São Paulo, domingo, 28 de maio de 2000


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Novo papel do Estado é discutido

DO CONSELHO EDITORIAL

Roberto Mangabeira Unger, filósofo da Universidade Harvard e pré-candidato do PPS em São Paulo, costuma ironizar a "Terceira Via" (ou "Progressive Governance", como foi rebatizada) com uma frase curta e grossa: "É o neoliberalismo com desconto".
É claro que os defensores do modelo discordam. Luiz Carlos Bresser Pereira, representante pessoal de FHC para os diálogos de Florença e agora Berlim, prefere batizar o movimento de "Nova Esquerda" e aponta a seguinte diferença, a seu ver fundamental:
"A esquerda está disposta a arriscar a ordem em nome da igualdade, enquanto a direita privilegia sempre a ordem em relação à igualdade".
Vilmar Faria, o assessor pessoal de FHC no Palácio do Planalto, vai no mesmo caminho:
"Governo progressista seria um governo que, ao mesmo tempo que reconhece a importância do funcionamento hígido e saudável dos mercados, sabe que uma nação não se confunde com o mercado. O Estado tem funções que o mercado não pode resolver".
Faria alinha uma segunda "idéia-força" a mover "governos progressistas": "A promoção da igualdade de oportunidades, entendida como a convicção de que, ao longo do ciclo de vida das pessoas, há momentos críticos em que o Estado tem quer interferir para aumentar a igualdade de oportunidades".
Resume Bresser Pereira: "A nova esquerda parte do princípio de que não existe alternativa ao capitalismo. Acredita no mercado, mas acha que é incompleto e que, por isso, é fundamental ter um Estado muito forte para regular o mercado e corrigir suas falhas".
Reforça Anthony Giddens, o ideólogo da "Terceira Via": "Os trabalhos de Joseph Stiglitz (ex-vice-presidente do Banco Mundial, que saiu atirando contra a ortodoxia) mostram que tanto as políticas de desenvolvimento centradas no Estado como as assentadas exclusivamente no mercado mostraram-se falhas. É necessário um enfoque mais sutil".
Formulações teóricas à parte, os governos que se dizem "progressistas" tem um desempenho misto quando se passa à prática.
Bresser jura que o governo FHC, por exemplo, "gasta no social tudo o que pode, sem comprometer o ajuste fiscal, que não é uma questão de direita ou de esquerda, mas de inteligência".
Recente estudo da Cepal (Comissão Econômica para a América Latina, organismo da ONU) dá razão a Bresser, ao apontar o fato de que todos os governos da região aumentaram o gasto social.
O problema é que o mesmo estudo ("A brecha da equidade, uma segunda avaliação") mostra que os resultados foram pífios.
O número absoluto de pobres nos 19 países da América Latina para os quais há dados atingiu, no início do ano, um recorde (224 milhões de pessoas vivem com no máximo US$ 2 por dia).
Em números relativos, houve de fato uma queda (de 40% para 36%), mas, ainda assim, é uma porcentagem superior aos 35% encontrados em 1980, o ano em que se inicia a chamada "década perdida" na região, caracterizada pelo estancamento econômico.
Para a Cepal, a principal explicação para o mau resultado é o insuficiente crescimento econômico (3,2% ao ano entre 1990 e 1999, contra 5,5% entre 45 e 80).
Mas a explicação colide com o exemplo norte-americano. Apesar de um década de crescimento forte, a porcentagem de pobres nos EUA, em 1998 (último ano para o qual há dados disponíveis), era de 12,7% da população, abaixo do pico de 15,1% alcançado em 1993, mas superior aos registros dos anos 70.
Tudo somado, parece razoável concluir que a "Progressive Governance" deu solidez ao mercado, mas não avançou na igualdade. Resta saber se os mandatários reunidos em Berlim aceitam a conclusão e que consequências extraem dela. (CR)


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