São Paulo, domingo, 28 de maio de 2000


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EDUCAÇÃO
Estado não está efetuando pagamento de R$ 25 por mês do programa bolsa-escola, do governo federal
Crianças voltam a colher laranja nos campos de Sergipe

ARI CIPOLA
DA AGÊNCIA FOLHA, EM SERGIPE

O atraso de três meses no pagamento da bolsa-escola do governo federal está levando de volta ao trabalho dos laranjais do sul de Sergipe parte das 9.200 crianças atendidas pelo programa.
Elas estão cadastradas no Peti (Programa de Erradicação do Trabalho Infantil) e teriam de receber R$ 25 mensais para ficar mais tempo na escola sem ter de trabalhar nos campos da região, a terceira maior produtora de laranja do país. "Todo mundo está levando os filhos para o trabalho quando aparece emprego. Não tenho medo de falar. O governo paga pouco e atrasado. Há pouco trabalho e muita fome", disse José Domingos Cardoso dos Santos, 38, pai de Agnaldo, 14.
Agnaldo vestia uma camiseta suja e rasgada do Peti de Pedrinhas (SE). "Se não trabalho não tenho roupa nem comida. Não posso ficar de bolso pelado", disse o garoto, que voltou a trabalhar em janeiro. Além de calejadas pelo serviço acumulado nos laranjais e na roça do pai, suas mãos possuem a marca de quem trabalha na região: a quase inexistência de impressões digitais.
"O ácido do suco da casca da laranja vai lixando a camada córnea da pele, uma lesão que só é revertida após meses de não contato com a fruta", afirmou o dermatologista Cedro Portugal, de Aracaju (SE). Como o ""não contato" acaba sendo raro, os meninos passam boa parte da vida tendo a certidão de nascimento como único documento -sem digitais visíveis, não conseguem tirar carteira de identidade.
A falta de regularidade no pagamento das bolsas se agravou neste ano. Os meses de janeiro e fevereiro só foram pagos no dia 29 de março passado. Sergipe, que recebeu a verba do governo federal no dia 18 de maio, promete pagar março e abril ainda esta semana.
"Os atrasos vão decretar a extinção do programa. É jogar no lixo anos de luta para levar um pouco de cidadania a essas crianças que estavam aprendendo a brincar agora", afirmou o presidente do Sindicato dos Trabalhadores na Citricultura de Sergipe, Carlos Alberto Gato de Oliveira.
O governo estadual estima que 25 mil meninos e meninas entre 8 e 14 anos trabalhavam nas lavouras de laranja e mangaba da região. A Agência Folha percorreu 900 quilômetros entre 7 dos 14 municípios que compõem o pólo citrícola de Sergipe, que tem produção anual média de 700 mil toneladas de laranja.
Em Pedrinhas, por exemplo, professoras e a secretária de Ação Social do município, Josefa Santana Rocha, estão preocupadas com a evasão escolar. Dos 230 estudantes da jornada ampliada -atividades no segundo período do dia-, 80 estão com frequência próxima de zero.
"Sem o dinheiro da bolsa, os pais não abrem mão do trabalho dos filhos para compor a renda da família", afirmou. "Se não fosse o almoço e o café da tarde, não tinha mais nenhum aluno aqui."
A secretária disse que não pode puni-los com a exclusão do programa, como está previsto, devido ao fato de que o governo federal não cumpre com regularidade a "sua parte no contrato".
Erradicar o trabalho infantil nos laranjais se torna mais difícil por causa da preferência que os produtores locais dão ao trabalho dos jovens, considerado mais eficiente do que o dos adultos.
Mais leves e ágeis, os meninos sobem nos pés de laranja fazendo a colheita mais rápida e sem quebrar galhos que produzirão novos frutos. O mesmo não acontece com os adultos, que usam uma vara com gancho para pegá-las.
O presidente da Associação dos Produtores de Laranja de Sergipe, Nelson de Araújo Costa, diz que acha "normal" o trabalho de crianças com mais de 10 anos. "Colher e juntar laranja não é penoso. É uma brincadeira de criança. Pode ser que até exista abuso. A proibição do trabalho de crianças com mais de 10 anos aumenta a pobreza. Vai gerar prostituição e crime nas cidades maiores."
A reportagem constatou que a maioria das pessoas que colhem laranja tem entre 15 e 17 anos, o que é proibido pelo artigo 7�, inciso 33, da Constituição, segundo o juiz da Infância e Adolescência de Boquim (SE), Diogines Barreto.


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