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EDUCAÇÃO
Estado não está efetuando pagamento de R$ 25 por mês do programa bolsa-escola, do governo federal
Crianças voltam a colher laranja nos campos de Sergipe
ARI CIPOLA
DA AGÊNCIA FOLHA, EM SERGIPE
O atraso de três meses no pagamento da bolsa-escola do governo federal está levando de volta ao
trabalho dos laranjais do sul de
Sergipe parte das 9.200 crianças
atendidas pelo programa.
Elas estão cadastradas no Peti
(Programa de Erradicação do
Trabalho Infantil) e teriam de receber R$ 25 mensais para ficar
mais tempo na escola sem ter de
trabalhar nos campos da região, a
terceira maior produtora de laranja do país. "Todo mundo está
levando os filhos para o trabalho
quando aparece emprego. Não tenho medo de falar. O governo paga pouco e atrasado. Há pouco
trabalho e muita fome", disse José
Domingos Cardoso dos Santos,
38, pai de Agnaldo, 14.
Agnaldo vestia uma camiseta
suja e rasgada do Peti de Pedrinhas (SE). "Se não trabalho não
tenho roupa nem comida. Não
posso ficar de bolso pelado", disse
o garoto, que voltou a trabalhar
em janeiro. Além de calejadas pelo serviço acumulado nos laranjais e na roça do pai, suas mãos
possuem a marca de quem trabalha na região: a quase inexistência
de impressões digitais.
"O ácido do suco da casca da laranja vai lixando a camada córnea
da pele, uma lesão que só é revertida após meses de não contato
com a fruta", afirmou o dermatologista Cedro Portugal, de Aracaju (SE). Como o ""não contato"
acaba sendo raro, os meninos
passam boa parte da vida tendo a
certidão de nascimento como
único documento -sem digitais
visíveis, não conseguem tirar carteira de identidade.
A falta de regularidade no pagamento das bolsas se agravou neste
ano. Os meses de janeiro e fevereiro só foram pagos no dia 29 de
março passado. Sergipe, que recebeu a verba do governo federal no
dia 18 de maio, promete pagar
março e abril ainda esta semana.
"Os atrasos vão decretar a extinção do programa. É jogar no lixo
anos de luta para levar um pouco
de cidadania a essas crianças que
estavam aprendendo a brincar
agora", afirmou o presidente do
Sindicato dos Trabalhadores na
Citricultura de Sergipe, Carlos Alberto Gato de Oliveira.
O governo estadual estima que
25 mil meninos e meninas entre 8
e 14 anos trabalhavam nas lavouras de laranja e mangaba da região. A Agência Folha percorreu
900 quilômetros entre 7 dos 14
municípios que compõem o pólo
citrícola de Sergipe, que tem produção anual média de 700 mil toneladas de laranja.
Em Pedrinhas, por exemplo,
professoras e a secretária de Ação
Social do município, Josefa Santana Rocha, estão preocupadas com
a evasão escolar. Dos 230 estudantes da jornada ampliada
-atividades no segundo período
do dia-, 80 estão com frequência
próxima de zero.
"Sem o dinheiro da bolsa, os
pais não abrem mão do trabalho
dos filhos para compor a renda da
família", afirmou. "Se não fosse o
almoço e o café da tarde, não tinha mais nenhum aluno aqui."
A secretária disse que não pode
puni-los com a exclusão do programa, como está previsto, devido ao fato de que o governo federal não cumpre com regularidade
a "sua parte no contrato".
Erradicar o trabalho infantil nos
laranjais se torna mais difícil por
causa da preferência que os produtores locais dão ao trabalho dos
jovens, considerado mais eficiente do que o dos adultos.
Mais leves e ágeis, os meninos
sobem nos pés de laranja fazendo
a colheita mais rápida e sem quebrar galhos que produzirão novos
frutos. O mesmo não acontece
com os adultos, que usam uma
vara com gancho para pegá-las.
O presidente da Associação dos
Produtores de Laranja de Sergipe,
Nelson de Araújo Costa, diz que
acha "normal" o trabalho de
crianças com mais de 10 anos.
"Colher e juntar laranja não é penoso. É uma brincadeira de criança. Pode ser que até exista abuso.
A proibição do trabalho de crianças com mais de 10 anos aumenta
a pobreza. Vai gerar prostituição e
crime nas cidades maiores."
A reportagem constatou que a
maioria das pessoas que colhem
laranja tem entre 15 e 17 anos, o
que é proibido pelo artigo 7�, inciso 33, da Constituição, segundo o
juiz da Infância e Adolescência de
Boquim (SE), Diogines Barreto.
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