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Polarização de 64 persiste nas interpretações atuais
MURILO FIUZA DE MELO
DA SUCURSAL DO RIO
Passados 40 anos do golpe de
1964, a polarização político-ideológica, alimentada pela Guerra
Fria e que serviu de combustível
para que militares tomassem o
poder, ainda persiste no pensamento de personagens da época e
de especialistas no assunto.
Militares, empresários, religiosos e pesquisadores divergem sobre os reais motivos do golpe.
O historiador Jorge Luiz Ferreira, do Departamento de História
da UFF (Universidade Federal
Fluminense) defende a idéia de
que "a esquerda pretendia fazer as
reformas de base, nem que para
isso fosse preciso fechar o Congresso".
Após a experiência parlamentarista, de setembro de 1961 a janeiro de 1963, Jango assumiu seu
mandato em meio a uma crise
econômica, com uma inflação
que chegara a 52% no ano anterior. A idéia era conciliar metas de
contenção financeira com a retomada do crescimento e as propostas reformistas, reivindicadas
por sua base política, composta
por partidos de esquerda e pelos
sindicatos.
A estratégia não deu certo, e
Jango resolveu buscar o apoio popular país afora em comícios públicos -o da Central do Brasil, no
Rio de Janeiro, em 13 de março de
1964, seria o primeiro. Pretendia
pressionar o Congresso, onde não
tinha maioria, para aprovar as reformas sociais.
Para o cientista político Caio
Navarro de Toledo, da Unicamp
(Universidade Estadual de Campinas), as esquerdas que cercavam Jango foram responsáveis
pelo "agravamento do processo
político" que resultou no golpe,
mas não tinham a intenção de pôr
fim à ordem democrática.
"A idéia de que o golpe de 64 foi
preventivo é errada", afirma ele,
para quem as declarações de líderes de esquerda a favor do golpe,
como a do então deputado Leonel
Brizola, eram "bravatas".
O sociólogo Hélio Jaguaribe
concorda: "A única coisa que
ocorreu com João Goulart foi que,
de uma maneira infantil, ele aceitou as provocações retóricas de
Brizola [então deputado federal
pelo PTB da Guanabara], numa
disputa em busca de maior popularidade".
Para Jaguaribe, os conservadores insatisfeitos com o governo
"exacerbaram" a disputa entre
Jango e Brizola, provocando o
desfecho golpista. "Ou seja, golpismo só havia na direita."
No comício da Central, Jango
anunciou a encampação de refinarias, a realização da reforma
agrária, o controle de aluguéis e a
extensão do direito de voto a sargentos e praças.
O discurso provocou uma ruidosa reação da elite empresarial e
das classes médias urbanas, canalizada na Marcha da Família com
Deus pela Liberdade, que começou em São Paulo e se estendeu
por todo o país. Havia um medo
comum: a chamada "comunização" do país.
"Eu assisti a última conversa de
d. Jaime [Câmara, arcebispo do
Rio de Janeiro em 1964] com
Goulart. O cardeal estava muito
preocupado com a situação porque Jango se deixou envolver pelos comunistas. O presidente disse concordar com d. Jaime, mas
afirmou que não podia voltar
atrás", diz o monsenhor Ivo Calliari, assessor particular de d. Jaime, um dos organizadores da reação a Jango no Rio e considerado
o "cardeal da revolução".
Para o arcebispo de Santa Maria, d. Ivo Lorscheiter, na época
bispo auxiliar de Porto Alegre, o
apoio da Igreja ao golpe se deu
por dois motivos: a "luta contra a
subversão e a corrupção".
"Os militares diziam que estavam querendo guardar as instituições, mas não podemos esquecer que houve exageros depois,
como o desrespeito aos direitos
humanos", afirma.
Para militares, o que levou ao
golpe foi a quebra da hierarquia
militar, caracterizada pela anistia
aos participantes da Revolta dos
Marinheiros, em 25 de março de
1964, e pelo discurso do presidente em apoio aos sargentos, cinco
dias depois, no Automóvel Clube
do Brasil, no Rio.
"Eu só participei da revolução
de 64 porque achava que a desordem estava campeando no país e
basicamente a indisciplina estava
generalizada nas Forças Armadas. Naquele momento, não estava pensando em combater o comunismo", afirma o general
Newton Cruz, chefe da Agência
Central do SNI (Serviço Nacional
de Informações) no governo João
Figueiredo (1979-1985)
Para o ex-ministro do Exército
general Leônidas Pires Gonçalves,
que foi assessor do presidente
Castello Branco, os militares impediram o país de se transformar
em uma segunda Cuba.
"A revolução salvou o Brasil de
ser um Cubão, mas essas coisas
têm preço. Ficam batendo nessa
história de tortura e morte, mas
não podemos esquecer que eles
[os opositores ao regime] também torturaram e mataram. Era
uma guerra."
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