São Paulo, domingo, 28 de maio de 2000
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+ ciência Proposta de alteração do Código Florestal parte de idéias equivocadas sobre a Amazônia, que tem mais vocação florestal do que agrícola A derrubada de mitos amazônicos
Adalberto Veríssimo Eugenio Arima Paulo Barreto especial para a Folha
A proposta original de alteração do Código Florestal (lei 4.771/65) do deputado federal Moacir
Micheletto (PMDB-PR) tem implicações significativas para o futuro da paisagem amazônica.
A análise dos impactos econômicos e socioambientais
potenciais dessa proposta, realizada por pesquisadores
do Imazon (Instituto do Homem e Meio Ambiente da
Amazônia), requereu a observação de três situações
fundamentais: o atual padrão de uso do solo (agricultura, pecuária e exploração madeireira), as condições naturais dos ecossistemas amazônicos (solos, regime pluviométrico, condições de drenagem, elevada biodiversidade etc.) e o significado da cobertura florestal no desenvolvimento regional.
Em geral, a proposta presume que o desenvolvimento
rural da Amazônia deve ter como base a agropecuária.
Tem três premissas básicas: que o aumento da produção deve ocorrer em função dessa expansão da fronteira
agrícola, que toda a Amazônia tem tal vocação e que a
floresta não tem importância econômica.
Amazônia úmida - Com precipitação anual entre 1.800 mm e 2.200 mm, essa região é formada basicamente por florestas densas de terra firme, os solos são em geral pobres (embora haja manchas férteis), o relevo é ondulado e as condições de drenagem são razoáveis. O excesso de chuvas e a existência de um período seco reduzido criam severas dificuldades agronômicas e econômicas à agropecuária. Representa cerca de 38% da região e se concentra numa faixa de transição entre a Amazônia central e o arco de desmatamento. Amazônia extremamente úmida - Caracterizada por chuvas em excesso (superiores a 2.200 mm, atingindo 4.000 mm a 4.500 mm), baixa fertilidade, solos encharcados, elevado risco de erosão e relevo em muitas áreas acidentado. Abrange 45% do território e se localiza principalmente na porção central da Amazônia (a maior parte do Estado do Amazonas, norte do Pará e Amapá). Condições naturais adversas tornam a agricultura economicamente inviável. Estudos em andamento por pesquisadores do Imazon e economistas do Banco Mundial, usando dados do Censo Agropecuário, mostram que pluviosidades mais altas são sistematicamente associadas com vários indicadores de menor produtividade e valor da terra. Por exemplo, a alta pluviosidade é fortemente associada à maior proporção de áreas desmatadas abandonadas e à menor lotação de gado nas pastagens. Esses indicadores são mais baixos em áreas úmidas, mesmo isolando o efeito de outros fatores que podem contribuir para o valor da produção agrícola, como o acesso a estradas, solos e proximidade de cidades. O excesso de chuvas prejudica a agricultura de várias formas. A queimada para limpar o solo depois do desmatamento é menos eficiente, porque o material lenhoso não seca o bastante. Assim, o plantio é prejudicado. A regeneração da mata cortada (brotos de raízes e tocos) é mais vigorosa em áreas mais úmidas, o que leva ao aumento dos custos de manutenção. A umidade excessiva ocasiona um aumento significativo de pragas e doenças. A alta umidade do solo dificulta a mecanização, decisiva para aumentar a produtividade agrícola. A colheita e o armazenamento, em especial de grãos, são severamente afetados pelo excesso de chuvas. Importância econômica A proposta do deputado Micheletto parte ainda do princípio de que a floresta é um obstáculo ao desenvolvimento. A realidade, porém, revela uma situação significativamente diferente. A principal atividade econômica de uso da terra na Amazônia é a madeireira, e não a agropecuária. A atividade florestal, incluindo exploração e processamento de madeira e de produtos não-madeireiros como castanha, palmito e borracha, contribui com 15% do PIB