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AVANÇA BRASIL
Estradas previstas na Amazônia podem reeditar padrão de desmatamento nos próximos 30 anos
Plano ameaça 180 mil km2 de florestas
MARCELO LEITE
Editor de Ciência
Imagine uma área de floresta do
tamanho de dois países como
Portugal. É o que a ex-colônia
Brasil pode estar condenando à
destruição, nos próximos 20-30
anos, se levar a cabo a recuperação e a pavimentação de apenas
quatro estradas do programa
Avança Brasil, do governo Fernando Henrique Cardoso.
A previsão foi feita por três organizações não-governamentais,
como seria de prever. Três ONGs
de renome científico, porém.
Duas são brasileiras: o Instituto
de Pesquisa Ambiental da Amazônia (Ipam, com sede em Belém
do Pará) e o Instituto Socioambiental (ISA, de São Paulo). A terceira é o Centro de Pesquisa
Woods Hole (WHRC, em inglês),
de Massachusetts (EUA).
As quatro estradas são a Cuiabá-Santarém (BR-163), Humaitá-Manaus (BR-319), Transamazônica (BR-230, trecho Marabá-Rurópolis) e Manaus-Boa Vista (BR-174). Um total de 3.500 km de rodovias, que dariam acesso a centenas de milhares de quilômetros
quadrados de floresta, boa parte
dela intocada, ou quase.
Pior, ainda: algumas dessas florestas são muito sujeitas a incêndios, como nos anos de seca provocada pelo fenômeno El Niño
(veja mapa). O efeito do último,
de 1997-98, não pôde ainda ser
avaliado em detalhe porque o governo não divulgou os dados oficiais de desmatamento de 1999,
normalmente fechados no começo do ano pelo Instituto Nacional
de Pesquisas Espaciais (Inpe).
No Banco Mundial
O estudo das ONGs foi obtido
com exclusividade pela Folha. Será divulgado hoje pela Internet
(www.ipam.org.br). Na quinta-feira passada, foi apresentado no
Banco Mundial (Bird), em Washington, por Daniel Nepstad, ecólogo do WHRC, em reunião que
contou com a presença de um representante da área de ambiente
da Embaixada do Brasil nos EUA.
"Esse trabalho apresenta uma
nova visão abrangente das ameaças ao desenvolvimento sustentável da Amazônia", diz Thomas
Lovejoy, consultor-chefe de biodiversidade do Banco Mundial,
que convidou Nepstad a fazer a
apresentação. "Ao reunir vários
elementos, fica claro que os projetos do Avança Brasil, não modificados, serão como acender um
fósforo sobre a Amazônia."
O Banco Mundial está realizando um processo de consulta, em
vários países, sobre sua política
para florestas. O Bird quase não
financia mais projetos em florestas tropicais, política restritiva
adotada em 1991, depois das críticas recebidas por conta de desastres como o da rodovia BR-364,
em Rondônia, nos anos 70-80. Ali
se originaram as agora clássicas
imagens de satélite com desmatamento tipo "espinha-de-peixe"
(nos ramais perpendiculares ao
eixo da estrada asfaltada).
Lovejoy é uma das maiores autoridades do mundo em Amazônia. Tem três décadas de pesquisa
no Brasil, sobre a dinâmica de florestas quando reduzidas a fragmentos, projeto que coordenou
em parceria com cientistas do
Instituto Nacional de Pesquisas
da Amazônia (Inpa). Dirigiu o
Fundo Mundial para a Natureza
(WWF) dos EUA de 1973 a 1987.
"Prevejo que partes do trabalho
serão questionadas. Isso é normal, mas será aceito no final",
afirma Lovejoy. "Acredito que há
toda razão para esperar que o desmatamento suceda a pavimentação das estradas: essa é a história
na Amazônia e outros lugares e só
um esforço maciço poderia prevenir isso-o que é improvável,
por causa dos fundos limitados."
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