São Paulo, Domingo, 21 de Novembro de 1999
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Presidente do conselho vê falta de afinação

da Reportagem Local

O presidente do Conselho de Recursos do Sistema Financeiro Nacional, Waldemar Messias de Araújo, 62, tem uma explicação para a grande disparidade entre as punições aplicadas pelo Banco Central e as decisões revistas dentro do âmbito do "conselhinho": o BC trata como infração operações que o conselho já não considera irregulares.
Outro exemplo de falta de afinação, segundo Araújo: em alguns processos, o BC pune de forma coletiva, enquanto o conselho exige a comprovação de culpa do dirigente ou administrador (a responsabilidade subjetiva).
Economista e contador com pós-graduação em direito internacional, comércio exterior e mercado de capitais, Araújo preside o conselho há oito meses.
Nascido em Sergipe, ex-presidente do Banco da Amazônia, Messias de Araújo trabalhou 35 anos nas áreas de fiscalização e mercado de capitais do BC. "Eu conheço os vários ângulos da questão", disse, em entrevista à Folha, em Brasília.
(FREDERICO VASCONCELOS).

 

Folha - A fiscalização vai com muita sede ao pote ou o "conselhinho" tem pouco apetite para manter as punições?
Waldemir Messias de Araújo -
Eu fui inspetor e tenho essa experiência. Ao chegar à instituição, cada vírgula colocada inadequadamente era, para mim, alguma coisa que poderia ser premeditada. É a cabeça do fiscal...

Folha - O "conselhinho" é um órgão de abrandamento?
Araújo -
É evidente que, com todos os cuidados jurídicos, a Procuradoria Geral da Fazenda Nacional não se expõe a patrocinar uma penalidade que será derrubada na Justiça comum. Infelizmente, praticamente foram derrubadas todas as decisões do conselho em que houve recurso na justiça comum.

Folha - Como o sr. explica a discrepância entre as penalidades aplicadas pelo BC e as decisões do "conselhinho"?
Araújo -
Na verdade, o BC ainda insiste em não observar a jurisprudência firmada pelo conselho. O conselho não considera como falta tudo o que o BC pune.

Folha - Quais são os casos em que há maior divergência?
Araújo -
Mais de 50% das divergências envolvem a questão do factoring (compra, por instituição financeira, de duplicatas de outra empresa).
Sem que fique provado que houve a captação do público, não há como se considerar que, ao administrar esses recursos próprios, a empresa exerce funções de instituição financeira.

Folha - E qual é a visão do BC?
Araújo -
Para o BC, mesmo não se comprovando a captação do público, é um exercício de instituição financeira. Para o conselho, isso é matéria de polícia.

Folha - Há decisões discrepantes no próprio BC?
Araújo -
O BC dispõe de delegacias do Rio Grande do Sul ao Pará. Muitas vezes se identifica diferenças de postura, embora com absoluta correção. É possível que agora, com a reestruturação, concentrando os trabalhos, haja maior unificação.

Folha - Bons advogados obtêm o abrandamento de decisões no conselho, onde nem todos têm formação jurídica...
Araújo -
Minha experiência de oito meses mostra que o plenário dificilmente deixa de acompanhar a Procuradoria Geral da Fazenda Nacional. E os procuradores estão equidistantes da disputa e podem analisar os fatos sem emoção.

Folha - O representante da Febraban está sempre pedindo o arquivamento de processos...
Araújo -
Hélio Domingues é extremamente ético. Ele não nega as posições que assume, das quais não se afasta. Em geral, registra os votos vencidos. Mas ele é, geralmente, perdedor.

Folha - Nas "operações casadas", envolvendo bancos e empresas do mesmo grupo, há uma constante redução das penalidades...
Araújo -
Sempre que se identifica o empréstimo à coligada tem havido a penalização. O que se exige é que haja a prova da operação. Nem sempre isso é visível.

Folha - Dirigentes de bancos que abriram "contas fantasmas" sofreram multas irrisórias. Isso inibe novas infrações?
Araújo -
Há casos em que as penalidades são bastante reduzidas. A procuradoria tem que se valer do que a lei diz. Mas há instituições que reagem para não ter na sua ficha aquele registro.


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