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TECNOLOGIA
Nova proposta teórica abre portas para melhores relógios atômicos, computadores quânticos e até teleporte
Equipe tenta "domar" mecânica quântica
SALVADOR NOGUEIRA
FREE-LANCE PARA A FOLHA
Os contra-sensos do mundo
quântico -ambiente habitado
pelas partículas subatômicas-
oferecem prodígios tecnológicos
inimagináveis a quem souber lidar com eles. Mas antes que as
maravilhas se tornem realidade, é
preciso driblar a física clássica,
trazendo as propriedades quânticas para o mundo macroscópico.
Um quarteto de físicos da Dinamarca e da Áustria agora propõe
uma receita para executar o truque. A recompensa é o aperfeiçoamento dos relógios atômicos
e, possivelmente, a criação de
computadores quânticos -para
não falar de coisas ainda mais radicais, como o teletransporte.
Tal qual uma esfinge, a mecânica quântica se debruça sobre os físicos, sussurrando "decifra-me
ou te devoro". E, para enveredar
pelos tortuosos caminhos quânticos, de nada serve a confortável e
intuitiva lógica cotidiana. Somente as equações matemáticas oferecem respostas -e elas são as mais
malucas possíveis.
Uma das mais estranhas propriedades físicas é o "entrelaçamento" de partículas ("entanglement", em inglês). Esse fenômeno, capaz de assustar até o físico
Albert Einstein, que o descreveu
como "esquisita ação à distância",
diz que é possível ligar duas partículas de forma indissolúvel, de
modo que tudo o que acontece
com uma reflete na outra, não importando a distância entre elas.
Anders Sorensen, da Universidade de Aarhus (Dinamarca), e
colegas montaram um modelo de
como fazer com que vários átomos sejam entrelaçados, driblando um dos maiores inconvenientes da física quântica: o princípio
da incerteza de Heisenberg.
Nunca diga nunca
O conceito, estabelecido pelo
cientista alemão Werner Karl
Heisenberg (1901-1976), diz que
tudo no mundo atômico é questão de probabilidade -nada pode ser dado por certo- e que é
impossível determinar com exatidão todas as propriedades de uma
partícula -detectar uma delas
significa descartar as outras.
Entretanto, ao entrelaçar partículas, é possível restringir as possibilidades de seu comportamento -Heisenberg continua lá, mas
o espaço dele fica mais apertado.
A sugestão de Sorensen é chocar
vários átomos -contidos em
uma amostra especial de partículas chamada de condensado Bose-Einstein-, fazendo com que
eles se entrelacem. Sua proposta
está na última edição da revista
"Nature" (www.nature.com).
"Nenhum de nós está trabalhando com testes, mas esperamos que grupos de física aplicada
tentem fazer a experiência em um
futuro breve", diz Sorensen.
Ele acredita que a técnica poderia "sintonizar" os átomos antes
de colocá-los em relógios atômicos -instrumentos de alta precisão que usam a constante vibração dos átomos para manter o relógio no passo certo- tornando-os ainda mais eficientes e exatos.
"Nosso método poderia ser usado
para preparar os átomos em um
estado mais adequado antes que
eles sejam injetados em um relógio atômico", diz.
Quanto às possibilidades para a
criação de um computador quântico -que usaria as propriedades
subatômicas para executar operações muito mais rapidamente que
um computador tradicional, feito
de silício-, "elas aumentam bastante", afirma Sorensen. "Sem o
entrelaçamento de múltiplas partículas, você não pode construir
um computador quântico."
Entretanto, a mais fascinante (e
improvável) das aplicações da
"esquisita ação à distância" de
Einstein é o teleporte -o ato de
fazer algo desaparecer em um lugar e reaparecer em outro.
"Beam me up, Scotty"
Em 1997, um experimento realizado na Universidade de Innsbruck, Áustria, e publicado na revista "Science" ficou célebre por
tornar o teletransporte uma realidade -contanto que o que se
queira mover de um ponto a outro seja um único fóton.
Apelidado de "Beam me up,
Scotty" ("Leve-me para cima,
Scotty", frase comumente utilizada pelo capitão Kirk, do seriado
"Jornada nas Estrelas", ao pedir
para ser teletransportado de volta
à nave), o experimento usou o entrelaçamento de fótons para fazer
com que um deles desaparecesse
em um dos cantos do laboratório
e tornasse a aparecer no outro.
O resultado, segundo os pesquisadores, foi a mera constatação de
que o entrelaçamento de partículas é real. Agora, a proposta de Sorensen pode fazer um pouco
mais. "Um palpite otimista é que
seríamos capazes de demonstrar
o entrelaçamento de 100 a 1.000
átomos em alguns anos", afirma.
Ainda não está nem perto do número de átomos existentes em um
capitão Kirk, mas já é um começo.
E, ao que parece, o começo do
teleporte pode ser também o limite das possibilidades. Lawrence
Krauss, um físico da Universidade Case Western Reserve, em Cleveland (EUA), considera a tecnologia no mínimo improvável.
Em seu livro "A Física de Jornada nas Estrelas" ("The Physics of
Star Trek"), Krauss apresenta
dois bons motivos para descredenciar o teletransporte. O primeiro deles é a dificuldade em
driblar o princípio da incerteza e
medir todas as propriedades de
todas as partículas que compõem
um objeto. O segundo seria ter
um computador com memória
suficiente para armazenar todas
propriedades quânticas de todos
os átomos do objeto.
"Esse era o status há alguns
anos. Desde então, descobrimos
que o entrelaçamento resolve o
primeiro problema. O segundo
ainda está aí", afirma Sorensen.
Mesmo depois do teletransporte do fóton de 1997, Krauss continua tão pessimista quanto antes.
"O teleporte quântico ocorre
quando dois estados entrelaçados
(de duas partículas) estão altamente correlacionados, de modo
que é possível usar a interação
com uma partícula para afetar a
outra. Mas essa correlação quântica é muito frágil. É por isso que
pessoas e outros objetos macroscópicos agem de forma clássica, e
não como na mecânica quântica."
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