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Veículo permitiria acesso fácil e barato de pessoas comuns ao espaço
Elevador cósmico
Nasa
![](https://cdn.statically.io/img/www1.folha.uol.com.br/../images/d2005012001.jpg) |
Representação artística de um elevador espacial que possibilitaria o transporte entre uma estação espacial e a Terra |
Karl Ziemelis
da "New Scientist"
Dizem que os cem primeiros quilômetros são os
melhores. Momentos depois de a porta fechar,
a aceleração começa a fazer efeito, empurrando você suavemente, mas com firmeza, sobre
seu assento. A Terra mergulha rapidamente para fora
de seu campo de visão, e seus órgãos internos gemem,
solidários. A torre-base, deslizando diante da janela, parece ser interminável. E então você se vê no céu aberto,
primeiro numa extensão azul aparentemente infinita,
mas que pouco a pouco vai escurecendo até que apareça a Via Láctea em toda sua glória. Durante todo o tempo, o lago azul coruscante que é a Terra se curva e se
afasta sob você, numa visão que, no passado, era restrita
a pouquíssimos privilegiados.
Depois de um tempo que parece estender-se para
sempre, mas na realidade dura pouco mais de dez minutos, a aceleração cede. Agora, avançando a 2.000
km/h, numa altitude de 150 quilômetros e ainda subindo, você começa a sentir-se desconfortavelmente leve
no assento. Tentando manter a calma, você evita pensar
demais no fato de que, pelas próximas 18 horas, a única
coisa que vai impedi-lo de mergulhar de volta à Terra é
algo que quase não passa de uma corda incrementada.
É um cabo de cerca de 47 mil quilômetros de extensão,
mas apenas alguns centímetros de largura, que se estende desde a superfície da Terra até sua órbita. Você está
fazendo uma viagem no elevador espacial. Prepare-se
para o passeio mais emocionante de sua vida.
Final do século A idéia de um elevador até o céu pode soar absurda, como uma versão atualizada da torre
de Babel. Mas é uma proposta séria. Duas equipes independentes da Nasa (agência espacial dos EUA) recentemente estudaram os requisitos tecnológicos para um
projeto desse tipo e concluíram que são viáveis. Extremamente difíceis de concretizar, mas viáveis. "É algo
que podemos pensar seriamente em construir até o final deste século", diz David Smitherman, que liderou
uma das equipes, do Centro Marshall de Vôos Espaciais
da Nasa, em Huntsville, Alabama. A idéia do elevador
espacial, por muito tempo relegada à lata de lixo das tecnologias que equivaliam a sonhos impossíveis, hoje já
se configura como possibilidade real.
Por que se dar ao trabalho de construí-lo? A partir do
momento que uma estrutura desse tipo estivesse funcionando, ela permitiria o acesso barato e fácil ao espaço. Passageiros e cargas poderiam subir e descer pelo
cabo de maneira semelhante ao que é feito num elevador convencional -ou, com maior precisão, um teleférico-, viajando a uma fração da velocidade de escape.
Cada quilo de carga que fosse colocado em órbita, que,
num foguete, custa US$ 22 mil, custaria apenas US$
1,48. E não seria preciso ser um astronauta em perfeitas
condições físicas para fazer a viagem, o que abriria o espaço sideral para as massas -pelo menos as moderadamente abastadas.
A idéia do elevador espacial foi aventada pela primeira vez em 1960, pelo engenheiro russo Yuri Artsutanov,
e discutida várias vezes nos anos seguintes. Mas ela passou em grande medida despercebida até 1979, quando
Arthur C. Clarke a usou como base de seu livro "The
Fountains of Paradise".
Como funciona o elevador? A melhor maneira de entender o conceito é usar uma ferramenta tradicional da
física: a experiência mental. Comece por imaginar um
satélite. O tempo que ele leva para orbitar a Terra é determinado pela força da gravidade, e essa varia segundo
a distância em relação ao planeta: os satélites que voam
a baixas altitudes completam cada órbita em pouco
tempo, enquanto os mais distantes demoram mais tempo. Entre um extremo e outro, há uma distância especial -35.786 km- na qual o satélite leva exatamente
um dia para completar um giro em volta da Terra. Se
sua órbita estiver alinhada com o Equador, um satélite a
essa distância vai flutuar acima do mesmo ponto na superfície da Terra, enquanto ele e a Terra giram juntos.
Os satélites estacionados nessa órbita são denominados
geoestacionários.
Para levar adiante a experiência mental, imagine que
o satélite está sendo alongado para dentro, em direção à
Terra, e, ao mesmo tempo, para fora, em direção ao espaço, de modo que seu centro de massa permanece em
órbita geoestacionária (veja quadro à pág. 26). As partes
do satélite que estão mais próximas da Terra vão se mover mais lentamente do que necessário para manter
uma órbita estável e vão começar a sentir a atração gravitacional. Já as partes mais distantes estarão se deslocando rapidamente demais para a distância em que se
encontram, de modo que, como uma pedra num estilingue, vão tentar se afastar do centro. Resultado: tensão. O satélite vira um cabo retesado em órbita.
