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ELIO GASPARI
Cuidado com as vivandeiras
Que há uma crise militar na
Aeronáutica, isso só os avestruzes não vêem. Aqui não será dita uma só palavra a respeito dessa controvérsia. Aliás,
o propósito deste artigo é sustentar a tese segundo a qual
assim como os militares não
devem falar de assuntos políticos, os civis não devem se meter em encrencas militares. Isso é coisa de vivandeira.
Essa expressão foi trazida ao
vocabulário político brasileiro
pelo marechal Humberto Castello Branco, em agosto de
1964, no auditório da Escola
de Comando e Estado Maior
do Exército. Reclamando dos
civis que chamavam seu governo de militarista, disse o seguinte:
"Eu os identifico a todos. E
são muitos deles, os mesmos
que, desde 1930, como vivandeiras alvoroçadas, vêm aos
bivaques bolir com os granadeiros e provocar extravagâncias do poder militar".
As vivandeiras sumiram da
política nacional em 1985,
quando o último dos generais-presidentes deixou o palácio
pela porta dos fundos. É compreensível que, passados 14
anos, surjam cócegas. Quem
sabe, um dia...
Nunca é demais lembrar o
que acontece às vivandeiras.
Percorrendo o passado recente, por ordem cronológica, sucede-lhes o seguinte:
1) João Goulart. Empossado
na Presidência da República
em 1961, a despeito da oposição dos três ministros militares, meteu-se a montar um
dispositivo nos quartéis. Acreditava que se o Congresso não
lhe desse as reformas que pedia, poderia valer-se da tropa
fiel e emparedá-lo. Acabou no
Uruguai.
Voltou morto ao Brasil, em
1976. O carro que trouxe seu
caixão teve que atravessar um
pedaço do Rio Grande do Sul
em alta velocidade, sem qualquer parada, até São Borja,
onde está sepultado.
2) Carlos Lacerda. Foi a
maior vivandeira da história
republicana. Boliu com os granadeiros em 1954 e abriu uma
crise que acabou no suicídio
de Getúlio Vargas. Aliou-se à
extravagância de 1964 achando que ela o levaria à Presidência da República. Acabou
preso, em 1968, num jirau do
quartel da PM do Estácio. Isso
noves fora a denúncia de que
o oficial que lhe organizara a
resistência no Palácio Guanabara, em março de 1964, planejava matá-lo em setembro
de 1968.
Esses dois casos podem levar
à impressão, falsa, de que são
as vivandeiras quem provocam as extravagâncias do poder militar. Esse foi o erro do
marechal Castello Branco.
Vacilou na hora de baixar o
chanfalho nos vivandados.
São vivandandos os granadeiros que saem à procura das
buliçosas vivandeiras.
Enquanto lhe conveio, o marechal Costa e Silva usou os
políticos para chegar à Presidência da República. Uma vez
lá, por inepto, fechou o Congresso e jogou o país numa ditadura. (Isso fazendo-se de
conta que o consulado de Castello não era ditadura.) O vivandado passou a perna nas
vivandeiras.
Vivandaram o empresariado, a banca e todas as instituições sindicais do patronato.
Repetindo: todas. Sabiam perfeitamente que havia centrais
de torturas nos quartéis. Financiaram-nas com caraminguás. Quando veio a conta do
porão, cadê a plutocracia? Conhecem-se nomes de oficiais
que se meteram em torturas,
mas não se conheceu um só
empresário que os estimulasse. (As montadoras do ABC
paulista, por exemplo, trocavam listas negras de trabalhadores com o aparelho de repressão política.)
As vivandeiras passaram a
perna nos vivandados. Deixaram a conta da repressão política nas costas dos militares e
foram tomar champanhe com
a turma da Nova República.
Acredita-se que houve uma
rebelião de empresários contra a ditadura. Lorota.
A primeira manifestação do
grande empresariado em defesa da democracia é de junho
de 1978. O general Sylvio Frota, ministro do Exército, fora
demitido em outubro do ano
anterior. Os estudantes tinham ido para a rua em março de 1977. O comandante do
2� Exército, general Ednardo
D'Avilla Mello, fora exonerado em janeiro de 1976, depois
da morte do operário Manuel
Fiel Filho.
Arrombaram uma porta
aberta. Levaram mais de quatro anos para entender que o
presidente Ernesto Geisel pretendia acabar com a anarquia
instalada nos bivaques.
Vivandeiras e vivandados
são vírus mutantes de uma
mesma praga. Deve-se aos
presidente civis, de José Sarney
a FHH, a condução dos negócios do Estado sem recursos a
esse tipo de malandragem política. Não é necessário que esse avanço da democracia brasileira seja ameaçado.
Vive-se muito bem numa situação como a que ocorreu
numa conversa do general
Geisel com um curioso. Ele lhe
perguntou quem era o novo
general promovido à quarta
estrela. (Chamava-se Jorge Sá
Freire de Pinho.) O presidente
respondeu:
- É um grande oficial e a
maior prova disso está no fato
de você não saber quem ele é.
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