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ENTREVISTA DA 2�
MARIA DA CONCEIÇÃO TAVARES
Focalização de programas sociais e ênfase no ajuste fiscal, em vez do externo, são principais alvos
Economista do PT faz críticas à proposta social de Palocci
GABRIELA ATHIAS
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA
Depois que o ministro Antonio
Palocci Filho (Fazenda) divulgou,
no último dia 10, o documento
"Política Econômica e Reformas
Estruturais", a economista Maria
da Conceição Tavares, 73, perdeu
a calma e mandou às favas o tom
moderado que vinha usando
diante da imprensa. "Quase tive
um ataque quando li aquilo."
"Aquilo" é o documento em
que a equipe econômica, contradizendo argumentos históricos
do PT, atribuiu os problemas da
economia brasileira à falta de
ajuste fiscal. A sigla sempre bateu
na tecla de que o déficit externo
era a causa das mazelas do país.
Mas o que fez com que a economista, avessa a entrevistas, falasse
à Folha foi o fato de o documento
propor a focalização dos programas sociais -pela qual somente
os realmente pobres seriam atendidos. Embora a expressão tenha
sido usada de forma genérica, para Tavares, assessores de Palocci
tentam introduzir no governo a
idéia de acabar com a universalização dos benefícios sociais.
Antes que a discussão começasse, ela resolveu colocar a boca no
trombone. Em uma entrevista
concedida na última sexta-feira,
por telefone, chamou o secretário
de Política Econômica, Marcos
Lisboa, que ajudou a elaborar o
documento, de "débil mental" e
disse que numa reunião do Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social foram apresentadas estatísticas falsificadas. A seguir, trechos da entrevista.
Folha - Por que o documento divulgado no último dia 10 pela equipe do ministro Palocci causou mal-estar entre os ministros da área social ao falar na focalização dos programas sociais?
Maria da Conceição Tavares - Causou mal estar em todo mundo. Não sou da área social e estou
histérica. Temos políticas universais há mais de 30 anos. Somos o
único país da América Latina que
tem políticas universais. A focalização foi experimentada e empurrada pelo Banco Mundial na
goela de todos os países e deu
uma cagada. Não funciona nada.
Desmontaram o sistema de saúde
pública do Chile, que era o melhor
da América Latina, desmontaram
a Previdência e fizeram fundos de
pensão e deu outra cagada, desmontaram o sistema de ensino
público e foi a mesma coisa.
Ainda fizeram a mesma coisa na
Argentina. Chile e Argentina tinham historicamente os melhores programas de saúde e de educação e cobertura geral de políticas universais. Desmantelaram e
obrigaram a fazer focalização.
Folha - Causa surpresa saber que
num governo de esquerda há eco
para esse tipo de proposta...
Tavares - O eco foi de raiva. Dentro do programa [divulgado pelo
Ministério da Fazenda] há gente
infiltrada que escreveu uma porcaria chamada Agenda Perdida
[documento escrito pelos economista José Alexandre Scheinkman, Ricardo Paes de Barros e
Marcos Lisboa], feita por um grupo de débeis mentais do Rio de Janeiro. Não são tão débeis mentais
porque, além de fazer a Agenda,
montaram um instituto, que é
uma ONG, que recebe em torno
de US$ 250 mil do Banco Mundial
para fazer o tal estudo especial para focalizar.
Assim como tivemos a desgraça
de, no governo
Fernando Henrique Cardoso, termos os economistas da PUC [Pontifícia Universidade
Católica do Rio de
Janeiro] no programa econômico,
desta vez temos
também os da
Fundação Getúlio
Vargas, e não apenas infiltrados na
área econômica.
Esse Marcos Lisboa é um garoto
semi-analfabeto
que está encarregado de fazer política econômica,
coisa que ele jamais fez na vida.
Quiseram vender a
Agenda para o PMDB, que não
comprou, fizeram o mesmo com
o Ciro [Gomes, candidato derrotado pelo PPS à Presidência e hoje
ministro da Integração Nacional].
É um espanto que esse grupo de
garotos espertos faça com dinheiro público e do Banco Mundial
uma nova Agenda que proponha
para o Brasil -o único país que
tem políticas universais em saúde,
no ensino público básico e no
INSS, três redes universais que
nunca ninguém conseguiu desmontar- a focalização dos programas sociais.
Folha - Apesar das críticas ao
Marcos Lisboa, a política econômica do governo está sendo bem-sucedida...
Tavares - O Marcos Lisboa tem
38 anos e foi colega do meu filho
na escola. Foi meu aluno, era um
bom menino que adorava fazer
modelos matemáticos e adora até
hoje. Isso tem tanto a ver com política social quanto coisa nenhuma. É um direito do ministro levar quem quiser para a sua assessoria econômica, mas não é direito de um assessor palpitar sobre
focalização e Agenda Perdida.
Folha - A sra. acredita que esse
documento tenha sido feito à revelia do ministro Palocci?
Tavares - Eu não acho nada. Sei
que quem escreveu
o documento foi ele.
O ministro Palocci
escolheu para seu
assessor econômico
e do Tesouro [Joaquim Levy, ex-chefe
da assessoria econômica do Ministério
do Planejamento no
governo FHC]
quem bem entendeu. Não são pessoas da confiança do
PT e não têm nada a
ver com o partido. É
gente de quem ninguém nunca tinha
ouvido falar. O Marcos Lisboa não tem a
menor experiência
de política econômica. Já o ministro é
um cara inteligente e
tem experiência. Então pensei: ele colocou lá uns papalvos
[patetas" sem importância nenhuma porque é esperto e não vai
ouvir conversa nenhuma. Além
disso, o ministro Palocci conversa
com diversos economistas: do
Delfim [Netto, deputado pelo PP
-antigo PPB- de São Paulo e
ex-ministro da Fazenda] aos tucanos e a nós. O ministro Palocci fala com todo mundo.
