Campinas, Domingo, 20 de Maio de 2001

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NO ESCURO
Redução forçada no consumo de energia faz população ver menos TV, passar menos roupa e conscientizar filhos
Efeito apagão muda rotina em Campinas

Marcos Peron/Folha Imagem
Vista de bar no bairro Três Pontes, em Sumaré, iluminado por lamparinas a gás; o bairro, com 150 famílias, não tem energia elétrica


ANA PAULA MARGARIDO
DA FOLHA CAMPINAS

Banhos curtos, lâmpadas de menor consumo ou apagadas, redução no uso de aparelhos domésticos e até uma revisão no sistema elétrico da casa são algumas das ações adotadas por moradores de cidades da região de Campinas para se adequar às medidas de racionamento de energia anunciadas pelo governo federal.
De acordo com as metas anunciadas anteontem pelo Ministério das Minas e Energia, o consumo residencial terá de cair 20% em relação à media dos meses de maio, junho e julho do ano passado.
Com medo de ficar no escuro, a dona-de-casa campineira Antônia Ferreira já estocou velas em casa e vai fazer cortes no orçamento mensal da família, de R$ 560, para economizar energia.
Antônia, que costumava passar roupas para terceiros, decidiu dispensar seus clientes na semana passada.
Ela ganhava R$ 110 por mês para passar roupas três vezes por semana e acha que o trabalho não vai mais compensar, caso tenha que pagar multa na conta de energia. Ela não sabe quantos kWh gasta por mês, mas disse estar assustada.
"Agora só vou passar as roupas de casa", disse Antônia, que mora com o marido e quatro filhos na Vila Princesa, bairro de classe média baixa de Campinas.
Por causa da falta de dinheiro, Antônia confessou que não paga a conta de luz, que é de R$ 45, há três meses. "É melhor prevenir", disse.
Como as medidas do governo são mais rígidas para quem consome mais energia -um consumo acima de 201 kWh implica uma sobretaxa de 50% sobre o consumo excedente -, as classes média e média alta planejam abdicar dos excessos diários.
O chuveiro elétrico é considerado o maior vilão para os que ganham acima de de dez salários mínimos (R$ 1.800).
"Se meu filho demora muito no chuveiro, eu começo a bater na porta do banheiro", disse a dona-de-casa Solange Gonzales de Freitas, 46. A renda mensal de R$ 1.400 é reforçada com a ajuda de dois filhos.
De acordo com Solange, a meta é reduzir em 50% o valor mensal gasto com energia elétrica -R$ 120. Para alcançar esse índice, já desligou o computador e diminuiu o tempo na frente da TV.
Além da mudança de comportamento, a previsão de racionamento de energia também gera revolta na população.
"Enquanto a gente fica estudando como economizar, os prédios públicos esbanjam claridade. A Prefeitura de Campinas, à noite, parece uma árvore de Natal", disse a aposentada Doraci Gaiola Pinto, que gasta 170 kWh de energia por mês.
De acordo com as medidas do "ministério do apagão", Doraci não terá acréscimo em sua conta no final do mês. A sobretaxa só recai sobre aqueles que consomem acima de 200 kWh. A multa chega a 200% para o consumo superior a 500 kWh.
Temendo as multas impostas pelo governo federal, a funcionária pública aposentada Marilene Del Buono Latorieri vai substituir as lâmpadas de seu apartamento, localizado no centro. "O problema é que, devido à demanda, as lâmpadas frias compactas ficaram muito caras", afirmou.
Marilene, que viu o consumo de energia ser elevado em 70,9% nos últimos quatro meses - de 290 kWh para 409 kWh-, disse temer que o racionamento de energia aumente a violência na cidade.
"Os prefeitos têm de tomar cuidado para que as medidas antiapagão não afetem a segurança", declarou.
O administrador de empresas Virgílio Sampaio Martins, morador de um bairro de classe média alta, em Valinhos, deu início, há alguns meses, a uma revisão completa no sistema elétrico de sua casa. Ele, a mulher e as duas filhas gastam, em média, R$ 220, com energia elétrica.
Com um consumo acima de 500 kWh, Martins disse achar injustas as medidas de emergência do governo federal.
"Se tivesse sido feito um planejamento melhor, não precisaríamos passar por isso [racionamento]", afirmou Martins.
Ele também disse acreditar que a redução no consumo de energia não afetará de maneira significativa seus hábitos cotidianos.
"Na verdade, só vou adaptar a cultura da empresa às práticas domésticas", afirmou o executivo da Lucent Technologies.

Reflexos
Os empresários associados ao Ciesp (Centro das Indústrias do Estado de São Paulo) de Campinas também estão descontentes com as medidas anunciadas pelo governo. O setores industrial e comercial terão de reduzir entre 15% e 25% o consumo de energia elétrica para evitar multas.
O Ciesp estima uma queda na produção industrial e um impacto negativo de pelo menos R$ 30 milhões por mês nas empresas de 19 cidades da região.
O setor hoteleiro do Circuito das Águas, por sua vez, prevê um investimento de R$ 400 mil para comprar geradores. Com isso, os empresários do turismo pretendem garantir o conforto dos turistas e evitar a queda no movimento no inverno.


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