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ENTREVISTA DA 2�
SÉRGIO RENAULT
Responsável pela promoção da reforma do Judiciário diz que lentidão beneficia pessoas poderosas
Para secretário, Justiça precisa deixar de ser um "bom negócio"
UIRÁ MACHADO
DA REDAÇÃO
O mau funcionamento do Judiciário no Brasil beneficia algumas
pessoas e empresas poderosas
-até mesmo o governo- e, por
isso, "as coisas permanecem como estão". É um "bom negócio"
que precisa deixar de existir.
A avaliação é de Sérgio Renault,
secretário da Reforma do Judiciário do Ministério da Justiça. Ele
afirma que a lentidão da Justiça
favorece quem não quer resolver
suas dívidas e torna vantajoso ter
uma ação judicial.
"A utilização do Judiciário não
pode ser um bom negócio. A utilização do Judiciário deve ser para
que as pessoas possam defender
ou perseguir os seus direitos."
Renault, que se diz "muito contente com a atuação da secretaria"
e critica a falta de empenho de governos anteriores para aprovar a
reforma do Judiciário, afirma que
as mudanças na Constituição Federal (que modificam o funcionamento da estrutura judicial e
criam o controle externo, entre
outras) e na legislação processual
(que visam combater a lentidão
da Justiça) atendem a dois interesses fundamentais: o da cidadania e o da economia.
O secretário afirma, no entanto,
que a melhoria do Judiciário não
virá de uma atitude isolada e que
não se pode imaginar "uma solução mágica". A solução vem, diz
ele, de uma "série de medidas tomadas em conjunto". A reforma
processual é uma delas. Renault
espera que esteja aprovada já no
primeiro semestre de 2005.
Folha - Avalie a atuação da Secretaria de Reforma do Judiciário.
Sérgio Renault - Eu estou muito
contente com a atuação da secretaria. Nós conseguimos cumprir
um papel que justificasse a sua
criação. Houve uma resistência
muito grande quando ela foi criada, havia uma incompreensão de
parte da magistratura sobre a necessidade de se criar uma secretaria como essa.
Eu acho que nós conseguimos
demonstrar que havia sim um papel a ser cumprido pelo Executivo, como alguém que pudesse intervir na discussão sobre a reforma e outros assuntos relacionados à melhoria do Judiciário. Foi
um papel de indução de iniciativas de novas propostas, de interlocução com outros setores.
A aprovação da reforma constitucional foi um fato importante.
A entrada do governo nessa discussão, na minha
análise, foi o que
permitiu sua
aprovação -tanto é que o projeto
vinha sendo discutido havia anos.
Folha - Faltou
empenho nos governos anteriores?
Renault - Eu
acho que faltou,
sim. Faltou estabelecer a reforma
do Judiciário como prioridade.
Nenhum governo
fez isso.
Folha - A quem
interessa a reforma
do Judiciário?
Renault - Eu
acho que interessa
à cidadania, às
empresas, aos investidores, a todos aqueles que dependem ou se
relacionam com o Judiciário. Um
melhor funcionamento do Judiciário é uma questão fundamental
para o desenvolvimento do país.
[A reforma] interessa à cidadania, às empresas [...] Um
melhor funcionamento do Judiciário é fundamental para o
desenvolvimento do país
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Há um interesse democrático,
do ponto de vista de reafirmação
da cidadania, mas há um interesse
que tem a ver com a economia,
que tem a ver com o custo Brasil,
com a fuga de capitais, com a possibilidade de as empresas terem
maior previsibilidade das decisões judiciais, de terem condições
de fazer investimentos sabendo
que o mau funcionamento do Judiciário não é um empecilho.
Acho que os dois interesses fundamentais que podem ser identificados são esses: um é o da cidadania e o outro é o da economia.
Folha - Um Judiciário que funciona é o quê? É um Judiciário rápido,
previsível ou que faz justiça?
Renault - Acho que as três coisas.
Tem de ter maior previsibilidade,
tem de ter rapidez e simplicidade
e tem de ser menos excludente
-no sentido de ser mais acessível. Hoje não temos isso. O volume de processos é muito alto, mas
esse volume está concentrado nas
mãos de poucas empresas, que
são as grandes empresas.
Folha - Como fazer para tornar o
Judiciário um órgão previsível?
Renault - As regras do jogo têm
de estar mais claras, mais fáceis de
serem compreendidas. A previsibilidade deve decorrer de uma
maior racionalidade da legislação
que regula os procedimentos judiciais. Isso em termos de tempo e
em termos de resultados. Principalmente em termos de tempo. O tempo da tramitação dos processos tem de ser um
tempo uniforme, e as
decisões, justas e
economicamente
viáveis.
Folha - Não há um
problema estrutural
que pode impedir a
reforma de dar certo?
Renault - A reforma
-e a melhoria do
Judiciário- não virá
de uma atitude isolada. Ela vem de uma
série de medidas tomadas em conjunto.
A questão é que nós
estamos tomando
também outras medidas que se relacionam com o
processo inteiro, que devem fazer
com que os processos tramitem
com maior rapidez e descongestionem um pouco os tribunais.
O problema é o volume de processos, é a demora na tramitação,
a lentidão, a falta de informatização que temos em São Paulo, por
exemplo. O que não se pode imaginar é uma solução mágica.
Folha - Com relação à reforma
processual, quais são os objetivos
da secretaria?
Renault - Os objetivos fundamentais são trazer maior rapidez
à tramitação dos processos, dar
maior efetividade às decisões de
primeiro grau e punir ou impedir
uma utilização predatória do Poder Judiciário.
