São Paulo, segunda-feira, 11 de julho de 2005

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BIODIVERSIDADE

Pesquisadores da Unesp buscam espécies predadoras dos animais que consigam controlar pragas do cultivo

Guerra de ácaros pode proteger seringais

Reprodução
Imagem de ácaro feita com ajuda de microscopia eletrônica


SALVADOR NOGUEIRA
DA REPORTAGEM LOCAL

George W. Bush que não ouça, mas às vezes a guerra pode ser a solução. É o que pesquisadores da Unesp (Universidade Estadual Paulista) em São José do Rio Preto tentam promover. Claro, o conflito que eles querem fomentar é entre ácaros, e o objetivo é proteger as seringueiras, que produzem a matéria-prima da borracha.
E a proposta da guerra dos ácaros é apenas uma das boas idéias que podem ganhar a luz do dia a partir de estudos mais amplos, alguns deles conduzidos sob a batuta de Reinaldo Fazzio Feres, do Laboratório de Acarologia do Departamento de Zoologia e Botânica. O grupo coordenado por Feres, com apoio do CNPq (Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico), está pesquisando a biodiversidade dessas criaturas microscópicas.
Mais conhecidos pelos problemas respiratórios que algumas de suas espécies causam em humanos, os ácaros têm um raio de ação muito mais amplo. Alguns deles podem afetar as plantas.
"Na Amazônia, região originária da seringueira, esse problema não existia", diz o pesquisador. "Quando as árvores foram trazidas para outras regiões e plantadas em sistema de monocultivo, começaram a ser atacadas." Hoje, a seringueira é um cultivo importante em regiões como o noroeste do Estado de São Paulo.

Variedade desconhecida
Estudar biodiversidade de ácaros pode parecer um assunto meio aborrecido, ou com poucas descobertas por fazer. Mas Reinaldo Feres demonstra o contrário. "Segundo estimativas, devem existir cerca de 500 mil a 1 milhão de espécies de ácaros", diz o pesquisador. "Até o momento, apenas umas 45 mil são conhecidas."
Os pesquisadores querem defender a seringueira conhecendo exatamente os inimigos naturais das pragas. Com isso em mente, já obtiveram alguns resultados interessantes. Feres já descreveu três espécies de ácaros, antes desconhecidas, que atacam especificamente essa planta. Uma delas, a Calacarus heveae, é considerada praga-chave da cultura.
O conceito com o qual os cientistas trabalham é o de fazer os ácaros se voltarem uns contra os outros, deixando a seringueira em paz. Como? "Existem dois tipos principais de ácaros", explica Reinaldo Feres. "Fitófagos e predadores." Os primeiros atacam plantas, e os segundos se alimentam dos primeiros. Acontece que cada espécie de predador tem "apetite" diferente, podendo alimentar-se também de pólen, néctar etc. Para atrair mais predadores para o terreno dos fitófagos, é preciso inserir alguma coisa além de simples seringueiras.
Os cientistas sugerem que a inserção de determinadas plantas nativas (presentes em fragmentos de vegetação natural) ou de outra cultura plantada com as seringueiras possa executar o truque e servir de atrativo para os ácaros predadores. Aí o trabalho se resumiria a deixá-los se fartar.
Outra abordagem, mais recente, é a utilização de substâncias denominadas ésteres de sacarose, um biopesticida bastante eficiente e inócuo ao ambiente e ao homem. Nessa linha, os trabalhos estão sendo desenvolvidos em parceria com Maurício Boscolo, do Departamento de Química e Ciências Ambientais da Unesp.
Os projetos contaram com o apoio da Fapesp (Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo), dentro do Programa Biota, e testes estão sendo realizados graças a uma parceria do Laboratório de Acarologia com a empresa "Plantações E. Michelin Ltda.", em Itiquira, Mato Grosso.
Esse tipo de controle evita intervenções mais violentas, como o uso exagerado de agrotóxicos. Mas também é um procedimento muito delicado. Feres afirma que ainda será necessário algum tempo para que se desenvolvam estratégias mais concretas que possam promover de forma segura e "cirúrgica" essa guerra dos ácaros e proteger as seringueiras.

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