São Paulo, domingo, 23 de outubro de 2005

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+ ciência

Embora tenham evoluído muito, tomografias ainda frustram os diagnósticos psiquiátricos

Cérebro em movimento

Lawrence Dutton - 13.ago.2000/Stone
Seqüência de imagens de ressonância magnética mostra um cérebro humano em funcionamento


BENEDICT CAREY
DO "NEW YORK TIMES"

Elas quase parecem vivas: imagens quadro a quadro de um cérebro humano em ação.
Não muito tempo atrás, os cientistas prediziam que essas imagens, produzidas por técnicas sofisticadas de rastreamento cerebral, ajudariam a desvendar os mistérios das doenças mentais, revelando claras anormalidades cerebrais e permitindo que médicos diagnosticassem e tratassem melhor uma grande variedade de doenças. E a cada semana, ao que parece, os pesquisadores das imagens anunciam outra descoberta, uma potencial chave para entender a depressão, a síndrome de déficit de atenção, a ansiedade.
Ainda assim, por várias razões, as esperanças e as afirmações de cunho psiquiátrico inspiradas pelas imagens cerebrais ainda estão muito distantes, dizem os especialistas. Após quase 30 anos, os pesquisadores ainda não criaram nenhuma ferramenta padrão para diagnosticar e tratar desordens psiquiátricas com base em estudos de imagens.
Várias linhas de pesquisa promissoras estão sendo perseguidas. Mas a tecnologia de imagens não respondeu pelas esperanças que foram depositadas nela nos anos 1990 -apelidados de a "Década do Cérebro" pela Associação Psiquiátrica Americana. Agora, com estudos de imagens sendo publicados a uma taxa de mais de 500 por ano, e clínicas de imagens comerciais abrindo em várias partes dos EUA, alguns especialistas dizem que a tecnologia foi superestimada como ferramenta psiquiátrica. Outros pesquisadores seguem otimistas, mas se perguntam qual o significado real dos dados, e se já não é hora de o campo repensar sua abordagem e expectativa.
"Eu esperava que meu trabalho no laboratório afetasse meu trabalho no fim de semana, quando pratico psiquiatria infantil", diz Jay Giedd, chefe de imagens cerebrais no ramo de psiquiatria infantil do Instituto Nacional de Saúde Mental, que fez imagens de ressonância magnética (MRI) em crianças por 14 anos. "Não aconteceu. Neste campo, a cada ano você ouve, "Ah, é mais complicado do que pensávamos". Bem, você ouve isso por dez anos, então começa a ver um padrão."
Psiquiatras ainda consideram que tecnologias como as de MRI e PET (tomografia por emissão de pósitrons) são ferramentas de pesquisa cruciais. E as tecnologias de rastreamento são valiosas como uma forma de detectar problemas físicos como traumas na cabeça, atividades convulsivas ou tumores.
Mas há uma sensação crescente de que a pesquisa de imagens cerebrais ainda está a anos de fornecer à psiquiatria algo como os testes claros para doenças mentais que eram esperados. "Eu acho que, com algumas exceções notáveis, a comunidade científica foi excessivamente otimista sobre quão rápido as imagens teriam impacto na psiquiatria", diz Steven Hyman, professor de neurobiologia de Harvard e ex-diretor do Instituto Nacional de Saúde Mental. "Em seu entusiasmo, as pessoas esqueceram que o cérebro é o objeto mais complexo que existe, e não é fácil ver o que há de errado nele."

