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NO PLANALTO
Governo é droga, vicia e mata
JOSIAS DE SOUZA
DIRETOR DA SUCURSAL DE BRASÍLIA
O governo deflagrou
uma virulenta cruzada
contra o fumo. A face mais visível da campanha são mensagens publicitárias veiculadas
na TV. Elas são dirigidas especialmente aos jovens. Utilizou-se linguagem dura.
"Caucau do pó, pra você como seria a propaganda de drogas pesadas?", indaga, na pele
de repórter, o personagem de
um dos filmetes.
"Bom", responde, rosto encapuzado, o outro personagem,
traficante de drogas, "a propaganda poderia ter um monte de
gente bonita, lugares exóticos,
só a moçada sarada. Pessoas
praticando esporte, pra dar a
impressão de que a droga não
vicia..."
E o repórter: "Qualquer semelhança com a propaganda de
cigarro não é mera coincidência. O cigarro é droga, vicia e
mata".
À frente do esforço governamental para tentar dobrar a espinha da indústria do fumo no
Brasil, o ministro José Serra
(Saúde) também aboliu o eufemismo de seus pronunciamentos sobre o tema. Ele costuma se
referir aos fabricantes de cigarro como "a indústria do sofrimento e da morte".
Fustigada nos países desenvolvidos, sobretudo nos Estados
Unidos, onde vem sendo condenada a pagar indenizações milionárias, a turma do tabaco
tenta recuperar terreno aumentando as vendas nos países
pobres. O esforço do governo
brasileiro seria, assim, correto,
corretíssimo. Seria...
O diabo é a falta de coerência.
A mão que apedreja é a mesma
que afaga, eis o que se deseja
realçar.
Serra talvez não saiba (poucos sabem), mas ao mesmo
tempo em que promove o linchamento público do cigarro,
nivelando-o à cocaína, o governo financia com dinheiro barato (juros anuais de 5,75%) a
plantação de fumo no Sul do
país. O dinheiro sai do Pronaf,
o festejado programa oficial de
estímulo à agricultura familiar.
Só em 99, Brasília liberou R$
1,7 bilhão para financiar a chamada lavoura familiar, desenvolvida em pequenas propriedades. Desse total, cerca de R$ 1
bilhão foi para a região Sul, de
onde sai praticamente todo o
fumo usado na fabricação de
cigarros no Brasil.
A administração antitabagista de FHC enterrou na plantação de fumo no ano passado algo como R$ 250 milhões. É dinheiro bastante para incluir no
Orçamento da República, pelos
próximos 55 anos, a repetição
da campanha publicitária que
Serra acaba de pôr na rua.
Argumenta-se na Esplanada
dos Ministérios que o dinheiro
da Viúva que vai para o fumo
mantém uma legião de 400 mil
pessoas ocupadas. Tolice. O que
dá de comer a toda essa gente
não é o Pronaf, mas a liquidez
de suas lavouras. Se o governo
cortar a verba amanhã, no dia
seguinte a Souza Cruz e a Philip Morris estarão bancando,
elas próprias, o custeio dos
agricultores. No Brasil, costumam encalhar feijão e arroz.
Fumo, jamais.
De resto, se o que deseja é
manter gente ocupada, basta
ao governo mudar de lado. Em
vez de financiar o vício, a doença e a morte, pode reforçar o orçamento dos hospitais que ainda se dedicam ao tratamento
do câncer, sempre tão oneroso.
Em tempo: o governo irá criar
um banco de dados para tentar
acompanhar melhor os gastos
sociais. Da liberação à aplicação. Vai se chamar Ícone. Parte
das informações será disponibilizada na Internet. Pretende-se melhorar o desempenho do
Brasil no Índice de Desenvolvimento Humano da ONU, o incômodo IDH. Nada como um
ano eleitoral para injetar criatividade na administração pública.
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