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Pesca de arrasto ameaça corais no Brasil
Em zonas com mais de 200 metros de profundidade, um único lançamento de rede captura até 4.000 quilos de coral
Pesquisadores brasileiros
admitem que o país deverá
ter de criar certas zonas de
exclusão para a pesca, nas
regiões sob maior pressão
EDUARDO GERAQUE
DA REPORTAGEM LOCAL
O desequilíbrio ambiental
marinho está sendo empurrado cada vez mais para o fundo.
O fenômeno, que é mundial, já
começa a ser detectado pelos
pesquisadores nas águas brasileiras. Por causa de um esforço
de pesca cada vez maior, determinados tipos de peixe sumiram de perto do litoral, em todas as regiões do Brasil.
Ao irem mais longe, atrás de
novas espécies, os barcos de
pesca não colocam em risco
apenas as populações-alvo. Os
bancos de coral, apesar de indesejados, também são destruídos e trazidos à tona, principalmente na modalidade arrasto
-redes são lançadas até o assoalho oceânico e arrastadas
por quilômetros até serem puxadas de volta.
Ainda não há uma estimativa
oficial sobre o dano. Mas relatos dão conta de que em um
único arrasto, em uma área ainda não explorada, 4.000 quilos
de coral são capturados em
apenas um lançamento de rede.
Até 2004, o grande alvo do
sistema de arrasto era o peixe-sapo (Lophius gastrothysus),
que vive em águas profundas.
"Agora, muitas embarcações,
inclusive de bandeira estrangeira, estão indo atrás também
do camarão de profundidade.
Como a pesca de arrasto é pouco seletiva, o impacto acaba
sendo bastante grande", disse à
Folha Marcelo Kitahara, pesquisador do Museu Oceanográfico do Vale do Itajaí.
Hoje, segundo o cientista, algumas frotas pesqueiras já lançam equipamentos altamente
sofisticados a até 1.500 metros
de profundidade. Os corais são
zonas de grande biodiversidade. Por isso, a pesca do camarão, por exemplo, acaba sendo
feita nessas áreas.
Um dos motivos dessa busca
mais profunda pelo pescado
pode ser explicada pelos dados
que acabam de ser compilados
pelo programa Revizee (Recursos Vivos na Zona Econômica
Exclusiva). Apesar de existirem algumas saídas, a pesca no
Brasil está sendo feita de forma
insustentável afirma o estudo.
Um dos casos mais simbólicos,
é o do peixe cherne-poveiro.
Entre 1989 e 2001 a produção
dessa espécie era de 2.000 toneladas anuais. Nos últimos
anos, ela caiu para apenas 460
toneladas. Além disso, em termos gerais, a produção marinha de pescado do Brasil hoje é
de 500 mil toneladas, contra
600 mil toneladas na primeira
metade da década passada.
"A pesca de arrasto em águas
profundas da costa brasileira
(mais de 200 metros) vem
crescendo desde o final da década de 1990. A destruição causada pelas pesadas redes foi
comprovada por pesquisadores
que estiveram a bordo dos pesqueiros. Eles relatam a captura
de grandes quantidades de coral e de outros organismos de
águas profundas também",
afirmou Alberto Lindner, pesquisador do Cebimar (Centro
de Biologia Marinha) da USP.
O especialista brasileiro em
formações coralinas de águas
profundas participou da equipe que descobriu imensos "jardins de coral" no Alasca, em
2002. A descoberta fez o presidente americano George W.
Bush criar uma das maiores
áreas de proteção marinha de
todo o mundo. "Os dados sobre
a destruição, no Brasil, e no
mundo, são alarmantes. Esses
organismos são ainda pouco
conhecidos e precisam ser
mais bem estudados", diz.
Se as conseqüências indiretas dos arrastões do fundo do
mar são uma realidade, José
Ángel Perez, oceanógrafo e
professor da Univali (Universidade do Vale do Itajaí), em Santa Catarina, lembra que essa
modalidade usada pela indústria pesqueira pode colocar em
risco o próprio alvo principal,
ou seja, os peixes. "O problema
mais grave, na minha opinião,
são as populações pescadas.
Em geral, os níveis de abundância delas são muito baixos."
Para o estudioso, é o momento de ser feita uma grande
discussão para que toda a atividade pesqueira realizada em
águas profundas possa ser organizada. "O próprio programa
Revizee mostrou que os estoques do litoral brasileiro não
estão em boas condições. As
medidas do governo, por enquanto, também não estão surtindo muito efeito", disse.
Na visão otimista de Perez,
se medidas efetivas forem tomadas hoje, em dez anos a situação pode melhorar. "As populações não estão perdidas.
Elas estão sendo muito exploradas. É possível reverter esse
quadro". Entre as ações cabíveis, nem Perez nem os demais
pesquisadores excluem a necessidade de que atitudes extremas sejam tomadas.
"Em alguns casos, exclusões
geográficas deverão ser estudadas", explica. Em outras palavras, se o Brasil e o mundo quiserem preservar a biodiversidade das altas profundidades,
moratórias à pesca terão que
ser decretadas em breve.
"A preservação desses habitats em forma de áreas de exclusão de pesca é essencial para
a sustentabilidade", afirma Kitahara. "Não tenho dúvidas que
isso vai precisar ser feito."
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