A partir desse ponto, fica fácil levar a experiência
mental a sua conclusão lógica, na qual o ponto mais para dentro do satélite toca o chão -ou, o que seria mais
provável, se conecta a uma torre alta. O resultado é uma
estrutura contínua que se estende desde o Equador até
o espaço. Na ponta terrestre há a estação de base, um
complexo maciço com todos as instalações adicionais
de um grande aeroporto internacional -hotéis, restaurantes, lojas "duty free" e assim por diante. Ergue-se
acima do complexo a plataforma de lançamento, algo
como a torre Eiffel, mas com dezenas de quilômetros de
altura. Depois disso vem o cabo: 47 mil quilômetros de
comprimento, ininterrupto exceto pela estação espacial
no ponto geoestacionário. Ela atuaria como centro de
massa da estrutura, além de abrigar laboratórios, um
parque empresarial e um resort com gravidade nula.
Mais adiante haveria um contrapeso, possivelmente
um pequeno asteróide amarrado ao fim do cabo.
A experiência mental já deu o que tinha de dar. Será
que uma coisa dessas poderia realmente ser construída?
A resposta, segundo a Nasa, é um "sim" cauteloso
-depois que se tornar possível superar alguns obstáculos tecnológicos.
De longe o maior desafio de todos é o próprio cabo. O
simples peso da estrutura dependurada da órbita geoestacionária exigiria muito do material usado para fazê-la.
Que espécie de material possui a força tênsil necessária
para suportar seu próprio peso, numa extensão tão
grande? Surpreendentemente, qualquer coisa funcionaria em princípio, desde que fosse adequadamente afilada, ficando mais larga na órbita geoestacionária, onde
a tensão é maior, e mais estreita nas extremidades.
Mas possível não é a mesma coisa que praticável. Um
cabo de aço de um milímetro de largura no nível do
chão teria de ter 40 bilhões de quilômetros de diâmetro
no ponto de órbita geoestacionária -o equivalente a
construir uma montanha maior do que o Sistema Solar,
de ponta-cabeça. Mesmo kevlar, material que é mais
forte e mais leve do que o aço, teria de se alargar para 16
metros, de modo que seria preciso dispor de duas gigatoneladas do material. Para piorar as coisas, o cabo precisaria ter diâmetro mínimo mais próximo de dez centímetros e não de um milímetro.
Nanotubos Para construir um cabo de dimensões
praticáveis, seria preciso um material dotado de enorme força tênsil. As estimativas da Nasa sugerem o número mágico de 62,5 gigapascais -ou seja, 30 vezes
mais forte do que o aço e 17 vezes mais forte do que o kevlar. Até pouco tempo atrás, a inexistência de tal material negou toda e qualquer credibilidade à idéia do elevador espacial. Os entusiastas eram obrigados a fazer
sugestões desvairadamente exóticas: fibras de hidrogênio cristalino, ou mesmo antimatéria. Agora, porém,
parece que mesmo um elemento tão comum quanto o
carbono pode conter a chave para chegar ao céu.
Não constitui surpresa real saber que o material escolhido é o carbono. Sob a forma de diamante, o carbono
manifesta propriedades mecânicas recordes. O diamante não pode ser tecido para formar filamentos, mas
existe uma forma de carbono que reúne força e comprimento: os nanotubos. Esses minúsculos cilindros vazios feitos de lâminas de átomos de carbono dispostos
em forma hexagonal superam a força tênsil do aço em
pelo menos cem vezes. Mesmo as estimativas conservadoras avaliam sua força em 130 gigapascais, o que supera o número mágico por uma margem cômoda.
Então qual é o porém (e sempre há um porém...)? Para
começar, os nanotubos custam caríssimo: nada menos
do que US$ 500 por grama. Outro problema: estão em
falta. Mesmo os melhores métodos de síntese existentes
rendem tubos com pouco mais do que alguns micrômetros. Bradley Edwards, do Laboratório Nacional de
Los Alamos, no Novo México, que liderou a outra equipe da Nasa, já calculou o comprimento que os nanotubos teriam de ter para formar um material composto
viável. O número que encontrou foi quatro milímetros.
