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JANIO DE FREITAS
Além do sim e do não
Na solução pensada por
importantes juristas para
aprimorar o regime democrático
no Brasil, o referendo de hoje deveria inaugurar a adoção permanente dessas decisões diretas dos
cidadãos em assuntos relacionados com preocupações ou aspirações da sociedade em geral. Democracia direta é o nome dado a
tal método de participação. Como teste, o referendo de hoje deixa (ou confirma) algumas indicações inquietantes.
A divergência que hoje se decide não é irrelevante. A começar
de que se originou de um dos problemas mais perturbadores no
cotidiano de todos, qual seja a
perda total de controle sobre o
crescimento da violência. Outro
aspecto relevante no referendo é
a equivalência, entre as hipóteses
confrontadas, de argumentos fortes. O que não faltou, portanto,
foram razões para um debate sério, com informações tão amplas
quanto rigorosas, como precisa
uma população mal informada
de tudo.
Mas faltou esse debate no nível
necessário. Viram-se, de uma
parte e outra, alguns artigos de
bom nível, algumas reportagens
interessantes. Ainda que fossem
em grande número, e não foram,
a leitura de jornais e revistas é insignificante na população enorme. Para a grande maioria, a TV
foi, mais uma vez, a municiadora. Com a tendência, que é a parte da sua natureza, de a tudo nivelar por baixo. Os marqueteiros
logo foram convocados, certas
ONGs interessadas e negócios
idem ocuparam o espaço que lhes
convinha, não faltou exploração
político-eleitoreira -e o resultado foi uma campanha pouco esclarecedora e freqüentemente desonesta na pretensa argumentação, de um lado como de outro. O
alto teor emocional da questão,
proveniente de realidades perversas e da insuficiência informativa
em geral, fez o resto.
A campanha do referendo insinuou, em pequena escala, o que
se poderia esperar de campanhas
em torno de interesses graúdos
mesmo, de setores do poder econômico. Os referendos da democracia direta correriam o risco,
no Brasil, de ser deformados exatamente pelas deformações, institucionais e outras, que os inspirem.
Nessa realidade paradoxal
identificam-se fatores culturais
que estão à vista em toda parte.
Vê-los atenuados na medida conveniente não é coisa para o futuro
previsível. Mas as idéias básicas
da democracia direta são boas e,
como idéias, promissoras. No caso brasileiro, precisariam amparar-se em legislação e iniciativas
que as tornassem menos expostas
aos predadores interessados. Se
não forem tais idéias a prevalecer, outras de igual propósito precisam surgir com urgência. Não
estamos nos dando conta da degradação que atinge o Brasil: é
avassaladora, está em todos os recantos, de cima e de baixo, talvez
até mais em cima, nos níveis responsáveis pelas correções e orientações do país, do que nos níveis
que a percepção escassa e deformada culpa pela criminalidade
merecedora de referendos.
Quem olhar direito para o Brasil verá que é um caso urgente,
cuja gravidade está muito além
de um único sim ou não.
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