Variações
Para começar, cérebros são tão variados quanto personalidades.
Numa gama de estudos, os pesquisadores descobriram que as pessoas com esquizofrenia sofrem uma perda progressiva de suas células cerebrais: um indivíduo de 20 anos que desenvolve a doença, por exemplo, deve perder de 5% a 10% de seu volume cerebral ao longo da década seguinte, sugerem os estudos.
Dez por cento é um bocado, e perdas de volume nos lobos frontais são associadas com a deficiência mensurável na esquizofrenia. Mas o volume do cérebro varia em pelo menos 10% de pessoa para pessoa, de forma que imagens que indiquem o volume em pacientes não podem dizer quem está doente e quem não está.
Estudos que usam imagens para medir níveis de atividade no cérebro muitas vezes sofrem do mesmo problema: o que parece um "ponto quente" em mudança de atividade no cérebro de uma pessoa pode ser uma mudança normal em outra.
"As diferenças observadas não estão por si só fora da faixa de variação vista na população normal", diz Jeffrey Lieberman, chefe do departamento de psiquiatria do Centro Médico da Universidade Columbia e diretor do Instituto Psiquiátrico do Estado de Nova York.
No entanto, muitas pessoas preferem não esperar a ciência amadurecer. Em clínicas na Califórnia, em Washington, em Illinois, no Texas e em outras partes, médicos oferecem imagens cerebrais para pessoas com uma variedade de distúrbios, desde síndrome de hiperatividade e déficit de atenção até depressão e comportamento agressivo.
Daniel Amen, um psiquiatra baseado em Newport Beach, Califórnia, disse ter realizado 28 mil rastreamentos em adultos e crianças nos últimos 14 anos, usando uma técnica chamada Spect, sigla para tomografia computada de emissão de um único fóton. Numa entrevista, Amen disse que era inadmissível que a psiquiatria não estivesse fazendo mais uso das imagens cerebrais. "Aqui estamos, dando cinco ou seis medicações para crianças sem nem mesmo olhar o órgão que estamos modificando", disse.
Ele disse que as imagens o ajudaram a distinguir entre crianças com problemas de déficit de atenção que respondem bem a estimulantes como ritalina e aquelas que não reagem bem às drogas. Numa série de livros e artigos médicos, Amen argumenta que as imagens ajudaram a convencer as pessoas de que os problemas de comportamento têm uma base biológica e requerem tratamento, com drogas ou outras terapias.
"Elas aumentam a adesão ao tratamento e reduzem a vergonha e a culpa" associadas às doenças, ele diz.
Na Clínica de Neuroimagens Brainwaves, em Houston, os médicos usam as imagens para diagnosticar e escolher o tratamento para uma série de problemas psiquiátricos, segundo uma porta-voz da clínica. E uma série de médicos anunciam os serviços de imagens na internet. Mas os especialistas dizem que não há evidência de que uma imagem cerebral, que pode custar mais de US$ 1.000, ajude significativamente os exames psiquiátricos.

Gasto temerário
"As pessoas precisam entender: hoje, a única coisa que as imagens podem dizer a você é se você tem um tumor cerebral", ou algum outro dano neurológico, diz Paul Root Wolpe, professor de psiquiatria e sociologia do Centro de Bioética da Universidade da Pensilvânia.
Ele complementa: "Essa tecnologia de imagens está tão longe do auge que gastar milhares de dólares nela não faz nenhum sentido".
A grande recompensa da tecnologia de imagens, dizem alguns especialistas, pode vir conforme os pesquisadores combinem os rastreamentos com outras técnicas, como testes genéticos e bioquímicos. Ao marcar radioativamente receptores específicos dos cérebro, por exemplo, pesquisadores estão usando imagens cerebrais para medir como substâncias químicas que sabidamente afetam o humor, como a dopamina, se comportam em pessoas com esquizofrenia, em comparação com pessoas saudáveis.
Os pesquisadores estão também estudando circuitos relacionados a depressão para ver como eles podem surgir a partir de variações genéticas que predispõem as pessoas a ter risco maior de depressão.
E, como sempre, a tecnologia em si está evoluindo: uma nova geração de aparelhos de MRI, com o dobro do poder de resolução das máquinas atuais, está se tornando mais amplamente disponível, Lieberman diz.
"Com maior resolução, poderemos fazer trabalhos mais sensíveis e precisos, e eu não ficaria surpreso se só a anatomia virasse um traço de diagnóstico", afirma. "Ganhamos uma enorme quantidade de conhecimento de milhares de estudos de imagens, estamos no limiar de aplicar esse conhecimento, agora é uma questão de passar esse limiar."
Por ora, nem ele nem ninguém pode dizer quando isso irá ocorrer.


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