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Novo papel do Estado é discutido
DO CONSELHO EDITORIAL
Roberto Mangabeira Unger, filósofo da Universidade Harvard e
pré-candidato do PPS em São
Paulo, costuma ironizar a "Terceira Via" (ou "Progressive Governance", como foi rebatizada)
com uma frase curta e grossa: "É o
neoliberalismo com desconto".
É claro que os defensores do
modelo discordam. Luiz Carlos
Bresser Pereira, representante
pessoal de FHC para os diálogos
de Florença e agora Berlim, prefere batizar o movimento de "Nova
Esquerda" e aponta a seguinte diferença, a seu ver fundamental:
"A esquerda está disposta a arriscar a ordem em nome da igualdade, enquanto a direita privilegia
sempre a ordem em relação à
igualdade".
Vilmar Faria, o assessor pessoal
de FHC no Palácio do Planalto,
vai no mesmo caminho:
"Governo progressista seria um
governo que, ao mesmo tempo
que reconhece a importância do
funcionamento hígido e saudável
dos mercados, sabe que uma nação não se confunde com o mercado. O Estado tem funções que o
mercado não pode resolver".
Faria alinha uma segunda
"idéia-força" a mover "governos
progressistas": "A promoção da
igualdade de oportunidades, entendida como a convicção de que,
ao longo do ciclo de vida das pessoas, há momentos críticos em
que o Estado tem quer interferir
para aumentar a igualdade de
oportunidades".
Resume Bresser Pereira: "A nova esquerda parte do princípio de
que não existe alternativa ao capitalismo. Acredita no mercado,
mas acha que é incompleto e que,
por isso, é fundamental ter um Estado muito forte para regular o
mercado e corrigir suas falhas".
Reforça Anthony Giddens, o
ideólogo da "Terceira Via": "Os
trabalhos de Joseph Stiglitz (ex-vice-presidente do Banco Mundial,
que saiu atirando contra a ortodoxia) mostram que tanto as políticas de desenvolvimento centradas no Estado como as assentadas
exclusivamente no mercado mostraram-se falhas. É necessário um
enfoque mais sutil".
Formulações teóricas à parte, os
governos que se dizem "progressistas" tem um desempenho misto quando se passa à prática.
Bresser jura que o governo
FHC, por exemplo, "gasta no social tudo o que pode, sem comprometer o ajuste fiscal, que não é
uma questão de direita ou de esquerda, mas de inteligência".
Recente estudo da Cepal (Comissão Econômica para a América Latina, organismo da ONU) dá
razão a Bresser, ao apontar o fato
de que todos os governos da região aumentaram o gasto social.
O problema é que o mesmo estudo ("A brecha da equidade,
uma segunda avaliação") mostra
que os resultados foram pífios.
O número absoluto de pobres
nos 19 países da América Latina
para os quais há dados atingiu, no
início do ano, um recorde (224
milhões de pessoas vivem com no
máximo US$ 2 por dia).
Em números relativos, houve de
fato uma queda (de 40% para
36%), mas, ainda assim, é uma
porcentagem superior aos 35%
encontrados em 1980, o ano em
que se inicia a chamada "década
perdida" na região, caracterizada
pelo estancamento econômico.
Para a Cepal, a principal explicação para o mau resultado é o insuficiente crescimento econômico (3,2% ao ano entre 1990 e 1999,
contra 5,5% entre 45 e 80).
Mas a explicação colide com o
exemplo norte-americano. Apesar de um década de crescimento
forte, a porcentagem de pobres
nos EUA, em 1998 (último ano
para o qual há dados disponíveis),
era de 12,7% da população, abaixo
do pico de 15,1% alcançado em
1993, mas superior aos registros
dos anos 70.
Tudo somado, parece razoável
concluir que a "Progressive Governance" deu solidez ao mercado, mas não avançou na igualdade. Resta saber se os mandatários
reunidos em Berlim aceitam a
conclusão e que consequências
extraem dela.
(CR)
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