São Paulo, domingo, 10 de abril de 2005

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+ ciência

Pesquisadores aprimoram modelos que explicam como astro moribundo ressuscitou, voltando a brilhar e a fazer fusão nuclear

Renasce uma estrela

Cássio Leandro Barbosa/2MASS
Imagem mostra o Objeto de Sakurai (vermelho), estrela ressuscitada


SALVADOR NOGUEIRA
DA REPORTAGEM LOCAL

Em 1996, durante uma de suas rotineiras sessões de observação, o astrônomo amador Yukio Sakurai notou na constelação de Sagitário uma estrela que não figurava em nenhuma carta celeste. Nem desconfiou que havia acabado de testemunhar um milagre cósmico: a ressurreição de um astro moribundo. Graças ao achado, os cientistas agora estão tendo uma visão mais clara de como esses eventos miraculosos ocorrem -aparentemente, intervenção divina não faz parte do processo.
Mais: se um modelo recém-apresentado pelos astrofísicos estiver certo, o fenômeno pode ter relação com o fato de que o Universo é um lugar amigável à vida.
Na época da descoberta, o reflexo inicial do japonês foi imaginar que estava observando o enterro de uma estrela ultramaciça -fenômeno conhecido como supernova.
Quando estrelas com mais de oito vezes a massa do Sol esgotam seu combustível, elas ejetam violentamente suas camadas exteriores e, por alguns dias, chegam a atingir um brilho muito intenso -as chamadas supernovas. O que sobra do astro se compacta num espaço muito pequeno, virando um cadáver estelar, que pode ser pulsar ou buraco negro.
Entretanto, o chamado Objeto de Sakurai (tecnicamente chamado V4334 Sgr), insistiu em não desaparecer do céu. Dias, semanas, meses se passaram. Alguma coisa estava muito errada, e os astrônomos passaram a buscar outra explicação.

Lázaro, vem para fora!
No fim das contas, V4334 Sgr não era mais uma estrela morta, mas sim um astro ressuscitado.
Pausa para uma breve história de como nasce, vive e morre uma estrela. Tudo começa com uma nuvem dispersa de gás hidrogênio, o material mais abundante do Universo. Ao longo do tempo, graças à ação da gravidade, essa nuvem começa a ficar mais concentrada numa dada região. A concentração vai aumentando até que surge uma grande bola de gás. Pela pressão cada vez maior em seu núcleo, ela "liga", grudando átomos de hidrogênio e convertendo-os em hélio. O processo, denominado fusão nuclear, é o que alimenta a produção de energia de uma estrela.
Mas tudo que é bom dura pouco -ou muito. Se a estrela for grande, a queima de hidrogênio é mais rápida e ela esgota o combustível (depois de produzir fusão com hélio e outros elementos mais pesados) em alguns milhões de anos. O resultado final é a morte por supernova, e o sepultamento dos restos mortais se dá na forma de pulsar (astro ultracompactado, feito primordialmente de nêutrons, que emite altas doses de radiação em intervalos regulares) ou buraco negro (objeto ainda mais compacto, em cuja superfície a gravidade é tão grande que nem a luz consegue escapar dele, daí o nome).
Agora, se ela tiver menos que oito vezes a massa do Sol, outra coisa acontece. Ao passar a consumir o hélio, ela atinge um novo estado de equilíbrio, em que se expande e esfria, tornando-se uma gigante vermelha (é o que vai acontecer com o Sol daqui a uns 5 bilhões de anos; seu diâmetro vai atingir mais ou menos a órbita da Terra).
O astro passa mais um tempo nessa "UTI" cósmica, até finalmente entregar os pontos. Quando não há mais o que fundir, ele ejeta suas camadas exteriores e encolhe, virando o que os astrônomos chamam de anã branca. Esse objeto já é incapaz de fazer fusão -ela está morta.
Na maioria dos casos, esse é o fim da história. Entretanto, no velório cósmico, às vezes o defunto levanta. Foi o que Sakurai viu.
Segundo a teoria, elaborada ao longo das últimas três décadas, às vezes restam quantidades apreciáveis de hélio por queimar numa anã branca. Quando ela se compacta o suficiente e, com isso, volta a se aquecer, a fusão é reiniciada por alguns anos, e a estrela volta a se expandir e esfriar, virando uma brilhante gigante vermelha.
A ressurreição dura pouco tempo. Em alguns anos, a estrela volta a ejetar sua camada exterior e se retrai novamente ao estágio de anã branca. "A brevidade dessa fase explica por que o fenômeno é tão raramente observado, mesmo com a previsão de que 20% de todas as estrelas gigantes vermelhas passem por essa fase", escreve Martin Asplund, do Observatório Mount Stromlo, na Austrália, na última edição do periódico científico norte-americano "Science" (www.sciencemag.org).

Contra a teoria
Até hoje, apenas três casos de estrelas ressuscitadas foram registrados na literatura astronômica. Os dois primeiros teriam ocorrido em 1670 e 1918. No primeiro caso, nem foi identificada como tal. No segundo, os instrumentos ainda não estavam suficientemente desenvolvidos para observar o astro além da nebulosa criada pela primeira "morte".
Em compensação, a evolução do Objeto de Sakurai está sendo acompanhada com "transmissões" ao vivo, usando o que há de melhor em tecnologia de observação.
É numa oportunidade dessas que se vê que na prática a teoria é outra. As observações apontaram que a redução de temperatura da estrela conforme se expandia e voltava à vida estava acontecendo cem vezes mais rápido do que o previsto pelos modelos antigos. Uma nova explicação era necessária.
Entram em cena Albert Zijlstra, da Universidade de Manchester (Reino Unido), e colegas. Eles acabam de apresentar, na mesma "Science", uma explicação alternativa para o processo de ressurreição estelar.
"Nós produzimos agora um novo modelo teórico de como é esse processo, e as observações do VLA [sigla para Very Large Array, grupo de radiotelescópios nos EUA] forneceram as primeiras evidências apoiando nosso modelo", diz Zijlstra.
De acordo com esse modelo, o processo de ressurreição estelar leva à produção de grandes quantidades do elemento carbono -a principal peça na composição de todos os seres vivos. "Esses eventos podem ser uma fonte importante de carbono e pó carbonáceo na galáxia", escreveram Zijlstra e seus colegas, em seu relatório da pesquisa. O grupo diz que há uma correlação entre o tipo de carbono produzido por esses astros ressuscitados e o detectado em grãos presentes hoje no Sistema Solar, que foram produzidos antes mesmo que o Sol nascesse.


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