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IGREJA CATÓLICA
Tido como conservador ao assumir arquidiocese de São Paulo, cardeal ganha respeito de progressistas
D. Cláudio transita em correntes opostas
ANDRÉ SINGER
DA REPORTAGEM LOCAL
Quem chegasse à Praça da Sé,
centro de São Paulo, ao meio-dia
do último 1� de Maio, depararia
com uma cena "sui generis". Em
um canto, o cardeal da capital
paulista, d. Cláudio Hummes, assistia, inteiramente só, a um pequeno espetáculo de dança.
No palco, um padre que vestia
uma camiseta verde, coordenava
um grupo de oito moças que dançavam e cantavam em ritmo centro-americano. O responsável por
uma das maiores dioceses do
mundo batia palmas para acompanhar as canções.
As letras, engajadas, falavam da
luta por justiça e solidariedade.
Tranquilo, o cardeal parecia apreciar o evento. A situação não espanta quem o conhece. D. Cláudio é o que se chamaria de um
franciscano. No caso, de verdade.
Além de pertencer à ordem criada
por são Francisco de Assis, ele vive e trabalha de maneira simples.
Em sua casa, na Luz, perto do centro da cidade, não há luxo.
Amanhã, o príncipe da igreja
em São Paulo estará em Roma para participar do primeiro consistório desde que recebeu o chapéu
cardinalício, em fevereiro.
No Vaticano, d. Cláudio já é conhecido. Faz parte de seis comissões de assessoria papal. Consta,
também, que a amizade de d. Eugênio Salles, o veterano arcebispo
do Rio, que detém uma das vozes
brasileiras mais ouvidas em Roma, ajuda o trânsito do cardeal.
Do campo para Roma
O franciscano Hummes deverá
estar à vontade. Roma é uma velha conhecida. Lá, o cardeal morou no começo da década de 60,
para doutorar-se em filosofia, depois de frequentar o seminário no
Rio Grande do Sul, onde nasceu
em 1934, e em Divinópolis (MG).
Apesar da ótima formação intelectual, d. Cláudio não perdeu a
simplicidade de filho de pequenos
proprietários agrícolas, que só
aprendeu a falar português com
seis anos (antes falava alemão).
Com o dinheiro que ganha como presente dos fiéis, o cardeal
ajuda quem precisa.
Engana-se, porém, quem toma
a simplicidade de d. Cláudio por
timidez. Basta acompanhar o cardeal por algum tempo para perceber que nele existe uma vontade
férrea de conduzir o seu rebanho.
Logo depois de terminado o
show de dança no 1� de Maio, o
cardeal subiu ao palanque, montado na Sé, àquela altura tomado
por cerca de 500 manifestantes.
Na ocasião, bandeiras do MST
foram abençoadas. A retórica de
d. Cláudio em nada fazia lembrar
o bispo conservador que se anunciava três anos atrás, quando foi
visto como o agente enviado por
Roma para coibir os padres vermelhos que cercavam o antigo
chefe da igreja paulistana, o progressista d. Paulo Evaristo Arns.
Ouviu-se de d. Cláudio um discurso firme contra políticas "neoliberais" que causam "desemprego em massa". Mas ele não é d.
Paulo. Apesar das semelhanças,
há um abismo entre eles.
Século 21
D. Paulo é, talvez, junto com d.
Helder Câmara, o melhor emblema do catolicismo brasileiro no
século 20. D. Cláudio tem tudo
para ser o do século 21.
A diferença fica clara quando d.
Cláudio faz o elogio da Renovação Carismática, movimento de
corte conservador que tem entre
seus expoentes o padre Marcelo
Rossi. "Eles têm muito a ver com a
pós-modernidade", diz o cardeal.
Não por acaso, a fala do cardeal
de São Paulo lembra a de um filósofo católico. Doutor em filosofia,
com uma tese em que procura
mostrar a inexistência de incompatibilidade entre Kant e Hegel e a
fé cristã, d. Cláudio é um intelectual completo.
"A modernidade acentuou
muito a racionalidade. A pós-modernidade é uma reação contra
esse racionalismo exagerado, em
que se recupera o corpo, o sentimento, o coração, a gesticulação."
Para d. Cláudio, a igreja não tem
como ficar fora desse movimento.