A construção do cabo do elevador depende da diminuição do custo da produção de nanotubos de carbono e de formas para evitar que os ramos da corda deslizem entre si
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Mas há esperanças. Segundo Dan Colbert, da Carbon
Nanotechnologies, empresa saída da Universidade Rice, no Texas, o custo da fabricação de nanotubos vai
cair. No momento, eles são produzidos por meio da vaporização a laser de grafite, um processo que rende pequenos lotes de produto puro, perfeito para uso em laboratório, mas caro demais para ser usado na construção civil -muito menos na construção de um elevador
espacial. Mas a Carbon Nanotechnologies tem um novo
processo de produção chamado "deposição de monóxido de carbono a alta pressão", ou HiPCO (iniciais do
processo, em inglês), que promete ser adaptável para
diferentes escalas, de modo que as unidades de produção poderiam ter as dimensões que se quisesse -e
maior significa mais barato. Colbert calcula que, dentro
de sete anos, a HiPCO terá reduzido o custo dos nanotubos para poucos centavos de
dólar cada grama.
Como fica o problema do
comprimento? Talvez as coisas
não estejam tão ruins do jeito
que estão. Os nanotubos têm
tendência a ficarem grudados
lado a lado, e as forças de coesão
entre eles parecem ser fortes. Isso é bom. Mas os nanotubos
grudados como cordas também
têm o hábito de deslizar e escorregar uns contra os outros de
uma maneira que não se entende. Até agora ninguém mediu a
força de uma corda feita de nanotubos, mas os primeiros indícios são de que a força tênsil é
reduzida em pelo menos três
vezes, colocando-a justamente
no limite da resistência necessária para um elevador.
Talvez a solução mais simples seja encontrar uma maneira de incorporar nanotubos num material composto, como a fibra de vidro. A desvantagem dessa abordagem é que qualquer material que seja usado para amarrar os nanotubos pode diluir sua força. A solução mais
elegante seria produzir nanotubos contínuos que se estendam por toda a extensão do cabo. No momento,
ninguém sabe como unir nanotubos individuais para
formar moléculas mais longas.
Amarrando o cabo Agora que se dispõe de um cabo dependurado desde um ponto distante no espaço,
precisamos de alguma coisa à qual prendê-lo. Seria possível, é claro, estendê-lo até o nível do mar e amarrá-lo
no lugar desejado. Mas lembre-se do problema do afilamento: à medida que ascende, o cabo precisa se alargar
para poder sustentar seu próprio peso. E a seção inferior precisa ter uma certa espessura mínima, que, por
sua vez, determina o diâmetro do cabo no ponto de órbita geoestacionária e, portanto, a massa e o custo da estrutura como um todo. Eleve o fundo do cabo e você
poupará muito material na extremidade superior. O
ideal, portanto, é prender o cabo em algo muito alto.
Uma montanha bem situada, próxima do Equador,
seria um bom ponto de partida, mas existem preocupações de segurança em tudo isso. Se o cabo rompesse,
uma grande quantidade de destroços cairia no chão.
Assim, não surpreende que a opção preferida seja uma
torre gigantesca erguida numa plataforma em alto mar.
A torre teria de ter dezenas de quilômetros de altura,
mas, comparada ao trabalho de pendurar um cabo desde o espaço, em órbita, construí-la seria uma brincadeira de criança. O mais alto edifício que se sustenta sozinho existente no mundo hoje é a CN Tower, de 553 metros de altura, em Toronto, que não chega nem perto do
limite teórico. Com os métodos de construção existentes hoje seria possível erguer uma torre de 20 quilômetros de altura, mais do que suficiente para a estação de
base do elevador.
Com o cabo e a torre instalados, já se teria o esqueleto de um
elevador espacial. Ficaria faltando apenas uma maneira de subir pelo elevador. Os meios mecânicos tradicionais -cabos,
rodas e polias- não serviriam.
Em vista das estupendas distâncias envolvidas, um sistema de
transporte viável teria de satisfazer dois requisitos básicos:
pouquíssima manutenção e velocidades muito altas. A levitação e a propulsão magnética
contêm as chaves para ambos.
Ao usar forças magnéticas
propulsivas para manter o veículo fora de contato direto com
o cabo, a levitação magnética
elimina o desgaste que afeta a
maioria dos sistemas de transporte. O veículo pode acelerar para vários milhares de
quilômetros por hora.
Será que tudo já foi coberto? Nem tudo. O espaço é
um lugar cheio de perigos. O ambiente próximo à Terra
é repleto de partículas energéticas, todas esperando para erodir qualquer material com o qual porventura entrem em contato. Há projéteis que poderiam cortar o
cabo, incluindo meteoritos e lixo espacial. Mas esses
obstáculos são superáveis. Basta olhar o êxito das viagens à Lua, das sondas interplanetárias e, mais recentemente, da Estação Espacial Internacional, as quais tiveram de enfrentar problemas semelhantes.
Se tudo correr bem, quando poderá ser construída
uma estrutura como a descrita? Certa vez fizeram essa
pergunta a Arthur C. Clarke, e ele respondeu: "O elevador espacial será construído cerca de 50 anos depois
que todo mundo parar de rir da idéia". Acabaram de
parar.
Karl Ziemelis é editor de ciências físicas da revista "Nature"
Tradução de Clara Allain
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