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Micro/Macro
A primeira década do Hubble
Marcelo Gleiser
especial para a Folha
No dia 24 de abril de 1990 a astronomia ganhou um dos maiores presentes de sua história: o telescópio orbital Hubble, um projeto da agência espacial norte-americana Nasa, cujo preço ficou em torno de US$ 3 bilhões.
Foram duas décadas de planejamento,
de revisões técnicas, de adiamentos de
lançamentos, de dramas e expectativas,
de sonhos e especulações. Hoje, podemos dizer que, desde que Galileu ergueu
seu pequeno telescópio aos céus em
1609, nenhum outro instrumento astronômico revolucionou tão profundamente nossa visão cósmica em tão pouco
tempo. Acho que a primeira década do
Hubble merece ser festejada por todos
nós. O Universo hoje é muito diferente
do Universo de dez anos atrás.
Foram dez anos movimentados: com
12 toneladas e o tamanho de um ônibus,
o Hubble já circulou a Terra mais de 58,4
mil vezes, viajando mais de 2,5 bilhões de
quilômetros, enfocando 14 mil objetos e
gerando um total de 273 mil observações. Tudo isso remotamente, seus instrumentos controlados da Terra.
Os primeiros anos não foram fáceis. O
espelho principal do telescópio teve sérios problemas de fabricação, que não
foram detectados em terra, pois a administração da Nasa resolveu economizar
testes de alta precisão. O telescópio entrou em órbita míope, para constrangimento da Nasa e de centenas de astrônomos que contavam com observações livres das distorções da atmosfera.
Passaram-se três anos até que uma solução brilhante foi desenvolvida, baseada em um jogo de lentes corretoras que
mais do que compensaram a miopia do
telescópio. Em uma missão que emocionou milhões de pessoas, um time de astronautas usou o ônibus espacial para ir
ao encontro do telescópio e instalar as
novas lentes. Desde então duas outras
missões consertaram várias outras peças
defeituosas e modernizaram partes já
obsoletas do equipamento.
Segundo seus últimos visitantes, a fuselagem do telescópio está repleta de pequenos buracos, resultados do impacto
de vários meteoros do tamanho de grãos
de areia. Apesar desse tiroteio cósmico,
estima-se que o Hubble continuará em
funcionamento por mais uma década,
cinco anos a mais do que o plano inicial.
Devido à sua precisão, certas imagens
obtidas pelo Hubble já se tornaram parte
da galeria que representa os símbolos da
nossa era. Quem pode se esquecer das
dramáticas imagens do cometa Shoemaker-Levy-9 chocando-se com Júpiter em
1994? Ou das vastas colunas de gás participando da dança de criação de estrelas?
Ou das inúmeras imagens de planetas,
galáxias, nebulosas e até galáxias em colisão? E o mais incrível é que podemos
acessar essas imagens de casa, o Universo nas telas de nossos computadores.
Alguns resultados obtidos pelo Hubble
estão causando uma verdadeira revolução na cosmologia moderna. Eis aqui
três exemplos: astrônomos encontraram, em meio ao turbilhão de estrelas em
galáxias distantes, certas estrelas que são
usadas como marcos de distância. A partir desses marcos, é possível estimar a
idade do Universo desde o evento que
inaugurou sua expansão, o Big Bang, em
torno de 14 bilhões de anos atrás, com erro de uns 2 bilhões. Parece muito, mas
antes do Hubble o erro era de 10 bilhões.
Usando a precisão do telescópio para
distinguir a estrutura de galáxias distantes, foi possível demonstrar que as misteriosas "explosões de raios gama", os
eventos mais energéticos do cosmo, não
são interiores à nossa galáxia, mas marcam períodos de formação de estrelas
em galáxias muito ativas. Mesmo que o
mecanismo gerador de tanta energia em
tão pouco tempo permaneça misterioso,
as pistas dadas pelo Hubble têm sido
cruciais nesse estudo.
Finalmente, chegamos à observação
mais controversa, que indica que o Universo está em um período de expansão
acelerada. Se isso for verdade, em torno
de 70% da energia do Universo é composta por uma espécie de fluido antigravitacional, cuja natureza no momento é
um completo mistério. Como todo grande instrumento científico, o Hubble não
se limita a responder perguntas. Aliado à
nossa infinita curiosidade, ele nos ajuda
a criar novas realidades, estendendo
nossos olhos aos confins do Universo.
Marcelo Gleiser é professor de física teórica do
Dartmouth College, em Hannover (EUA), e autor
do livro "Retalhos Cósmicos".
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