Folha - Defender a focalização
dos programas sociais é ser liberal?
Tavares - Estive em São Paulo
[depois da divulgação do documento" e tive de ouvir o dr. Delfim Netto defender a Constituinte
de 1988, onde estão consagrados
os direitos universais nas três
áreas: saúde, assistência social e
Previdência Social. Isso vinha
sendo construído como políticas
universais desde o tempo da ditadura, logo, não é um problema de
ser conservador. É um problema
de ser pateta ou de má-fé. E esse
pessoal está tentando dar as rédeas da política social do governo.
É evidente que os ministros da
área social estão possessos, mas
não vão armar uma briga com o
ministro Palocci, a quem terei o
prazer de, assim que for a Brasília,
ir visitar para perguntar o que é
aquilo. Como um documento da
Fazenda fala sobre focalização?
Folha - Há algum outro aspecto
que a sra. critica no documento?
Tavares - Ele desmente o diagnóstico de todos os economistas
bons desse país que colocaram no
estrangulamento externo, no aumento dos passivos externos que
o doutor Fernando Henrique nos
deixou, os problemas da economia. Diz que não é nada disso e
que o problema na verdade é que
o governo passado não fez o ajuste fiscal, que tal? Um garoto falando contra o ponto de vista de todos os grandes empresários e economistas como Delfim Netto,
[Luiz Carlos] Mendonça de Barros, do José Serra, do Luiz Carlos
Bresser Pereira, do Yoshiaki Nakano, de Campinas inteiro... Se há
unanimidade no diagnóstico econômico é que temos um problema de estrangulamento externo.
É isso que nos faz tolerar a habilidade política do ministro Palocci
em contornar uma situação que,
em setembro, era ruinosa.
Folha - Apesar do que a senhora
fala de Marcos Lisboa, a taxa de
câmbio recuou, a inflação dá sinais
de queda...
Tavares - O garoto não faz política econômica. Quem faz é o ministro, o presidente do Banco
Central, a diretoria do BC e aquele
garoto do Tesouro [Joaquim
Levy], e não aquele menino [Lisboa], que não tem a menor condição de fazer política econômica
por não ter experiência. O que ele
faz são os documentos, aquela babaquice que o Consenso de Washington quer que a gente aplique.
Ele que faça os documentos que
quiser. Diga-se de passagem que o
diagnóstico [contido no documento "Política Econômica e Reformas Estruturais"] é a gargalhada do Delfim e de todo mundo
porque revela a mais profunda ignorância...
Folha - A política econômica do
ministro Palocci está correta?
Maria da Conceição - Até aqui,
sim. Agora vai complicar por causa do câmbio.
Folha - O câmbio deve ser controlado?
Tavares - Não acho nada. Se nem
o presidente do FED [banco central norte-americano], Alan
Greenspan, sabe o que fazer com
a taxa de câmbio dele, como, diabo, você quer que eu diga o que
vai acontecer com o câmbio?
Acho apenas que deixar entrar capital morte súbita [especulativo e
de curto prazo], como diz o Delfim, ou capital pirata, os US$ 5 bilhões, ajuda a revalorizar. Mas depois teremos outro ataque, que foi
o que aconteceu no governo Fernando Henrique. Nesse sentido,
essa política econômica é a mesma que a anterior e não deu bom
resultado. Política cambial é a coisa mais difícil porque o BC, não
tendo reservas,
não tem raio de
manobra para fazer política cambial. Logo, eu não
estou criticando.
Apenas digo que,
se essa política
durar muito, como diz o próprio
presidente Lula, é
ruim porque prejudica a retomada
do crescimento, a
substituição de
importações, as
exportações. Não
tenho atacado
nem o ministro
Palocci nem o
presidente do BC.
Agora, os débeis
mentais que ele
tem de assessor,
se não escrevessem nada ou ficassem calados,
eu também não atacaria.
Folha - Há pontos corretos no documento: até hoje não reduzimos a
desigualdade de renda, e nossos
programas sociais não combateram a pobreza.
Tavares - Não é verdade. A Previdência e a Loas [Lei Orgânica de
Assistência Social, que prevê o pagamento de aposentadoria a deficientes e para idosos com mais de
65 anos com renda per capita da
família até R$ 25] são os maiores
programas de transferência de
renda da América Latina. Move
não apenas a economia das pequenas cidades do Nordeste, como as de São Paulo e as do Rio de
Janeiro.
Folha - Isso não muda o fato de
que hoje o Brasil investe mais nos
velhos do que nas crianças.
Tavares - Isso é porque o programa de leite e de nutrição do SUS
foi abandonado pelo governo
Fernando Henrique.
Folha - Não há programa de leite
que faça com que um menino que
nasceu na periferia de São Paulo
quebre o ciclo de pobreza da sua família...
Tavares - A redução da mortalidade infantil deve-se à distribuição de leite do governo José Sarney. Gozado: cai a mortalidade,
aumenta a alfabetização, os velhos recebem renda e
não está funcionando? As estatísticas sociais apresentadas no
Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social foram
falsificadas. São essas
coisas que fazem com
que a sociedade diga,
há uma década, que o
serviço público não
funciona, que o Estado é ineficiente e que
tem de focalizar.
Estou discutindo a
universalização dos
indicadores sociais.
Para melhorar a distribuição de renda vai
ser preciso fazer tudo:
uma reforma tributária progressista, reforma agrária, que os
donos de banco paguem imposto etc,
etc.
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