São Paulo, Domingo, 21 de Novembro de 1999
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CRIME ORGANIZADO
Alto Solimões é porta de entrada da droga; país também é usado para lavagem de dinheiro
7 cartéis do tráfico agem na Amazônia

ELVIRA LOBATO
enviada especial a Tabatinga (AM)


Pelo menos sete organizações internacionais do tráfico de cocaína atuam na região amazônica do Alto Solimões, onde o país faz fronteira com o Peru e a Colômbia. Entre elas, está a Organização Rivera, comandada pelo colombiano Vicente Wilson Rivera Gonzalez, tido como o maior narcotraficante da América Latina, na atualidade.
Três organizações são colombianas. Apenas uma, identificada como Chico Matos, é brasileira. Duas são peruanas e a outra é paraguaia.
O Alto Solimões compreende sete municípios, que ocupam uma área de 142 mil quilômetros quadrados, equivalente à soma dos Estados do Rio, do Espírito Santo e da Paraíba. A região depende economicamente do narcotráfico e já faz parte da rota internacional da cocaína.
Tabatinga é o portão de entrada dessas organizações no país. A cidade tem posição estratégica no mapa do tráfico, pois faz fronteira aberta com a cidade de Letícia (Colômbia) e com o Peru, pelo rio Solimões. Segundo a Superintendência da Polícia Federal no Amazonas, há 450 pessoas oriundas do Alto Solimões (a maioria de Tabatinga) presas por tráfico de drogas no Brasil e no exterior.
As ramificações desses grupos no Brasil atuam na lavagem do dinheiro e no transporte da droga. No Brasil, obtêm a infra-estrutura (pilotos, aviões, barcos, combustível e pistas de pouso clandestinas) para recolher a pasta-base de cocaína no Peru e entregá-la aos laboratórios de refino da Colômbia. A mesma estrutura é usada para transportar a cocaína pura, ou cloridrato de cocaína, da Colômbia para entrepostos no Suriname, de onde segue para a Europa. Essa rota também é usada, embora em menor escala, para envio da droga para os EUA.

Chico Matos
As organizações que agem na área foram identificadas pela Comunidade Andina de Inteligência Policial, criada em junho de 97, que reúne as polícias federais do Brasil, da Colômbia, do Peru, do Chile, da Bolívia, do Panamá, da Venezuela e do Equador.
Segundo o delegado Mauro Spósito, secretário-executivo da entidade e chefe da Unidade de Projetos Especiais da Polícia Federal do Amazonas, a organização Chico Matos é uma dissidência da Organização Rivera. Ela é comandada por Francisco de Assis Rodrigues Matos.
Matos, segundo o delegado, foi surpreendido com 420 quilos de cocaína e condenado a oito anos de prisão pela PF do Amazonas, em 94, mas cumpre a pena em regime aberto por decisão do Tribunal Regional Federal de Brasília. A droga estava escondida no fundo falso de um barco que navegava no rio Solimões em direção ao Suriname, de onde seguiria para a Holanda.
De acordo com o delegado Mauro Spósito, Chico Matos tem ligações com o ex-ditador do Suriname Desi Butersi e acumulou um patrimônio pessoal superior a US$ 20 milhões. Segundo Spósito, ele já foi multado em R$ 30 milhões por contrabando.