regional, contra menos de 10% da agropecuária. O desempenho econômico da exploração e do processamento da madeira é bem maior que o da pecuária, em todas as condições agronômicas da Amazônia. Em geral, a operação de uma indústria madeireira é substancialmente lucrativa, com margem de lucro de 20% a 30%. A exploração madeireira com técnicas de manejo sustentado pode ser uma solução intermediária, pois concilia geração de emprego, renda e impostos com a manutenção da cobertura florestal. As 2.500 madeireiras em operação na Amazônia extraem cerca de 28 milhões de metros cúbicos de madeira em tora, o que coloca a região ao lado da Indonésia e da Malásia como um dos maiores produtores de madeira tropical do mundo. A renda bruta do setor é de aproximadamente R$ 3 bilhões, contra R$ 660 milhões da pecuária -isto é, cinco vezes maior. Com relação a empregos, a contribuição do setor florestal é extremamente significativa. Os 220 mil empregos permanentes gerados pelo setor madeireiro representam quase o dobro do obtido pela pecuária (118 mil). Além disso, para gerar um emprego permanente na pecuária é necessário utilizar 428 hectares de pasto, enquanto na atividade madeireira bastam 7 hectares de floresta. O recolhimento de impostos é outro exemplo ilustrativo. A contribuição anual potencial do setor madeireiro no ICMS é de aproximadamente R$ 300 milhões, contra apenas R$ 33 milhões da pecuária. Ou seja, a relação de contribuição tributária potencial do setor madeireiro em relação à pecuária é de 9 para 1. Em termos relativos, a contribuição do setor madeireiro representa 10% a 15% do total de impostos arrecadados nos Estados do Pará, Mato Grosso e Rondônia. É necessário considerar também o valor da floresta que seria derrubada para dar lugar à agropecuária. A Amazônia abriga os maiores estoques de madeira tropical do mundo. A floresta também está sendo valorizada pelos produtos não-madeireiros, como fibras, óleos, corantes, resinas, plantas medicinais e alimentos. Esses produtos têm grande importância na economia regional e contribuem para o bem-estar de 1,5 milhão de extrativistas. As florestas intactas estão sendo valorizadas, ainda, pelos serviços que prestam ao Brasil e ao mundo na regulação climática, proteção contra os incêndios e conservação das bacias hidrográficas. A Amazônia abriga mais de 50% da biodiversidade do mundo, um recurso estratégico no século 21. Um modelo sustentável para a Amazônia A concepção de desenvolvimento baseado na agropecuária, como objetiva a proposta de alteração do Código Florestal do deputado federal Moacir Micheletto, é inadequada às condições naturais e econômicas da maior parte da Amazônia. É importante reconhecer o papel da agricultura no desenvolvimento da Amazônia. Se realizada nas áreas com aptidão agrícola (por exemplo, solos, relevo, drenagem e chuva adequados), essa atividade pode gerar expressivos benefícios econômicos e sociais. Entretanto, é importante não estimular a agropecuária em áreas onde a vocação é florestal. É fundamental lembrar que há uma economia florestal significativa na região. Portanto, não se quer "congelar" imensas áreas de florestas, impedindo o desenvolvimento regional. O que se propõe é garantir uso sustentável dessas áreas para produção de bens e serviços da floresta essenciais para o Brasil. Além disso, é importante assegurar a preservação de áreas de interesse biológico e estratégicas para o país. Finalmente, é crucial realizar um zoneamento econômico e ecológico na Amazônia, para definir em uma escala mais detalhada as zonas de uso florestal, as áreas de interesse biológico que devem ser preservadas e as regiões para fins agropecuários. Esse zoneamento deve ser feito de forma democrática, com elevada isenção e competência científica. Adalberto Veríssimo, Eugenio Arima e Paulo Barreto são pesquisadores do Imazon (Instituto do Homem e Meio Ambiente da Amazônia) Próximo Texto: Em breve Índice |
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