Essa demora do Judiciário tem
uma certa utilidade. Isso beneficia
as pessoas que não querem pagar,
não querem resolver ou querem
protelar suas dívidas etc. A utilização do Judiciário não pode ser
um bom negócio. A utilização do
Judiciário deve ser para que as
pessoas possam defender ou perseguir os seus direitos.
Folha - Como isso será feito?
Renault - Com disposições referentes à simplificação dos recursos, criando-se impedimentos a
que os recursos tenham essa utilização meramente protelatória.
Também há medidas que visam à
simplificação de procedimentos.
Tem a punição e criação de artifícios para que as pessoas que se
utilizam dessa maneira predatória do Judiciário sejam punidas.
Nosso desafio, aí, são dois: simplificar o sistema e garantir o direito
de defesa das pessoas.
Folha - Na reforma constitucional, buscou-se a cidadania e a economia. Podemos dizer que essa reforma processual está mais a serviço do cidadão comum?
Renault - Ela também está a serviço das empresas que cumprem
suas obrigações. Essa é a questão
fundamental. Ela tem um impacto na cidadania, de acesso, de utilidade, de simplificação mas tem
também um impacto econômico
na medida em que ela tende a ter
um resultado positivo do ponto
de vista do crédito no Brasil.
Hoje, o que nós sabemos é que,
na composição dos juros bancários, do custo do dinheiro, essa
questão da demora na captação
de dinheiro e de obtenção de resultados efetivos na recuperação
do crédito tem um impacto. A demora, a lentidão na Justiça, a
complicação, a complexidade que
se tem para se obter resultados
têm um impacto econômico.
Folha - Muitas empresas e muitos
bancos se aproveitam dessa lentidão do Judiciário quando estão em
litígio com uma parte mais fraca
que não suporta uma longa demanda judicial. Não há o risco de
haver um lobby para serem aprovados apenas os dispositivos que
beneficiam essas empresas?
Renault - Acho que não. Nós estamos num movimento muito
amplo para viabilizar essas ações.
Acho que não há condições de levantar essa bandeira publicamente no Brasil. Seria uma vergonha.
Essa utilização do Judiciário com
o objetivo de se ganhar dinheiro
não deve ocorrer.
A utilização do Judiciário não pode ser um bom negócio. A utilização deve ser para que as pessoas possam defender ou perseguir os seus direitos
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Mas você tem razão. Muitas vezes o banco ou a empresa se vale
disso. Acaba sendo um bom negócio ter uma ação judicial. Isso
tem de deixar de existir. Esse
componente de bom negócio é
que se deve retirar dessa relação
judicial. É ruim para o Brasil e para o Judiciário. Só traz benefício
para algumas empresas, para algumas pessoas.
É importante deixar claro que o
mau funcionamento do Judiciário tem uma certa
utilidade, beneficia algumas pessoas. E é por isso
certamente que as
coisas permanecem como estão,
porque são pessoas poderosas.
Muitas vezes, envolve até o interesse do governo. É
uma luta importante porque tem a
ver com o aperfeiçoamento da democracia, das instituições.
Folha - Um dos
pontos da reforma
trata da utilização
de muitos recursos.
Estabelece multas, por exemplo.
Mas o governo é um dos maiores litigantes.
Renault - O que se pretende em
relação ao governo é a mesma coisa que se pretende em relação aos
demais. É tirar esse componente
de bom negócio. O que se pretende é tirar o componente de irracionalidade e de bom negócio que
é o recurso no Judiciário.
Nesse sentido, o tratamento que
está sendo dado à iniciativa privada é o mesmo que está se dando à
administração pública. Isso é positivo. Não vejo razão nenhuma
para se dar um tratamento privilegiado à administração pública
nesse sentido.
Folha - Um artigo fala em aumentar em até 50% o valor da causa ou
da condenação nos casos de utilização de ações contra o mesmo réu.
Não é muito oneroso?
Renault - É para ser oneroso,
mesmo. É para desestimular. O
objetivo aqui é punir violentamente. As penalidades que estão
sendo previstas são altas exatamente porque têm de ser altas o
suficiente para se tornar desestimuladoras desse tipo de procedimento. É uma tentativa de fazer
com que essa postura deixe de ser
vantajosa.
Folha - A reforma processual, ao
contrário da constitucional, que foi
feita por emenda, está sendo feita
por uma série de projetos de lei.
Como a secretaria vai agir para garantir a aprovação do conjunto?
Renault - O que é importante
que se diga é que, nesse momento,
estamos diante de um conjunto
de propostas de uma
amplitude muito
grande e apresentadas de uma forma
como nunca se fez. A
novidade é essa. A
expectativa que nós
temos é que isso viabilize a aprovação
dos projetos.
Vai ser criada uma
comissão mista com
senadores e deputados, já estamos em
entendimento nesse
sentido, para mostrar o empenho do
governo nessa aprovação. O empenho
do governo deve facilitar a aprovação.
A expectativa que
nós temos é que, pela
atuação do governo,
pela prioridade que o governo está dando e pela sensibilidade que
eu percebo em alguns deputados
e senadores em relação a isso, eu
acho que a possibilidade de aprovação do conjunto é bastante
grande. Isso ainda no primeiro semestre de 2005.
Folha - Uma vez aprovados os
projetos, qual o próximo passo da
secretaria?
Renault - Nós temos alguns outros projetos. Esse conjunto não
esgota a necessidade de modernização e atualização processual.
Temos outras propostas em estudo relativas ao processo. Temos
uma atuação ainda grande com
relação à modernização da gestão. Tivemos a reforma constitucional, a processual, e tem a da
gestão. Precisamos modernizar a
gestão, que é fundamental para
que tenhamos um Judiciário adequado ao nosso tempo. O acompanhamento da Constituição e da
entrada em funcionamento do
Conselho Nacional de Justiça são
também atividades essenciais.
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