centro "está muito confusa".
O recém-nomeado diretor do centro de reprodução, Miguel Srougi, professor titular de urologia do HC desde junho, não esconde o descontentamento. "Está um caos", resume. Para ele, o centro tem vícios de origem "quase incontornáveis" e precisará ser repensado para se tornar viável.
A superintendência do HC foi questionada, por e-mail, sobre a crise, mas se limitou a enviar os números dos atendimentos.
O problema esbarrou, até 2004, em uma briga política entre as clínicas de urologia e de ginecologia, coordenadas então por Sami Arap e José Aristodemo Pinotti, respectivamente. Hoje, aposentados, ambos negam o conflito.
Sami Arap foi o mentor do centro de reprodução. Na época, havia um outro serviço de reprodução humana no HC, chefiado por Pinotti. O local, com uma fila de 2.000 casais, estava praticamente parado por falta de verbas.
Com a criação do centro, a direção do HC decidiu que as filas seriam unificadas e a gestão do local ficaria um ano a cargo da ginecologia (Pinotti) e outro sob coordenação da urologia (Arap).
As divergências foram muitas. A equipe de Sami Arap, chefiada pelo urologista Jorge Hallak, defendia o estabelecimento de critérios técnicos para atender o casal infértil, como o limite de idade da mulher. Acima de 40 anos, as chances de gravidez são de 5%, há maior risco de aborto e má-formações. "Como os recursos públicos são limitados, a idéia era priorizar os casais com mais chances de gravidez", diz Hallak.
Ele também defendia que o centro atendesse pacientes privados como forma de subsidiar os casais do SUS, já que o governo federal não custeia a FIV. Cada ciclo do tratamento custa ao HC R$ 3.800.
Já Pinotti entendia o contrário. Chegou a enviar cartas para todas as inscritas no programa garantindo que seriam atendidas independentemente da idade e foi contra atender particulares.
"Desde a origem, esse centro esbarrou em interesses pessoais e políticos. É uma realidade triste e perversa. Mexeu-se com o que há de mais delicado no ser humano, que é o sentimento da maternidade e da paternidade", diz Srougi.
Sua proposta é submeter a situação do centro a uma equipe de empresários e administradores para que opinem sobre a melhor forma de geri-lo. "Precisamos aprender como atuar no caos."


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