Organização Rivera
A força da Organização Rivera na Amazônia ocidental (região que abrange Acre, Amazonas, Roraima e Rondônia) foi evidenciada em 95, com a apreensão, em Tocantins, de 7,5 toneladas de cocaína. A droga seria enviada para a Europa.
Na operação, foi preso o filho do líder, Vicente Wilson Rivera Ramos, o ""Vicentico". Condenado a 14 anos de prisão, ele cumpre a pena em Manaus e também está condenado na Holanda.
Na mesma operação, foi preso Mário Alberto Cano Gusman, o Tatá Cano, filho do ex-senador colombiano Antonio Cano Gusman. Tatá cumpriu parte da pena em Manaus e vive em regime de prisão aberta em Tabatinga.
A prisão de Tatá Cano e de Vicentico revelou um outro elo da Organização Rivera no Brasil: o financeiro. Na mesma operação, caiu um sobrinho do palestino naturalizado brasileiro Maruf Hassan Ibrahim, que, segundo a Polícia Federal, financiava 50% da carga apreendida. Pelos cálculos da polícia, as 7,5 toneladas valiam cerca de US$ 75 milhões.
""Maruf é o agiota do tráfico de cocaína no Brasil", diz Mauro Spósito. Segundo o delegado, o palestino vive em Ciudad del Este, fronteira do Paraguai com o Brasil. A Justiça Federal quebrou o sigilo bancário de Maruf, mas a providência resultou inútil, porque ele só possui conta bancária no Paraguai.
A Rivera tem sofrido baixas importantes no Brasil, mas continua a mais forte em atuação na Amazônia ocidental. Em 97, foi preso na cidade de Cajamar (SP) um dos coordenadores do grupo no país, Antônio da Mota Graça, o Curica, da cidade de Benjamin Constant (próxima a Tabatinga).
Na sequência, foi presa a mulher dele, a piloto de avião Sâmia Haddock Lobo, apelidada de ""baronesa do pó". A mãe de Curica é cunhada do ex-senador colombiano Antonio Gusman, e, em razão do vínculo familiar, Curica e a mulher ascenderam na Organização Rivera.
Sâmia, que é paulista de Vinhedo, foi condenada a quatro anos de prisão por sonegação de impostos e remessa ilegal de dinheiro para o exterior, mas a prisão foi substituída por trabalhos comunitários. Curica está preso em São Paulo, e ela vive em Itajaí (SC).
Com ajuda da DEA (Drug Enforcement Administration, dos EUA), a Polícia Federal localizou um depósito de US$ 3 milhões de Sâmia na Suíça, e o dinheiro foi bloqueado. Na ocasião, ela afirmou perante a Justiça suíça que o dinheiro provinha de um garimpo de sua propriedade na Guiana. Até hoje, a PF não conseguiu provar envolvimento de Sâmia com o narcotráfico, mas suspeita que ela tenha US$ 12 milhões em investimentos nos EUA, provenientes dessa atividade.

Organização Porras
Criada pelo lendário traficante colombiano Evaristo Porras Ardila, a Organização Porras sofreu um fracionamento desde que seu líder foi acusado de ser o mandante do assassinato, em 84, do então ministro da Justiça colombiano, Rodrigo Lara Bonilla. Evaristo Porras era o principal fornecedor de pasta-base de coca de Pablo Escobar -líder do Cartel de Medellín, morto em 93. Hoje, Porras está preso em Bogotá.
Em fevereiro de 97, foram presos 26 membros da organização em uma fazenda em Pimenta Bueno (Rondônia). O grupo, liderado por Rolando Saavedra Shapiana (peruano, proprietário do hotel Pousada do Sol, o maior de Tabatinga), foi preso sem a droga e condenado, em decisão inédita da Justiça, como quadrilha de traficantes.
Outro elo da Organização Porras no Brasil foi identificado, há apenas duas semanas, em Fortaleza (CE), com a prisão do colombiano Joaquim Hernando Castilla Jimenez. Em depoimento à PF, ele afirmou ter ""lavado", desde 1993, US$ 720 milhões para a organização com ajuda de funcionários de bancos brasileiros. A legalização do dinheiro foi feita, segundo ele, com a compra de imóveis em pelo menos seis Estados.
O colombiano disse que o próprio Evaristo Porras Ardila chegou a trazer dólares para o Brasil e que o dinheiro entrava no país camuflado entre peixes. A organização comandava a maior empresa de pescado de Letícia, a Pescaderia Del Amazonas, confiscada pelo governo daquele país após a condenação de Ardila, em 95.
O sucessor de Evaristo Ardila na organização, seu irmão Henri Porras, mora em Tabatinga. Preso com 80 kg de cocaína na Colômbia, fugiu para o Brasil, onde vive protegido pelo fato de ter um filho registrado brasileiro.
Os irmãos peruanos Nicolas, Segundo Gaudêncio e Adolfo Cachique Rivera lideram uma dissidência da Organização Porras conhecida como Organização Cachique Rivera. Cartazes do principal líder do grupo, Nicolas (o Nico), e de sua mulher, Maria del Carmem Rivera, estão em todas as delegacias e postos de fiscalização da região. Segundo a PF, o grupo transporta pasta-base do Peru para a Colômbia, pela Amazônia, com a ajuda de brasileiros.
A Organização Stela é liderada por uma mulher colombiana, de nome Stela, que assumiu os espaços deixados por Pablo Escobar na região de Medellín. O grupo é conhecido também como Cartel de Los Llanos.
O paraguaio Ramon Mendonza lidera uma outra organização, identificada como Dom Papito, que fornece armas e munições aos guerrilheiros da Farc (Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia) em troca de cocaína. O grupo, segundo a polícia, revende a droga a traficantes brasileiros.
A sétima organização apontada no organograma do narcotráfico na Amazônia ocidental é especializada no fornecimento de produtos químicos para o refino da pasta-base de cocaína. Ela opera no Brasil, Peru, EUA e no Equador, mas, segundo a PF, está temporariamente desarticulada em razão da morte de principal líder, o peruano Carlos Zapater Zarak.



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