Ou seja, para continuar à frente
dos cerca de 1 bilhão de católicos e
ter chance de expansão, o Vaticano precisa incorporar movimentos como o dos carismáticos.
Foi o que João Paulo 2� fez em
Roma e d. Cláudio reproduziu em
Santo André -onde foi bispo por
duas décadas- ao longo dos
anos 80. "Por volta de 86, eu fazia
pregações naquela região. Um dia
o bispo foi a um dos locais em que
eu pregava, assistiu a minha fala e
depois veio conversar. Isso nunca
havia ocorrido", conta o publicitário Antonio Miguel Kater Filho.
O bispo era d. Cláudio. Kater Filho, um leigo na época, vinculado
à Renovação Carismática, hoje vice-presidente do Instituto Brasileiro de Marketing Católico, tornou-se conselheiro do religioso.
Influenciados pela Renovação
Carismática, os ritos católicos em
São Paulo tornaram-se parecidos
com os dos protestantes.
Emotivo
Assim que d. Cláudio assumiu,
em abril de 1998, o padre Júlio
Lancelotti levou a Itaici (SP)
-onde a Conferência Nacional
dos Bispos do Brasil estava reunida- um grupo de moradores de
rua para ser apresentado ao novo
arcebispo. Ninguém sabia o que
ocorreria. Afinal, Lancelotti é um
membro da corrente progressista.
"Ao ver os moradores de rua, d.
Cláudio chorou e tornou-se um
aliado incondicional do padre Júlio", conta o professor de Teologia
da PUC-SP Fernando Altemeyer.
É difícil entender como o cardeal consegue ser elogiado por figuras tão díspares quanto Kater
Filho e Altemeyer. "Acontece que
ele mudou de orientação no meio
do ano passado", diz Altemeyer.
D. Cláudio voltou a dar ênfase às
questões sociais, nomeou dois
bispos progressistas e manteve a
estrutura descentralizada que o
antecessor havia legado.
O que houve? Para Altemeyer,
"foi o Espírito Santo". Uma explicação mais materialista, ou maquiavélica, sugeriria que, uma vez
obtido o controle da arquidiocese,
chegou o momento da diástole.
Mesmo assim, na próxima reunião anual da CNBB, ele pretende
defender que a entidade deve "ser
mais para os bispos". Em outras
palavras, a atual autonomia dos
assessores seria substituída pela
palavra autorizada dos religiosos.
Bispo das massas
Por estranho que pareça, sem
abrir mão das posições conservadoras, o cardeal começa a recuperar em São Paulo a simpatia dos
progressistas, que adquiriu no
ABC, no final dos anos 70.
O engajamento de d. Cláudio
naquela época foi total. Abriu as
igrejas para as assembléias de metalúrgicos quando os sindicatos
sofreram intervenção.
Mas quem conhece d. Cláudio
sabe que ele sempre esteve, no íntimo, preocupado com o possível
uso da igreja para fins extra-eclesiásticos. Acima de tudo, ele é um
homem da instituição.
É o direcionamento institucional da sua ação que explica o delicioso diálogo que travou com o líder comunista Luís Carlos Prestes
nos bastidores de um dos comícios do ABC. Ao ser apresentado
ao cavaleiro da esperança, d.
Cláudio, sem mais, disparou: "Eu
estou aqui por Jesus Cristo". Ao
que o velho militante marxista
respondeu: "E eu pela ciência".
Passado o vendaval da transição
para a democracia, d. Cláudio esmerou-se por equipar a igreja
com instrumentos que lhe permitissem seguir a caminhada em um
ambiente pós-moderno. Não só
estimulou os grupos da Renovação Carismática, como dedicou-se a ampliar os meios de comunicação à disposição do clero.
Com essa disposição para se comunicar, depois de se dirigir às
poucas centenas de militantes
reunidos na Sé, no 1� de Maio, o
cardeal embarcou no Vectra verde que o serve e foi direto para o
ato da Força Sindical.
Diante de uma multidão, calculada em 1,5 milhão de pessoas, o
cardeal falou da "nova ordem
econômica mundial, globalizada
e de perfil neoliberal".
Quase ninguém prestou atenção. Não será fácil evangelizar os
jovens pós-modernos que estavam ali mais para ouvir Adriana e
a Rapaziada, do que a mensagem
do cardeal. Porém, no que depender do franciscano, o esforço será
feito. Ninguém duvide.
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