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MICRO/MACRO
O paradoxo da unificação
MARCELO GLEISER
especial para a Folha
O avanço da maioria das ciências depende da eficiência com
que generalizações são feitas; dada uma grande variedade de fenômenos, é sempre muito mais
atraente tentar explicá-los a partir de uma ou poucas idéias do
que ter uma idéia para cada. Em
física, nós usamos a mesma
equação matemática para descrever vários fenômenos diferentes. É o caso das leis de movimento de Isaac Newton, que podem ser aplicadas na descrição
de qualquer movimento que
ocorra na natureza, contanto
que: 1) ele não seja muito rápido
quando comparado à velocidade da luz, de 300 mil quilômetros
por segundo; 2) ele não seja o
movimento de objetos muito
pequenos, na escala molecular
ou menor (atômica, nuclear
etc.); 3) ele não esteja em uma região com fortes forças gravitacionais, como muito perto do
Sol ou de um buraco negro. Ou
seja, movimentos na escala "humana" são devidamente descritos pelas leis de Newton.
Quando tentamos descrever o
mundo à nossa volta, temos de
usar aproximações. Segundo
Newton, o mundo pode ser descrito a partir de partículas (ou
objetos) interagindo por meio
de certas forças. O Sol atrai a
Terra devido a sua gravidade (e a
Terra atrai o Sol de volta; é a terceira lei de Newton); uma carga
elétrica atrai outra de carga
oposta ou repele sua irmã de
mesma carga. A ação dessas forças nas partículas faz com que
elas se movam em movimentos
acelerados. Essa mesma descrição é usada em escalas bem menores, onde há outras forças,
que só atuam em distâncias nucleares: as forças nucleares forte
e fraca. Portanto, usando essa
descrição do mundo a partir de
partículas e forças, chegamos a
uma realidade em que fenômenos podem, ultimamente, ser
descritos por essas quatro forças
atuando sobre partículas. Esse é
o mundo de acordo com o método reducionista, que foi e é eficiente na nossa descrição da natureza e de suas complexidades.
O clímax do reducionismo seria chegar a uma descrição do
mundo usando apenas uma força atuando nos blocos fundamentais da matéria: Essa força
unificaria a ação de todas as outras quatro forças, e toda a matéria poderia ser reconstruída a
partir desses blocos fundamentais. Essa teoria unificada é às vezes chamada de "teoria de tudo",
um nome que, acredito, é extremamente infeliz. Sem dúvida, a
evolução da física se deu, em
grande parte, devido ao nosso
esforço em unificar conceitos e
idéias, em procurar os aspectos
mais fundamentais da realidade,
que se escondem por trás de
uma aparente complexidade; a
natureza, em muitos casos, revela uma simplicidade belíssima,
que nós, a partir de nossas leis,
conseguimos às vezes descrever.
Mas o sucesso pode criar vícios. Nas últimas décadas, apesar de todos os esforços por uma
teoria de unificação, a física está
cada vez mais fragmentada: para
a maioria dos físicos, chegar ou
não a uma teoria que descreva as
quatro interações como apenas
uma, a energias zilhões de vezes
maiores que as do nosso dia-a-dia (em torno de 10 bilhões de
bilhões de vezes maiores do que
as energias que ligam um elétron
a um próton para formar um
átomo de hidrogênio), é irrelevante; essa teoria unificada não
os ajudará a compreender melhor os processos térmicos que
ocorrem em seus cristais ou no
interior de Júpiter, ou como funciona a memória.
Aparentemente, há uma divisão "social" entre os físicos e outros cientistas com relação a essas questões. Em defesa da busca
pela unificação, deve ser dito
que é provável que, caso um dia
tenhamos tal teoria, ela irá nos
revelar aspectos profundos da
natureza, impossíveis de prever.
Essa é uma lição da história que
não devemos esquecer. Por outro lado, deve-se também dizer
que há problemas fundamentais
na ciência que são independentes de uma teoria da unificação
e, mais importante, igualmente
relevantes. É na complementariedade das linhas de pesquisa
que está a força da ciência, e não
na competição por relevância.
Marcelo Gleiser é professor de física do
Dartmouth College, em Hanôver (EUA), e
autor do livro "Retalhos Cósmicos".
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